Homeopatia: Ciência ou superstição? (Parte 2)

Doutrina Homeopática

4.1. O igual cura o igual

Este é o principal ponto da
doutrina homeopática (“Similia similibus curantur”).

Hahnemann quis justificar
este princípio através de sua famosa experiência com o quinino.

Tomando por vários dias 4
dracmas (14 gr) de quina, 2 vezes ao dia, ele experimentou sensações de
palpitação, pulso rápido e difícil, ansiedade, prostração, rubor facial e sede.
Assim, ele quis explicar que a quina teria efeitos febris num indivíduo são e
pela similia similibus curantur, a quina administrada a pessoas com febre teria
o efeito de cura.

Porém, não é isto o que se
observa na realidade:

“Desde que a quina tem
sido tomada por pessoas e aplicada em animais, através das mais variadas
formas, sem ter jamais produzido febre, ao contrário, tem sido demonstrado com
absoluta certeza uma queda de temperatura. Os homeopatas de hoje devem ser
assim, inventar um outro argumento para estabelecer a quinina como remédio em
acordo com o princípio do similia similibus” (Prof. Behring – 1898 em
Haehl, pg.38).

Vale realçar que no século
XVIII o conceito de febre era muito vago, sendo o sinal patognômico da febre,
para Hahnemann, o pulso rápido, rubor facial, sede, entre outros; sintomas
tanto da hipertermia (febre) como da hipotermia (baixa temperatura).

4.2. Experimentação em
pessoas sãs

Conforme o princípio da
“similia”, é necessário testar as substâncias medicamentosas em
pessoas sãs para saber receitar a substância que causa os sintomas mais
semelhantes ao do doente.

“… Pode-se sobrepor à
doença a ser tratada, em particular se for crônica, o remédio que é capaz de
estimular uma outra doença artificialmente produzida, a mais semelhante
possível, e a anterior será curada – similia simillibus” (Hahnemann em
Lafetá, 1989, pg. 133).

4.3. As diluições
infinitesimais / dinamização

Como Hahnemann constatou a
piora dos quadros dos seus pacientes com substâncias de acordo com a
“similia”, resolveu diluir os medicamentos em graus ínfimos.

Hahnemann, recomendava que a
administração de todas as drogas fosse feita empregando-se a 30ª potência, um
sistema de diluição que se constitui na diluição da suposta substância curativa
da seguinte maneira:

Pega-se uma parte da
substância curativa pura e dilui-se em 99 partes de solução alcoólica a 70%
(i.e., 70% de álcool e 30% de água), esta é a primeira diluição ou primeira
potência (CH1). Depois, da diluição resultante, toma-se 1(uma) parte e dilui-se
novamente com 99 partes de solução alcoólica a 70%, sendo esta a segunda
potência (C2). E a diluição se processa daí por diante.

Existe também a diluição em
lactose (o açúcar é considerado inerte pelos homeopatas), a qual se processa
pelo embebimento da lactose (ou mistura de lactose com sacarose) com a solução
alcoólica descrita acima.

Verifica-se então que a
solução da primeira potência (CH1) está diluída na razão de 1%, a (C2) está
diluída na razão de 0,01%, a (C3) a 0,0001%, e assim por diante.

A 30ª potência corresponde a
uma diluição de:

0,000000000000000000000000000000000000000000000000000000000001%,
i.e., 59 zeros depois da vírgula.

Daí o nome de diluições
infinitesimais, que na verdade, só contêm solvente, sendo absurdo se cogitar
que ainda haja substâncias ativas, como vemos nas declarações de Flávio Dantas,
médico formado na UFRN, professor do Departamento de Clínica médica da
Universidade Federal de Uberlândia, onde exerce a Clínica homeopática:

“A homeopatia, diluindo
sucessivamente a substância básica, chega a diluições infinitesimais, onde
teoricamente não deveria existir uma única molécula da substância original, ou
seja, o medicamento homeopático passaria a não ser mais um agente puramente
químico, e sim energético” (Dantas, pg. 31).

“Diluições homeopáticas
exclusivamente energéticas são acima da 12ª diluição centesimal (C12)” (o
grifo é nosso) (ibid pg 33).

“De 1829 em diante,
Hahnemann recomendava que a administração de todas as drogas fosse feita empregando-se
a 30a potência (C30). Tal diluição corresponde à presença de uma molécula da
droga ativa numa esfera de circunferência igual à órbita de Netuno”
(A.G.Clark: Farmacologista, autor conceituado na área de Farmacologia médica na
década de 30, em Dantas, pg. 32).

