História da Igreja: Introdução à Idade Média

IdadeMedia

Nome e limites 

O nome “Idade Média” foi criado pelos autores liberais do século XVI para designar o período que vai da antiguidade clássica até o Renascimento nos séculos XV/XVI (escolhemos, por convenção, o ano de 1450 como término da Idade Média). Esta expressão devia, na mente dos seus criadores, designar uma etapa da história, sem cultura; o nome não revela a essência dessa época; apenas diz que foi traço de união (obscuro e insignificante, como diziam) entre a brilhante cultura greco-romana e o ressurgimento desta no século XV. Em nossos dias, embora se conserve a denominação, reconhece-se que a Idade Média produziu valores culturais de primeira grandeza e duradouros: forjou ânimos heroicos (os cavaleiros, os monges…), produziu notáveis estudos especulativos (tenham-se em vista as Universidades Medievais e seus grandes doutores), produziu obras de arte até hoje admiradas (o estilo românico, o gótico, o teatro…), progrediu no campo da ciência e da técnica (especialmente no da navegação…). Os estudiosos contemporâneos que têm estudado os documentos e monumentos medievais, vem trazendo a tona testemunhos que dissipam os preconceitos sobre a Idade Média e põem em relevo as suas notas positivas.

O ponto de partida da Idade Média é o fim do século VII. As invasões bárbaras abriram uma nova época na vida política, cultural e eclesiástica do Ocidente. É verdade que os bárbaros começaram suas invasões no Império Romano já no século III da nossa era; todavia só a partir do século VIII exerceram influxo preponderante no desenrolar da história. É preciso, porém, reconhecer que os séculos IV/VII foram séculos de transição lenta, durante a qual elementos da história medieval já subsistiam ao lado dos da história antiga.

Foram, pois, as relações dos novos povos com a igreja que deram a nota própria à Idade Média, ou seja, ao período de tempo que vai do século VIII ao século XV. Este último representa a dissolução do espírito medieval mais ou menos homogêneo, pois foram então trazidos à baila elementos da cultura greco-romana, que os renascentistas quiseram não somente estudar, mas assimilar e viver, dando origem a nova fase da história, impregnada de mentalidade e conduta ética sempre menos cristãs, tendente ao naturalismo e ao racionalismo (Idade Moderna, que vai até o Tratado do Latrão em 1929).

A Igreja e os povos germânicos

O início da Idade Média tem de comum com o início da Idade Antiga o fato de que Igreja, em ambos os casos, se via diante de um mundo não cristão, com o qual ela devia travar relações para poder viver: eram, de um lado, o Império Romano pagão, e, de outro lado, os povos germânicos que tinham derrubado o Império. Todavia dentro dessas situações comuns salientam-se diferenças importantes:

No início da Idade Antiga, a Igreja era um grãozinho de mostarda, que se encontrava com três culturas muito diversas: a judaica, a grega e a romana; só aos poucos, pela força que lhe era imanente, o Cristianismo conseguiu vencer e assimilar esses três elementos adversos.

No início da Idade Média, ao contrário, o grãozinho esta evoluído; é um organismo forte, que não se encontra com uma potência que lhe possa fazer frente no campo da cultura. Os germanos eram culturalmente pobres; a Igreja, que tinha seu centro em Roma, representava, para eles, a cultura simplesmente dita; cultura (civilização) e Roma ainda eram termos equivalentes no fim da Idade Antiga.

Aconteceu, portanto, que os novos povos, postos em contato com a Igreja através dos missionários, não só abraçaram a fé cristã, mas também a civilização mais elevada que lhes era transmitida pelo Cristianismo. Na Idade Antiga a Igreja só conseguiu imprimir traços cristãos a uma cultura já existente sobre bases pagãs. A Igreja medieval, ao contrário, elaborou desde os fundamentos uma cultura e um ambiente de vida conformes ao espírito cristão (embora a fraqueza, humana também se exercesse na Idade Média): o curso do ano civil passou a ser designado pela ocorrência das etapas eclesiásticas; o fluxo da semana culminava no domingo (dia do Senhor); as etapas do dia eram divididas pelo toque dos sinos; a configuração das cidades dependia de posição de igreja ou do mosteiro que ficava no centro do povoado; as leis eram abertas com a profissão de fé no Deus Trino (…) Em consequência, a cultura européia na Idade Média se tornou unitariamente cristã.

