História da Igreja: De Leão XIII a Pio XII (1878-1939)

Leo_XIIIA queda do Estado Pontifício permitiu mais livre exercício das funções do Papado. Os sucessores de Pio IX até hoje têm sido grandes vultos, respeitados internacionalmente. Estudaremos, neste capítulo, os quatro primeiros:
Leão XIII (1878-1903), Pio X (1903-14), Bento V (1914-1922), Pio XI (1922-39).

Leão XIII (1878-1903)

Após a morte de Pio IX, o conclave durou dois dias apenas em circunstâncias tranquilas, apesar das apreensões de vários Cardeais, receosos de que o Governo da Itália ou outra potência quisesse intervir na eleição do novo Papa.

O rei da Itália fez questão de mostrar ao mundo que observava a “lei das Garantias”, que a Cúria papal havia rejeitado. O Colégio Cardinalício quis manter-se forte e independente de qualquer tutela estranha. Elegeu o Cardeal Joaquim Pecci, que já tinha 68 anos de idade e devia governar durante 25 anos com o nome de Leão XIII.

Era homem de sólida formação teológica e humanista, que se dedicava ao estudo de S. Tomás de Aquino e a literatura latina. Passava por “moderado”; na verdade, Leão XIII foi firme na defesa da verdade e do direito; mas soube também ser ponderado e conciliador, de modo que se tornou uma das mais brilhantes figuras de sua época, como se poderá depreender do que será dito adiante; o mundo dava ouvidos a esse Papa tão prestigiado.

Frente ao Estado italiano, reafirmou a sentença de Pio IX logo na sua primeira encíclica (21/04/1879): “O Estado da lgreja é uma instituição indispensável da Providência Divina para assegurar o livre exercício da autoridade eclesiástica”. Os “conciliadores” procuravam a aproximação do Estado ltaliano e do Vaticano; em vão, porém, pois a Maçonaria movia aquele e não cessava de hostilizar a Santa Sé. A partir de 1890, as relações entre o Quirinal e o Vaticano esfriaram mais ainda: este ignorou oficialmente a morte do rei Humberto e o governo italiano ignorou as bodas de ouro (1887) de sacerdócio do Papa.

Na Alemanha Leão XIII teve que enfrentar o Kulturkampf (política antieclesial); comportou-se tão sabiamente em relação ao Primeiro-Ministro Bismarck que este recuou e até convidou o Pontífice para arbitrar um litígio da Alemanha com a Espanha a respeito das ilhas Carolinas; a sentença de Leão XIII (1885) foi acatada por ambas as partes.

Por duas vezes (1888 e 1903) recebeu a visita do Imperador protestante Guilherme II no Vaticano, ao passo que aos príncipes e estadistas católicos a visita de Roma em forma oficial estava proibida desde 1870. Em 1888 Leão XIII recebeu a visita do rei da Inglaterra. Em 1895 foi criada a Embaixada da Rússia junto a Santa Sé. Por ocasião das bodas de ouro e diamante do Pontífice, quase todos os soberanos do mundo lhe mandaram felicitações e belos presentes (abstiveram-se, porém, a Itália e a Suécia).

Apesar de tudo, a Holanda não convidou a Santa Sé para a Conferência Internacional de Haia em 1899, pois o Governo italiano exigiu que assim fosse. Na última sessão da Conferência, foi lida uma carta do Papa à rainha Guilhermina a respeito da missão pacificadora que o Papado sempre exerceu na história e sobre o modo como “ele sabe inclinar a concórdia tantos povos de gênio diverso”; a mensagem foi acolhida com deferência, mas, não obstante, as conversações de Haia sobre a paz e a guerra não puderam ter a assinatura do Pontífice.

No regime interno da Igreja, Leão XIll revelou-se grande pastor e mestre: em 1879 escreveu a encíclica Aeterni Patris, que recomendava São Tomás de Aquino aos estudantes de Filosofia e Teologia, numa época de certo desatino filosófico, que prejudicava a própria teologia (o racionalismo, o fideísmo, o existencialismo… prejudicavam a penetração mesma das verdades da fé). Em 1891, deu início à serie de encíclicas papais referentes à questão social, escrevendo a Rerum Novarum, depois que vários eclesiásticos e leigos (Joseph de Maistre, Montalembert, Lacordaire, Ozanam, Veuillot, Ketteler…)  haviam abordado o problema. Em 1902 criou a Pontifícia Comissão Bíblica para acompanhar as novas pesquisas exegéticas empreendidas por pensadores de diversas correntes! Em 1883 abriu aos estudiosos do mundo inteiro o Arquivo e a Biblioteca do Vaticano, querendo significar que a Igreja não teme a publicação de sua história. Em 1891 renovou e ampliou o Observatório do Vaticano, para onde ele se retirava com prazer a fim de trabalhar e repousar.

Leão XIII faleceu com 93 anos de idade, ainda lúcido e enérgico. Fizera do Papado uma potência moral universal, com a qual deviam contar os estadistas. Já em 1883 Windthorst no Parlamento prussiano afirmava: “A autoridade moral da Santa Sé nunca foi maior em período algum da história”. Leão XIII  fez aumentar essa herança.

