Homilia de Bento XVI na vigília pela vida nascente

Sábado, 27
de novembro de 2010, (20h31)

Queridos
irmãos e irmãs,Com esta celebração vespertina, o Senhor nos dá a graça e a alegria de abrir o
novo Ano Litúrgico, iniciando pela sua primeira etapa: o Advento,
o período que faz memória da vinda de Deus entre nós. Todo o início traz em si
uma graça particular, porque é abençoado pelo Senhor. Neste Advento nos será
dada, mais uma vez, a oportunidade de fazer a experiência da proximidade
d’Aquele que criou o mundo, que orienta a história e que tomou conta de nós,
alcançando o cume de sua condescendência ao fazer-se homem. Exatamente o
mistério grande e fascinante de Deus conosco, mais ainda, de Deus que se fez um
de nós, é que celebraremos nas próximas semanas, caminhando em direção ao Santo Natal.
Durante o tempo do Advento, sentiremos a Igreja que nos toma pela mão e, à
semelhança de Maria Santíssima, expressa a sua maternidade fazendo-nos
experimentar a alegre expectativa da vinda do Senhor, que abraça a todos no seu
amor que salva e consola.

Enquanto os
nossos corações abrem-se rumo à celebração anual do nascimento de Cristo, a
liturgia da Igreja orienta o nosso olhar à meta definitiva: o encontro com o
Senhor que virá no esplendor da sua glória. Por isso nós que, em toda a
Eucaristia, “anunciamos a sua morte, proclamamos a sua ressurreição, na
expectativa da sua vinda”, vigiamos em oração. A liturgia não
cessa de encorajar-nos e sustentar-nos, colocando em nossos lábios, nos dias do
Advento, o grito com o qual se encerra toda a Sagrada Escritura, na última
página do Apocalipse de São João: “Vem, Senhor Jesus!” (22, 20).

Queridos
irmãos e irmãs, o nosso reunir-se nesta noite para iniciar o caminho do Advento
enriquece-se por um outro importante motivo: com toda a Igreja, desejamos
celebrar solenemente uma
vigília de oração pela vida nascente
. Desejo expressar o meu agradecimento
a todos aqueles que aderiram a esse convite e a quantos se dedicam de modo
específico a acolher e proteger a vida humana nas diversas situações de
fragilidade, em particular nos seus inícios e nos seus primeiros passos.
Propriamente o início do Ano Litúrgico faz-nos viver novamente a expectativa de
Deus que se faz carne no seio da Virgem Maria, de Deus que se faz pequeno,
torna-se criança; fala-nos da vinda de um Deus próximo, que desejou percorrer a
vida do homem, desde os inícios, e isso para salvá-la totalmente, em plenitude. E, assim, o
mistério da Encarnação do Senhor e o início da vida humana estão intimamente e
harmonicamente conectados entre si dentro do único projeto salvífico de Deus,
Senhor da vida de todos e de cada um. A Encarnação revela-nos com intensa luz e
de modo surpreendente que toda a vida humana tem uma dignidade altíssima,
incomparável.

O homem
apresenta uma originalidade inconfundível com relação a todos os outros seres
vivos que povoam a terra. Apresenta-se como sujeito único e singular, dotado de
inteligência e vontade livre, ainda que composto de realidades materiais. Vive
simultaneamente e indivisivelmente na dimensão espiritual e na dimensão
corpórea. Sugere isso também o texto da Primeira Carta aos Tessalonicenses que
foi proclamado: “O Deus da paz -escreve São Paulo – vos conceda santidade
perfeita. Que todo o vosso ser, espírito, alma e corpo, seja conservado
irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo!” (5, 23). Somos,
portanto, espírito, alma e corpo. Somos parte deste mundo, ligados às
possibilidades e aos limites da condição material; ao mesmo tempo, somos
abertos a um horizonte infinito, capaz de dialogar com Deus e de acolhê-lo em nós. Operamos nas
realidades terrenas e, através dessas, podemos perceber a presença de Deus e
tender a Ele, verdade, bondade e beleza absoluta. Saboreamos fragmentos de vida
e felicidade e anelamos à plenitude total.

