Missa por bandidos falecidos – EB

dia-de-finados-450x320Em síntese:  A Igreja não pode deixar de rezar, e mesmo oferecer a S. Missa (em caráter particular, sem pompa), por qualquer de seus filhos falecidos.  No caso de defuntos falecidos após uma vida abertamente pecaminosa, a família se encarrega de certa pomposidade, que o sacerdote ignora. Isto causa má impressão, mas – repita-se -, ocorre sem a participação da Igreja.

A Redação de PR recebeu a seguinte mensagem:

“Anos atrás, morreu Castor de Andrade, chefão do bicho, ladrão, assassino, corruptor, pervertido.  Fiquei chocado ao ver no jornal a foto de sua missa de corpo presente. Seguiram-se as missas de sétimo dia, 30 dias, 1 ano. Tempos depois morreu assassinado por bandidos rivais seu filho e sucessor. Paulo de Andrade, e a seqüência de homenagens se repetiu. Ué, morto em 2002 em briga por pontos de venda de drogas.

Ainda me lembro do dia em que enterrei minha mãe: enquanto nosso pequeno grupo de familiares acompanhava seu caixão simples levando flores nas mãos, tivemos que esperar até que acabasse de passar um enorme e rico cortejo, cercado por homens mal encarados portando metralhadoras e escopetas. Soube depois que se tratava de um bandido morto por rivais.  Minha mãe, católica fervorosa, está enterrada a poucas quadras de um monstro.

Pergunta:  por que a Igreja aceita homenagear esses criminosos quando tantas vezes recusou uma sepultura em cemitério católico a pessoas que cometeram o “crime” de serem divorciadas ou foram excomungadas por suas pobres fraquezas humanas?  O que o padre terá dito no sermão dessas missas para bandidos?  Louvou as virtudes dos falecidos?

Tornei-me ateu há vários anos e estas atitudes da Igreja tiveram grande influência no processo que levou ao meu “despertar”. É claro que, se eu ainda acreditasse em Deus, apenas mudaria de religião. Mas a revolta que eu senti por essas e outras coisas levou-me a pensar. E pensar leva ao ateísmo?

Que dizer?

Proporemos quatro pontos para reflexão.

A recusa de exéquias solenes

Eis o que a propósito reza o Código de Direito Canônico:

Cân. 1184 – § 1. Devem ser privados das exéquias eclesiásticas, a não ser que antes da morte tenham dado algum sinal de penitência :

1º  os apóstatas, hereges e cismáticos notórios;

2º os que tiverem escolhido a cremação de seu corpo por motivos contrários à fé cristã;

3º outros pecadores manifestos, aos quais não se possam conceder exéquias eclesiásticas sem escândalo público dos fiéis.

§ 2. Em caso de dúvida, seja consultado o Ordinário local, a cujo juízo se deve obedecer.

Cân. 1185 – A quem se negaram exéquias eclesiásticas, deve-se negar também qualquer missa exequial”.

Faz-se oportuno notar:

a) O caso de Castor de Andrade e o de seu filho Paulo estão enquadrados no item 3 do § 1º do cânon 1184 ?

b) Caso estejam enquadrados aí, restava o recurso à celebração particular (sem pompas eclesiais) da S. Missa. A família dos falecidos é que se encarregou do cortejo pelo cemitério e das demais demonstrações anexas à Missa, não previstas pelo ritual católico.

c) A Igreja não pode deixar de rezar por qualquer de seus filhos falecidos, se não é possível fazê-lo pública e solenemente, ela o faz privada e discretamente.

d) É importante a cláusula: “a não ser que antes da morte tenham dado algum sinal de penitência”. Este sinal pode não ser público, somente quem assiste ao enfermo o percebe e o atesta, possibilitando assim as exéquias solenes do ritual da Igreja. O público que ignore este pormenor, poderá ficar perplexo, mas sem fundamento. Ao celebrante toca explicar ao público o porquê da solenidade.

E, vê-se assim que não é fácil julgar o caso dos Andrades e outros semelhantes.

Fazer-se ateu

O nosso irmão fez-se ateu… Fazer-se ateu é abandonar o Sumo Bem, o único que não podemos perder. É privar-se da única resposta capaz de satisfazer aos nossos anseios mais profundos e espontâneos. Ora fazer tal opção por causa de funerais solenes ou não parece desarrazoado. Carece de equilíbrio e proporção. É atitude momentânea, que deve ceder a uma reconsideração. Recorrendo a uma imagem, o ateu Jean-Paul Sartre (1905-80) falava do buraco em forma de Deus existente na consciência humana, onde Deus sempre habitou.

Referindo-se ao ateísmo, sabiamente diz o Concílio do Vaticano II:

“Faltando ao contrário o fundamento divino e a esperança da vida eterna, a dignidade do homem é prejudicada de modo gravíssimo, como se vê hoje com frequência; e os enigmas da vida e da morte, da culpa e da dor, continuam sem solução: assim os homens muitas vezes são lançados ao desespero.

Todo homem, entretanto, permanece para si mesmo um problema insolúvel, obscuramente percebido. Em algumas ocasiões, com efeito, sobretudo nos mais importantes acontecimentos da vida, ninguém consegue fugir de todo a esta pergunta.  Só Deus dá uma resposta plena e totalmente certa a esta questão e chama o homem a mais alto conhecimento e a pesquisa mais humilde” (Const. Gaudium et Spes nº 21).

O vazio deixado pelo ceticismo não pode deixar de incomodar.

