História da Igreja: O Concílio de Trento

Concílio de Trento (1545-1563)

Considerações gerais

A obra do Concílio de Trento tem sido chamada “Contra-Reforma”, em oposição à Reforma Protestante. Esta designação, porém, é inadequada. O Concílio foi, sim, uma resposta às proposições do protestantismo, mas, muito mais do que isto, foi uma expressão da vitalidade da Igreja, que no século XVI se manifestou em Trento e num movimento de eflorescência prolongado até o século XVII. Esta eflorescência brotava do íntimo da Igreja ou dos seus setores dados à oração e é mística; tenhamos em vista o fervor da piedade cultivada por São Filipe Néri, Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz, Santo Inácio de Loyola, São Pedro de Alcântara, São Francisco de Sales…; chegou-se a dizer que os séculos XVI e XVII foram séculos de santos. O renascimento interior da Igreja despertou muitas forças católicas adormecidas, inclusive o alto clero, e acelerou o seu curso de ação, indicando-lhes indiretamente a orientação a tomar.

Ao contrario dos humanistas, que criticaram (sem construir) as instituições religiosas, os santos do século XVI tinham por programa:

Não criticar a outrem, mas emendar a si mesmos, não mudar as estruturas da Igreja estabelecidas por Cristo, mas reformar os homens detentores de cargos e funções; já que o mal estava principalmente na mundanização do clero, falava-se, antes de tudo, em reforma do clero. Muito sabiamente dizia o teólogo Egídio de Viterbo na sua alocução introdutória ao Concílio do Latrão V (1512): “Homines per sacra immutari fas est, non sacra per homines. – os homens é que devem ser transformados pela religião, e não a religião pelos homens”.

Assim nota-se um paralelo entre o século XVI e os séculos XI-XIII: na Idade Média as forças renovadoras da Igreja não partiram diretamente do Papado, mas de círculos não pertencentes é hierarquia (Cluny, Cister, as ordens Mendicantes); também no século XVI o impulso renovador partiu, antes do mais, das comunidades dadas a acesse e à mística (Carmelitas, Jesuítas, Teatinos, Capuchinhos, Barnabitas, Angélicas, Ursulinas, Somascos…), que com humildade aderiram incondicionalmente à hierarquia e ao Papado. Só aos poucos este foi entrando na renovação ativa do século XVI, afetado como estava pelo espírito renascentista e mundano. Até 1530 aproximadamente, Roma vivia em quase inconsciência dos males que afetavam a Igreja; Leão X, por exemplo, considerava a tempestade luterana como uma querela entre monges, e, dessas querelas de monges, estava acostumado a ver muitas peças no seu teatro de Roma. Somente a partir de Paulo V (1555-9), o mais severo entre os severos, o Papado se tornou o esteio da renovação da Igreja. Esta teria por Magna Carta os documentos do Concílio de Trento e como força executora a Companhia de Jesus.

As origens da renovação católica estão na Itália; o terreno, porém, mais fecundo em frutos para a Igreja Universal foi a Espanha, que produziu não somente santos, mas teólogos e doutores, que muito trabalharam pelo bom êxito do Concílio de Trento.

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Concílios ecumênicos da Igreja

Os antecedentes do Concílio

Em 1534 foi eleito Papa o Cardeal Alexandre Farnese, com o nome de Paulo III (1534-49). Este caracteriza a transição do Renascimento humanista para a Restauração católica. A sua vida anterior se ressentiu dos males da época: devia a sua nomeação cardinalicia às relações ilegítimas de sua irmã Giulia com Rodrigo Borja (futuro Alexandre VI); quando Cardeal, mandou legitimar quatro filhos naturais. Como Papa, ainda cedeu ao luxo, aos divertimentos e ao nepotismo.

Não obstante, mostrou-se mais consciente da necessidade de Reforma do que os Pontífices anteriores. Por isto favoreceu as novas ordens Religiosas dos Teatinos, Capuchinhos, Barnabitas, Somascos, Ursulinas, e em 1540 aprovou a Companhia de Jesus Chamou para o Colégio Cardinalício homens doutos e dignos, e nomeou uma comissão de nove membros, que elaborou para o Papa um relatório dos males da igreja e uma sugestão de remédios a opor-lhes.