Esta penetração da Igreja na vida civil fez-se notar especialmente no setor da política: Estado e Igreja se viram intimamente associados na procura de algo que, por causa da fragilidade humana, nunca pôde ser devidamente realizado: a Cidade de Deus, em que o Papado e o Império deveriam colaborar entre si para implantar o espírito do Evangelho em todas as manifestações da vida pública. Assim em 800 sob Carlos Magno foi instaurado o Sacro Império Romano da Nação Franca, que tentou viver o regime dito “de cristandade”, mas foi prejudicado pelo cesaropapismo do Imperador. O prestígio dos francos foi de pouca duração, cedendo em 962 ao Sacro Império Romano da Nação Alemã, inaugurado por Oto o Grande. O próprio Papado, por razões óbvias e compreensíveis, passou a ter o seu território independente (o Estado Pontifício) a partir de 756 – o que provocou litígios com os Imperadores germânicos; estas divergências em vez de redundar na construção de uma única sociedade cristã de âmbito universal, prepararam a ruptura religiosa entre a nação alemã, representada por Lutero, e o Papado no século XVI.

Já que os germanos não tinham sistemas filosóficos a opor ao Cristianismo, abraçaram a fé cristã numa atitude objetiva e fiel. Isto explica que a Idade Média não tenha conhecido grandes heresias. Houve, sim, controvérsias sobre o Adopcionismo (resquício do Nestorianismo) na Espanha do século VIII (…) sobre a predestinação no século IX (…) sobre a Eucaristia nos séculos IX e XI (…) sobre a maneira de viver a pobreza no século XIV (…). Pode-se dizer, porém, que os medievais usufruíram tranquilamente das luzes projetadas definitivamente sobre as grandes verdades da fé pelos Concílios dos primeiros séculos.

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Os germanos não deixaram de trazer sua contribuição para a configuração de Igreja e da sociedade medievais:

– o espírito corporativo. Os novos povos organizavam sua vida segundo famílias, tribos, povos, alianças de povos, corporações econômicas, confraternidades religiosas (…). Ora as corporações formaram a trama da vida medieval: corporações de artes, ofícios, profissões liberais, estudantes, associações religiosas (…). A própria instituição do Império, na Idade Média, era concebida como a maior das corporações, que tinha por fim manter a paz na Europa. – No mundo romano, ao contrário, o senso corporativo desaparecia diante do senso despótico: uma cidade aos poucos dominava as demais cidades; as associações não eram bem vistas, mas constituíam iniciativas de direito privado apenas;

– a fantasia e o afeto. Estes marcaram profundamente a devoção medieval e a sua mística exuberante (Mestre Eckhart, ?1327; João Teuler, ?1361; Henrique Suso, ?1366; Matilde de Magdeburgo, ?1285; S. Ângelo de Foligno, ?1309, S. Catarina de Sena, ?1380). A piedade popular tornou-se rica em manifestações nem sempre devidamente iluminadas pela razão e pela fé (crença fácil em fenômenos demoníacos, em aparição de defuntos, em eficácia de bruxaria…). O contato com a Terra Santa decorrente das Cruzadas imprimiu à devoção dos fiéis grande amor à santíssima humanidade de Cristo com sua Paixão dolorosa (daí o percurso da Via Sacra mesmo fora da Terra Santa); a consideração da infância de Jesus e da figura da Virgem dolorosa também conheceu grande incremento entre os medievais.

O ambiente geográfico da Idade Média

Além das invasões germânicas, outro acontecimento de grande importância na Idade Média foi o cisma bizantino (1054): os cristãos do Oriente, em geral foram-se separando dos do Ocidente, formando comunidades eclesiais autocéfalas na Ásia Menor (Bizâncio), na Grécia, na Rússia (…).

O Cisma foi, desde remotas épocas, preparado por tensões de ordem política, linguística e cultural. Já a transferência da capital do Império de Roma para Constantinopla fez que, aos poucos, esta cidade assumisse o título de Segunda Roma, com direitos e prerrogativas iguais ou superiores aos da antiga Roma; os mal-entendidos foram abrindo brechas crescentes entre os dois hemisférios da Cristandade.