Deus
ama-nos de modo profundo, total, sem distinções; chama-nos à amizade com Ele;
torna-nos participantes de uma realidade que ultrapassa toda a imaginação e
todo o pensamento e palavra: a sua própria vida divina. Com comoção e gratidão
tomemos consciência do valor, da dignidade incomparável de toda a pessoa humana
e da grande responsabilidade que temos com relação a todos. “Cristo, novo
Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a
si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime. […] Pela sua encarnação, Ele,
o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem” (Constituição Gaudium et Spes, 22).

Crer em Jesus Cristo comporta
também ter um olhar novo sobre o homem, um olhar de confiança, de esperança. De
resto, a própria experiência e a reta razão atestam que o ser humano é um
sujeito capaz de entender e desejar, autoconsciente e livre, irrepetível e
insubstituível, vértice de todas as realidades terrenas, que exige ser
reconhecido como valor em si mesmo e merece ser acolhido sempre com respeito e
amor. Ele tem o direito de não ser tratado como um objeto a se possuir, ou como
uma coisa que se pode manipular a bel prazer, de não ser tornado um puro
instrumento em vantagem de outros e seus interesses. A pessoa é um bem em si
mesma e é preciso buscar sempre o seu desenvolvimento integral. O amor por
todos, portanto, se é sincero, tende espontaneamente a dar atenção preferencial
aos mais débeis e pobres. Sobre essa linha, coloca-se a solicitude da Igreja pela
vida nascente, a mais frágil, a mais ameaçada pelo egoísmo dos adultos e do
obscurecimento de consciência. A Igreja continuamente reafirma aquilo que
declarou o Concílio Vaticano II contra o aborto e toda a violação da
vida nascente: “A vida, uma vez concebida, deve ser protegida com o máximo
cuidado” (Ibid., n. 51).


tendências culturais que buscam anestesiar as consciências com motivações
espúrias. Com relação ao embrião no ventre materno, a própria ciência coloca em
evidência a autonomia capaz de interação com a mãe, a coordenação dos processos
biológicos, a continuidade do desenvolvimento, a crescente complexidade do
organismo. Não se trata de um acúmulo de material biológico, mas de um novo ser
vivente, dinâmico e maravilhosamente ordenado, um novo indivíduo da espécie
humana. Assim aconteceu com Jesus no seio de Maria; assim foi com cada um de
nós, no ventre de nossa mãe. Com o antigo autor cristão Tertuliano, podemos
afirmar: “É já um homem aquele que o será” (Apologetico, IX, 8); não
há nenhuma razão para não considerá-lo pessoa desde a sua concepção.

Infelizmente,
também após o nascimento, a vida das crianças continua a ser exposta ao
abandono, à fome, à miséria, à doença, aos abusos, à violência, à exploração.
As múltiplas violações de seus direitos que se cometem no mundo ferem
dolorosamente a consciência de todo o homem de boa vontade. Diante do triste
panorama das injustiças cometidas contra a vida do homem, antes e depois do
nascimento, faço meu o apaixonado apelo do Papa João Paulo II à responsabilidade de todos e de cada
um: “Respeita, defende, ama e serve a vida, cada vida humana! Unicamente
por esta estrada, encontrarás justiça, progresso, verdadeira liberdade, paz e
felicidade” (Encíclica Evangelium vitae, 5). Exorto os protagonistas da
política, da economia e da comunicação social a fazer o que esteja ao seu
alcance para promover uma cultura sempre respeitosa pela vida humana, para
procurar condições favoráveis e retas de apoio ao acolhimento e desenvolvimento
dessa vida.

À Virgem
Maria, que acolheu o Filho de Deus feito homem com a sua fé, com o seu ventre
materno, com carinho, com acompanhamento solidário e vibrante de amor,
confiamos a oração e o empenho a favor da vida nascente. Fazemo-lo na liturgia
– que é o lugar onde vivemos a verdade e onde a verdade vive conosco – adorando
a divina Eucaristia, em que contemplamos o Corpo de Cristo, aquele Corpo que
encarnou em Maria por obra do Espírito Santo, e d’Ela nasce em Belém, para a
nossa salvação. Ave, verum Corpus, natum de Maria Virgine! Amém.


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Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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