A consciência de Roma era despertada ainda por outro fato. As ideias revolucionárias “transalpinas” iam penetrando na Itália, especialmente em Nápoles; as obras de Lutero, Zvínglio, Calvino e Erasmo difundiam-se entre o clero e o povo, conseguindo a apostasia do Padre Geral Ochino dos Capuchinhos em 1542; apareciam personagens ambíguos que, sem romper com a Igreja, se compraziam nas obras dos Reformadores protestantes. Para conter tais avanços, Paulo III reorganizou a Inquisição, inspirado pelo Cardeal Carafa (futuro Paulo IV) e por São Inácio de Loyola: uma comissão de seis Cardeais recebeu a faculdade de nomear sacerdotes “inquisidores” em qualquer lugar onde o julgasse necessário. Assim se originou a Congregação do Santo ofício, que, após o Concílio do Vaticano II, tem o nome de Congregação para a Doutrina da Fé, visto que nada tem de comum com a Inquisição. Esta procedeu energicamente contra os inovadores, conseguindo exterminar por completo as novas ideias na Itália.

Muito se falava (como aliás, em tempos anteriores também) da necessidade de se convocar um Concílio Ecumênico. Havia, porém, obstáculos à realização concreta deste ideal; com efeito, ficava em muitos homens da época (inclusive no Papa Clemente VII, 1522-34) o receio do Conciliarismo; além disto, o Imperador Carlos V queria que o Concílio se realizasse em território alemão, para facilitar a participação dos luteranos, que Carlos queria trazer de novo à unidade da Igreja; o Papa, porém, preferia uma cidade da Itália; em suma, Imperador, Papado, protestantes, Espanha e França tinham algo a dizer sobre a convocação do Concílio, mas em termos divergentes.

Após as frustradas convocações para Mântua (1536) e Vicenza (1537) e depois de dez anos de tentativas, Paulo III fixou a abertura do Concílio para Trento (território alemão) em março de 1545; mas só em dezembro deste ano se abriu a grande assembleia na catedral de Trento. O Concílio durou dezoito anos, interrompido longamente por duas pausas; durante o mesmo, morreram quatro Papas. As três fases do Concílio são: 1545-47; 1551-52; 1562-63. O grupo preponderante foi o dos espanhóis, dotados de profundo senso eclesiástico, sem os quais não teriam sido elaborados os decretos dogmáticos do Concílio.

As peripécias do Concílio

Primeiro período (1545 – 1547)

A presidência do Concílio sempre foi dada aos legados papais, que mantinham estreito contato com Roma. Já no início do Concílio houve divergência entre o Papa e o Imperador; este queria que se abordassem logo as questões disciplinares e jurídicas por causa das posições inovadoras dos protestantes na Alemanha. O Papa, ao contrário, queria começar pelas questões dogmáticas; ficou finalmente determinado que os dois grandes temas seriam tratados simultaneamente. Os decretos dogmáticos do Concílio, em suas três sessões, tiveram sempre em mira o protestantismo, que afirmava:

1. A unicidade da fonte de fé (a S. Escritura);

2. Um conceito espiritualista (e, por isto, subjetivo) de Igreja.

Muito importante foi a sessão de abril de 1546; definiu, mais uma vez, o cânon da S. Escritura (que desde 397, Concílio de Hipona, fora definido nos mesmos termos); afirmou que as tradições apostólicas (ou a Palavra de Deus oral que não foi consignada nas Escrituras) devem ser acolhidas com o mesmo respeito que as Escrituras; declarou autêntica a tradução latina da Bíblia dita “Vulgata” (deveria ser considerada isenta de erros teológicos em meio às muitas traduções tendenciosas da época). Em Janeiro e março de 1547 foi abordada a questão dos sacramentos: estes não são meros ritos simbólicos, mas são canais transmissores da graça, graça que não é mero revestimento da alma do pecador, mas que opera uma transformação (justificação) intrínseca. A vontade humana não é meramente passiva nem escrava do pecado, mas é chamada a colaborar com a graça de Deus. A Missa é a perpetuação do sacrifício da Cruz sob forma sacramental.

Os conciliares também decretaram medidas disciplinares; ficava proibido o acúmulo de mais de um beneficio (cargo) eclesiástico nas mãos de um só titular; foi abolido o ofício de coletor de esmolas (que pregava as indulgências!); tornou-se obrigatório o casamento sacramental dentro de moldes bem definidos e na presença do pároco ou do vigário. Foram estipuladas normas rígidas para a formação do clero nos Seminários.