O Cisma reduziu enormemente o cenário geográfico da História da Igreja medieval. Ademais as regiões não separadas foram recobertas pelos invasores muçulmanos, que, além de ocupar o Oriente próximo, penetraram o Norte da África e a Península Ibérica. Assim o quadro da história da Igreja se reduziu aos países romano-germânicos, ânglicos, escandinavos e eslavos: Itália, França, Península Ibérica, Inglaterra, Alemanha, Escandinávia, Polônia e um ou outro território a Leste da Europa. Aliás, o deslocamento da história do Oriente para o Ocidente, verificado na história da Igreja, é fenômeno da história universal; com efeito, notemos que a civilização originária da Mesopotâmia passou para a Síria, a Palestina, o Egito; atravessou a Grécia e tomou sua sede mais notória em Roma; todavia, enquanto o Oriente ia perdendo seu poder exterior e político, continuava a reger cultural e religiosamente o Ocidente (os próprios judeus, tendo perdido sua independência política no Oriente, comunicaram ao Ocidente o seu depósito religiosa).

Notemos, porém, que, se o Oriente saiu do cenário da história medieval, ele não deixou de ter sua importância para a Igreja como tal: 1) porque a capital do Império Oriental, Constantinopla, foi sempre um muro forte, que, durante toda a Idade Média, protegeu o Ocidente cristão contra as invasões dos não cristãos, possibilitando à Igreja Ocidental ter a sua vida livre; 2) porque o Oriente sempre cultivou os valores mais antigos e tradicionais do Cristianismo (a Liturgia e a contemplação, o monaquismo, a literatura dos Padres de Igreja); o Oriente, portanto, sempre foi um manancial, onde os latinos se abeberaram e revigoraram.

Os cristãos orientais, embora muito prejudicados pela invasão muçulmana, continuaram a desenvolver sua vida eclesial sem grandes mudanças. Por isto se diz que não tiveram Idade Média.

Costuma-se dividir a Idade Média em três períodos:

1) Idade Média Ascendente (692-1054);

2) Idade Média Alta (1054-1294);

3) Idade Média Decadente (1294-1450).

Na Idade Média Ascendente temos um período de formação, em que a Igreja vai penetrando aos poucos a vida dos povos germânicos e constituindo com eles a cultura medieval. Surge o Estado Medieval, um único e grande Império, que congrega germanos e romanos em duas fases sucessivas: a dos carolíngios (francos) e a dos otônicos (germânicos). O Estado assume uma consagração eclesiástica (unção do Imperador); a partir de 800 procura realizar o ideal de um Santo Império, o da Civitas Dei sob Carlos Magno. Por seu lado, a Igreja assume oficialmente uma missão política: é criado em 756 o Estado Pontifício na Itália, e muitos bispos são incumbidos de funções sociais e políticas junto aos senhores do seu tempo. Todavia nesse entrelaçamento de Estado e Igreja é o Estado quem predomina – o que aparece no mal das Investiduras e da simonia. – O que caracteriza este período, é o universalismo:… na política (um só grande Império, que quer continuar o Império Romano universal),… na religião (o Papa é o único Chefe religioso no Ocidente).

Na Alta Idade Média, a Igreja, tendo-se arraigado na vida europeia, luta para libertar-se do braço secular, e luta com sucesso sob a reforma monástica de Cluny e o Papa Gregório VII (1073, Canossa). O Papa alcança um prestígio que até então nunca tivera na vida interna da Igreja e nas relações com os soberanos seculares. A vida eclesiástica floresce em muitas manifestações brilhantes: novas Ordens Religiosas, figuras de místicos, sábios e doutores que ilustram as grandes Universidades do século XIII (século áureo da Escolástica), monumentos majestosos de arte românica e gótica (…).

Na Idade Média Decadente, o universalismo homogêneo, objetivo, que caracterizava as duas épocas anteriores, cede a particularismo e nacionalismo na vida política (dissolve-se o Império universal para dar lugar a Estados pequenos nacionais); cede também ao individualismo ou ao esquecimento da Tradição na vida cristã. Esse nacionalismo e esse individualismo passaram funestamente aos séculos posteriores; os povos evangelizados e disciplinados pela Igreja nos séculos florescentes da Idade Média voltaram-se aos poucos, com progressiva violência, contra Ela. As principais manifestações dessa época são: o Exílio de Avinhão (1305-78), que significa lamentável sujeição do Papado ao poder francês, e o Grande Cisma Ocidental (1378-1417), que confundiu as ideias sobre o primado romano e suscitou uma série de teorias eclesiológicas aberrantes da Tradição. A própria disciplina da Igreja cedeu a relaxamento. Estes fatores prepararam, cada qual a seu modo, a cisão protestante no século XVI.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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