Alguns porém, fanaticamente
dispostos a provar a eficácia natural destas diluições, afirmam que substâncias
como a prostaglandina têm efeitos sensíveis com apenas 1(um) picograma, isto é,
um bilionésimo de grama. Se colocássemos isto em um quilo de solvente, teríamos
uma concentração de 1.10-12 %, ou seja, muitíssimo superior aos remédios
homeopáticos.

Para aludir bem o caso,
vamos supor que jogássemos 1 (um) átomo de hidrogênio, o menor dos elementos
existentes, em 1 (um) quilo de solvente. Por estequiometria, obtemos uma
concentração de aproximadamente 1,6.10-27. Entretanto, a diluição homeopática
(C30) recomendada por Hahnemann é de aproximadamente 1.10-60, isto é, mais de
um decalhão de vezes menor. Logo, se o paciente toma

1(um) quilo de medicamento
homeopático, não achará sequer um átomo da molécula da substância ativa.

Os homeopatas concordam que
uma simples diluição infinitesimal é totalmente inócua para tornar o
medicamento homeopático ‘eficaz’. Ele deve passar ainda por um estágio de ‘dinamização’.

A dinamização consiste num
método de extrair a ‘energia curativa imaterial’ da matéria prima (ou tintura
mãe), por meio de agitações verticais sucessivas, chamadas ‘sucussões’.

Além disso, é afirmado que
entre cada diluição (potência), pela dinamização, o remédio estará mais
“energizado”, sendo sua ação mais profunda, independendo de sua
concentração material.

Supor que diminuindo a
causa, aumentar-se-á o efeito, contradiz a razão.

Um ponto discrepante da
teoria da dinamização homeopática é sobre o solvente da solução homeopática, o
álcool. Por que o álcool, que causa tantos distúrbios numa pessoa sã, é
considerado inerte para os homeopatas? Imagine como o paciente deve ficar
altamente “dinamizado”…

4.4. Imaterialidade do
agente morboso (que causa doença) teoria da força vital

Por causa da doutrina
vitalista de Hahnemann, foi elaborada a dinamização das substâncias, pois ele
cria que a força vital (imaterial) dos elementos era libertada pelas sucussões.

“O imaterial morbígeo
perturbando o imaterial vital determina alterações materiais” (Hahnemann
em Lafetá pg 142).

“… Assim sendo, o
agente morbígeo também espiritual (dinâmico), ele não pode, em si, ser
apreendido pelos sentidos, sendo então desnecessário, porque impossível,
determinar suas características, defini-lo enquanto tal” (Hahnemann em
Lafetá pg 142).

“… com essa expressão
quero significar que as doenças não são, evidentemente, nem podem ser,
perturbações mecânicas ou químicas da substância material do corpo físico, que
elas não dependem de um agente patogênico material, mas são alterações
dinâmicas e imateriais da vida” (nota do §31 do Organon em Lafetá pg 144).

“Uma criança com
varíola ou sarampo comunica à criança vizinha, sã, não tocada por ela, a
varíola ou sarampo de maneira invisível (de forma dinâmica), isto é, infecta-a
à distância, sem que qualquer material da criança infectante passe e possa
passar àquela outra” (Hahnemann § 11, ibid pg 142).

Conservação dos remédios
homeopáticos

Não se pode tocar no
remédio, pois ele perderia sua energia: “…devem ser passados dos frascos
para as tampas dos mesmos e dessas diretamente para a boca, sem serem
manuseados” (Barollo pg 53).

“Não devem ser
guardados em locais expostos à luz solar direta, ou outras fontes emissoras de
energia, como TV (principalmente em cores), magnetos e motores…” (ibid
pg 52).

Portanto, a homeopatia prega
que tanto a causa das doenças como o remédio são imateriais.

4.5. Doenças crônicas

Visto que os medicamentos
homeopáticos não curavam uma série de doenças, Hahnemann declarou que existiam
2 tipos de doenças: as agudas e as crônicas.

Por esta teoria, que gerou
muita polêmica entre os homeopatas da época, as doenças crônicas seriam devidas
a um “miasma crônico”, contra o qual a força vital não reúne forças
para eliminar.

Hahnemann, 18 anos após a
publicação do Organon, passou a encontrar uma causa única, realmente
fundamental para todas as doenças. Em 80 parágrafos, Hahnemann acaba dizendo
que aproximadamente 7/8 de todas as doenças têm sua causa no miasma psórico, o
pior miasma crônico) (Lafetá pg 157).

“…A cura das grandes
doenças crônicas de dez, vinte, trinta anos ou mais de duração, pode ser muito
demorada ou impossível se tiverem sido mal conduzidas por um excesso de
tratamentos alopáticos…”(Hahnemann “Tratamento das moléstias
Crônicas” em Barollo pg 60).