Já que uma febre contagiosa se propagou em Trento, o Papa transferiu o Concílio para Bolonha, o Imperador, porém, opôs-se ao traslado de modo que, para evitar maiores males, Paulo III resolveu suspender o Concílio.

Segundo período (1551 – 1552)

Tendo morrido Paulo III em 1549, teve por sucessor Júlio III (1550-55), que acendeu aos desejos, do Imperador, de continuar o Concílio em Trento, à revelia dos desejos da França. – Reaberto o Concílio em 1º/05/51, promulgou longa exposição sobre a Eucaristia (presença real, transubstanciação, culto…). Também tratou dos sacramentos da Penitência e da Unção dos Enfermos.

Os franceses não tomaram parte nesta sessão por motivos políticos. Todavia apareceram legados dos príncipes alemães protestantes, que cederam ao convite do Imperador Carlos V, desde outubro de 1551 até março de 1552. Apesar da boa vontade manifestada pelos católicos, as negociações com eles ficaram frustradas porque exigiam a ab-rogação dos decretos até então promulgados e a realização de novos estudos sobre os respectivos assuntos; ainda queriam a renovação dos decretos dos Concílios de Constança e Basileia sobre o Conciliarismo; por fim, pleiteavam que os membros do Concílio fossem desligados do juramento de obediência ao Papa.

Aconteceu que, quando os legados protestantes deixaram Trento, as tropas luteranas na Alemanha faziam uma perigosa incursão no Sul do pais – o que levou os conciliares, aos 28/05/1552, a decretar a suspensão do Concílio por dois anos (…), dois anos que, na realidade, durariam quase um decênio.

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Terceiro período (1562 – 1563)

Pio IV reabriu o Concílio em Trento, apesar da França e da Alemanha, que queriam novo Concílio em outro lugar, com total abandono das definições e resoluções até então promulgadas. As discussões neste terceiro período foram muito vivas, pois os príncipes católicos alemães promulgaram a Comunhão sob as duas espécies e a permissão de casamento para o clero. Esta última proposição foi enérgica e constantemente rejeitada pelos conciliares, ao passo que a primeira foi entregue ao juízo do Sumo Pontífice; em 1564 Pio IV resolveu permiti-la sob certas condições em algumas dioceses da Alemanha; mas em breve caiu em desuso.

O Concílio se encerrou aos 3 e 4/12/1563. Pio IV confirmou os seus decretos pela Bula Benedictus Deus. Atendendo a um pedido do Concílio, publicou um Index de Livros Proibidos e uma Profissão de Fé tridentina.

O Concílio de Trento durou mais que todos os outros e foi o que mais dificuldades encontrou para se realizar. Mas nenhum exerceu influxo tão profundo e duradouro sobre a fé e a disciplina da Igreja. Verdade é que a unidade de fé não foi restabelecida, mas a doutrina católica foi elucidada e consolidada em todos os pontos ameaçados. O programa de reforma tridentino foi a base de renovação do clero e do povo católico, embora a execução desses decretos tenha sido, por vezes, lenta e controvertida; o Concílio comunicou nova união e confiança aos católicos abalados pelos acontecimento dos últimos decênios.

O Concílio de Trento foi também o mais papal de todos os Concílios antes do Vaticano I (1870); preparou assim a via para a definição do primado do Romano Pontífice, definição que no século XVI seria prematuro, pois ainda eram fortes as tendências a formar Igrejas nacionais. O Concílio confiou outrossim ao Papa o desejo de que promovesse a publicação de um novo Catecismo, de um novo Missal e de novo livro de Liturgia das Horas (o que, de fato, foi executado pelos sucessores de Pio IV).

Numa palavra, pode-se dizer que o Concílio de Trento foi a autoafirmação da Igreja como sociedade universal de salvação contra as diversas formas de individualismo e subjetivismo que se faziam sentir fortemente no limiar da Idade Moderna.

Verdade é que em nossos dias o Concílio de Trento nem sempre é aplaudido. Opõem-lhe o Concílio do Vaticano II, como se houvesse antítese entre um e outro. Ora o Vaticano II se refere frequentemente ao Tridentino e nele se apoia, trazendo para os nossos tempos as verdades que o Concílio e Trento definiu segundo a linguagem e as exigências do século XVI.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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