É conveniente lembrar ainda a acolhida que o mundo pagão prestou à mensagem cristã: se houve resistência e perseguição,  houve também rápida aceitação, pois o Evangelho corresponde às mais genuínas aspirações do ser humano: daí dizer Tertuliano, (+ 220) jurista convertido à fé: “O testemunho da alma naturalmente cristã!”

Esta afinidade com o mais íntimo do homem explica a rápida expansão do Cristianismo no Império Romano perseguidor. – O Concílio observa:

“A Igreja sabe perfeitamente que sua mensagem concorda com as aspirações mais íntimas do coração humano, quando reivindica a dignidade da vocação humana, restituindo a esperança àqueles que já desesperam de seu destino mais alto. A sua mensagem, longe de diminuir o homem, derrama luz, vida e liberdade para o seu progresso. Nada além disto pode satisfazer o coração do homem: “Fizestes-nos para Vós, Senhor e o nosso coração permanece inquieto enquanto em Vós não descansar” (ibid).

A responsabilidade dos cristãos

As falhas dos homens da Igreja não são razão objetiva para que alguém abandone a fé católica; sempre haverá joio na Igreja conforme o desígnio do seu próprio Fundador (cf. Mt 13, 24-30). Os dons de Deus passam por mãos humanas sem ser contaminados, pois em última análise é o próprio Deus quem rege a sua igreja.

Como quer que seja, toca aos fiéis católicos o grave dever de evitar os maus exemplos e os escândalos, pois estes afastam da fé muitos irmãos que indevidamente identificam Catolicismo e católicos. O Carolismo é um Dom de Deus, um chamado a comungar com a bem-aventurança do próprio Deus, chamado sublime que não se identifica com a resposta, por vezes, mesquinha, que o homem dá a tal apelo.  Verifica-se que não poucas pessoas alegam ter perdido a fé por causa dos homens pouco edificantes que a professam. Eis o que se lê na Constituição Gaudium et Spes nº 19.

“Na verdade os que deliberadamente tentam afastar Deus de seu coração e evitar os problemas religiosos, não seguindo o ditame da sua consciência, não são isentos de culpa.  No entanto, os próprios fiéis arcam sobre isto muitas vezes com alguma responsabilidade.  Pois o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é algo inato, mas antes originado de causas diversas, entre as quais se enumera também a reação crítica contra as religiões e em algumas regiões sobretudo contra a religião cristã.  Por esta razão, nesta gênese do ateísmo grande parte podem ter os crentes, enquanto, negligenciando a educação da fé, ou por uma exposição falaz da doutrina, ou por faltas na sua vida religiosa, moral e social, se poderia dizer deles que mais escondem do que manifestam a face genuína de Deus e da religião”.

“Pensar leva ao ateísmo”

O missivista termina sua mensagem afirmando que “foi levado a pensar, e pensar leva ao ateísmo”.

A verdade parece estar na afirmação contrária: “Pensar levar à fé”. Com efeito, utilizando linguagem simbólica, dizemos com Voltaire (1694-1778): “Todo relógio tem um relojoeiro; sim, indiscutivelmente”. Ora este mundo é um grande relógio. Por conseguinte deve Ter um Grande Relojoeiro, que é Deus. Hoje mais do que nunca pode-se dizer que o universo, penetrado pela ciência, dá eloqüente testemunho do seu Criador, O acaso (que aliás não é um sujeito) não explica a grandeza e a pequenez vertiginosas do cosmo no qual está inserido o ser humano.

Como testemunha dessa evidência, seja citado o psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961).  Certa vez, no programa de televisão Face to Face, foi interrogado por John Freeman, que desejava saber se Jung acreditava em Deus, ao que este respondeu: “Não preciso de acreditar. Eu sei”.

É a pouca ciência que afasta de Deus, ao passo que a muita ciência leva a Deus, afirma Louis Pasteur (1822-1895).

Merece atenção ainda o depoimento de Albert Einstein:

“Uma profunda fé na racionalidade do edifício do mundo e um ardente desejo de apreender o reflexo da razão revelada neste mundo deviam animar Keppler e Newton no seu longo e solitário estudo… Somente quem consagrou a sua vida a objetivos análogos, pode ter noção clara do que sustentaram esses homens; eles tiveram força para, entre mil insucessos, permanecer com os olhos fixos no objetivo que haviam escolhido… Um contemporâneo disse, e não sem razão que, em nossa época tão imbuída de materialismo, os verdadeiros sábios são apenas aqueles que são profundamente religiosos… O sábio é penetrado do senso da causalidade dos acontecimentos… A sua religiosidade consiste na atônita surpresa diante da harmonia das leis da natureza, na qual aparece uma razão tão superior que, em comparação com ela, as mais engenhosas formas do pensamento humano, com as suas diretrizes, parecem apenas um pálido reflexo… Não há dúvida, tal sentimento é bastante semelhante ao que, em todos os tempos, animou as produções dos grandes espíritos religiosos” (“Comment je vois le monde”.  Ed. Flammarion, p. 21).

Eis o que em poucas páginas nos ocorre dizer ao amigo ateu.  Continue a pensar e descobrirá algo mais. Considere o trigo que existe ao lado do joio na Igreja de Cristo.

***
1 nº 1185 – A exclusão é só da Missa exequial, no sentido estrito, não da aplicação particular da missa. – Tal é o comentário do Pe. Jesus Hortal em nota de rodapé da edição brasileira do Código de Direito Canônico.

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 493 – Ano: 2003 – p. 323

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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