V. Posição de alguns países sobre a  Homeopatia

5.1. A posição francesa

Em abril de 1984, a Academia Nacional
de Medicina da França aprovou o relatório dos acadêmicos Hugues Gounelle de
Pontanel e Herbert Tuchman Duplessis sobre homeopatia, cujo teor é o seguinte:

NÃO HÁ CONCESSÃO DE UM
DIPLOMA DE HOMEOPATIA PELAS FACULDADES DE MEDICINA

“Não negamos aos
médicos o direito de acreditar nas virtudes da medicação dita homeopática.
Pensamos, contudo, ser um dever de consciência protestar vigorosamente contra o
projeto de concessão de um diploma de Homeopatia pelas escolas médicas, o que
significaria oficializar seu ensino. A prescrição homeopática. no estado atual
da ciência, NÃO É UM ATO RACIONAL, pois os fundamentos científicos de sua
eficácia não foram comprovados. Não há qualquer razão para que a medicação
homeopática não seja submetida às mesmas regras científicas de análise que se
aplicam às outras terapias, e que não se faça um estudo controlado de sua ação com
placebos, a fim de afastar o fator psicológico na sua atividade. É necessário
lembrar que as autoridades do Ministério da Saúde só autorizam a
comercialização de qualquer medicamento quando sua eficácia farmacológica é
comprovada em conjunto com a ausência de efeitos secundários, por critérios
objetivos. E uma comprovação que exige meses e até anos de trabalho. Por que os
remédios homeopáticos fogem a esse imperativo?

O fundador da homeopatia
imaginou que quantidades infinitesimais de um extrato vegetal ou mineral
pudesse ter imensas virtudes curativas. Por conseguinte, os homeopatas tratam
seus doentes com preparações diluídas à milionésima ou até à bilionésima
escala; não é possível, para farmacólogos e toxicólogos, aceitar que a
atividade terapêutica de uma substância aumenta com o seu grau de diluição,
quando o que se verifica nas experiências é justamente o contrário.

De acordo com o nosso ponto
de vista, trata-se de um logro, imposto à opinião pública e ao paciente,
pretender induzi-los a crer numa terapia homologada por um diploma oficial das
faculdades de medicina. É necessário sublinhar ainda o risco, para os doentes,
de uma terapia cujo valor ainda não foi demonstrado. Seria oficializar a
varinha de condão, ao lado do estetoscópio.

No estado atual de nossos
conhecimentos é inoportuno autorizar a emissão de um diploma de Homeopatia
pelas faculdades de medicina, como reconhecimento de uma prática cujas
concepções se baseiam na metafísica alemã do século XVIII”(Non em Ladmann
pg 61).

5.2. A posição inglesa

Em 1986, no seu relatório
sobre medicinas alternativas, a British Medical Association afirmava que a
homeopatia não tem base racional. Tendo entre seus pacientes a rainha Elisabeth
e outros membros da família real britânica, a homeopatia tinha grande popularidade
no Reino. O próprio príncipe Charles, usuário do método homeopático, pediu um
estudo em profundidade das medicinas não ortodoxas.

A British Medical
Association promoveu uma avaliação detalhada através de uma comissão formada
pelas maiores sumidades médicas e farmacológicas da Inglaterra.

Em 1984, após extensa e
numerosa análise dos dados obtidos, chegou-se à seguinte conclusão:

“O tratamento racional
e científico no campo da medicina começou no século XIX. A homeopatia tem sua
origem no século XVIII, quando, provavelmente, as curas alopáticas ocasionavam
mais mortes do que melhoras no estado de saúde. Ao final do século XIX, a
homeopatia era uma filosofia estática, inalterada, enquanto a pratica médica
evoluía, baseada na compreensão da patologia, da fisiologia e da farmacologia.
Hoje em dia, os próprios homeopatas tem de curvar-se a essa evidência no
tratamento de emergências cirúrgicas e clínicas e de doenças agudas e crônicas
mais graves, que, sem os recursos da medicina ortodoxa, seriam sério perigo de
vida. Os remédios homeopáticos só têm indicação naquelas doenças que
normalmente se auto-resolvem, isto é, evoluem sem a intervenção médica.

Não existe base fisiológica
para justificar a terapia homeopática, que consiste na administração de algumas
gotas de remédios tão diluídos, que, nas diluições mais avançadas (as mais
usadas), não contêm qualquer traço da molécula original. Os homeopatas clamam
que no processo de diluições e sucussões sucessivas, libera-se uma energia
vital e imaterial, e que essa energia é terapêutica. Não achamos nenhuma
evidência para essa crença. Se o médico homeopata acredita na realidade dessa
força imaterial, ele pode transmitir essa crença ao seu paciente. O efeito
placebo seria então a explicação do sucesso alcançado e compartilhado pelo
homeopata e seu paciente” (Alternative em Landmann pg 62).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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