Pio X (1903-14) e Bento XV (1914-22)

Pio X

As probabilidades de eleição, no conclave seguinte, recaiam sobre o Cardeal Rampolla, Secretário de Estado de Leão XIII. Todavia o Governo austríaco, restaurando um antigo abuso, vetou essa candidatura, intimidando alguns Cardeais. Os eleitores então voltaram-se para a figura de um pastor muito estimado pela sua grei e alheio à diplomacia: era o Cardeal José Sarto, que tomou o nome de Pio X e se tornou um Santo Pontífice. Logo no início do seu pontificado anunciou o seu lema: Instaurare omnia in Christo (instaurar tudo em Cristo). Propunha a si mesmo três tarefas:

1) conservar em estado puro a doutrina da fé, preservando-a de qualquer contaminação;

2) estimular a ação social dos católicos, continuando a obra de Leão XIII;

3) intensificar e reorganizar a espiritualidade e a pastoral da Igreja. Na política externa seria também o firme defensor dos direitos de Deus e da Igreja.

Logo no início do seu pontificado, publicou normas referentes à eleição do Sumo Pontífice, a fim de evitar que se repetisse a atitude assumida anteriormente pela Áustria.

Deu início ao trabalho de codificação do Direito da Igreja, cujas leis se achavam esparsas em diversas coletâneas e que precisava de ser compilado de maneira orgânica e sistemática. Em 1904 foi nomeada para este fim uma Comissão, presidida por Mons. Pedro Gasparri, a qual trabalhou até 1917, quando Bento XV promulgou o novo Código de Direito Canônico (hoje substituído pelo Código de 1983).

Foi muito importante a ação de Pio X nos setores da Liturgia e da piedade. Até a época do seu pontificado, perduravam entre os fiéis resquícios de Jansenismo e Galicanismo, que afastavam dos sacramentos e dificultavam o “sentir com a igreja” ou ter um senão eclesial apurado. Consciente disto, Pio X empreendeu a reforma do Missal e da Liturgia das horas canônicas (Breviário), impregnando estes livros do espírito de “volta às fontes” (S. Escritura, escritos dos antigos Padres da Igreja e documentos da Tradição). Incentivou também a Comunhão Eucarística freqüente ou mesmo cotidiana; determinou que a Primeira Comunhão fosse ministrada às crianças desde o uso da razão. Estas medidas públicas e numerosas cartas particulares deste Papa atestam quanto estimava a vida espiritual e a procura dos meios de santificação.

No setor doutrinário, o Pontífice teve que enfrentar o Modernismo, que reinterpretava toda a mensagem da fé, dando aos seus clássicos vocábulos sentido totalmente novo; as fórmulas dogmáticas seriam meros e mutáveis símbolos da verdade religiosa, que, como tal, não poderia ser conhecida. Refutando tais erros, Pio X publicou a encíclica Pascendi (1907), que caracterizava claramente as exigências da autêntica fé católica.

Na Questão Romana, o Papa manteve a atitude firme de seus antecessores; permitiu, porém, que os católicos tomassem parte nas eleições italianas, ab-rogando um veto emanado de Pio IX. Ainda conheceu o início da guerra mundial de 1914-18, que o entristeceu profundamente. Veio a falecer aos 20/08/1914. Cativara a todos por sua simplicidade, piedade e meiguice. Foi canonizado em 1954.

Bento XV

Em plena guerra mundial, foi eleito Papa aos 03/09/1914 o Cardeal Giácomo della Chiesa, com o nome de Bento XV, escolhido, em grande parte, por causa da sua experiência nos setores da diplomacia internacional. Parecia ser o homem indicado para governar a Igreja nas circunstâncias do conflito mundial. Era de pequena estatura, mas piedoso e prudente como também dotado de grande capacidade de trabalho, de perseverança férrea e notável eloquência.

Conseguiu melhorar a sorte de populações e prisioneiros de guerra, sem distinção de confissão religiosa ou nacionalidade. Protestou contra meios bélicos desumanos.

A 19/08/1917 dirigiu a todos os beligerantes concretas propostas de paz, procurando aproximar as nações entre si. Após a guerra, colaborou para que, debaixo da paz das armas, se realizasse a paz das mentes. Estes esforços muito aumentaram o prestígio da Santa Sé; o número de representações diplomáticas junto a esta subiu de 14 a 25; entre as novas, estava a da França, que sob Pio X separara a Igreja e o Estado e rompera as relações diplomáticas. A tensão entre a ltália e o Vaticano foi muito aliviada após a guerra mundial; o Estado italiano, vendo-se a braços com agitações internas, recebeu certo apoio do Papa, que concedeu aos católicos liberdade de atividade política. Em janeiro de 1919 formou-se, com o consentimento tácito da Santa Sé, o Partito Popolare ltaliano sob a direção do Sacerdote D. Luigi Sturzo, que em breve conseguiu numerosas cadeiras no Parlamento. Aliás, o conflito de 1914-18, embora tenha causado dolorosas devastações humanas no plano temporal, ocasionou alvissareiro florescimento da vida católica (renovação bíblica, litúrgica, teológica, Ação Católica…) Bento XV fica na memória dos homens como o intrépido Apóstolo da paz de Cristo durante a primeira guerra mundial.

Pio XI e o Tratado do Latrão

Aos 06/02/1922 foi eleito Papa o Cardeal Aquiles Ratti, de Milão, com o nome de Pio XI. Era bem versado em Bibliotecas, em estudos de história e na diplomacia. Reunia em si as qualidades da prudência, da energia com a confiança em Deus e o otimismo.

O mais vultoso acontecimento eclesiástico-político do seu pontificado foi a solução da prolongada Questão Romana; esta se deve a iniciativa pessoal e à grande coragem de Pio XI. Foi possibilitada também pela mudança do Governo italiano: em outubro de 1922 deu-se o advento do Fascismo, que tomou posição favorável à Igreja: o ensino da religião tornou-se de novo obrigatório nas escolas, os clérigos foram dispensados do serviço militar, foi oferecida assistência religiosa as Forças Armadas, os crucifixos foram recolocados nas escolas, nos hospitais e tribunais; igrejas e mosteiros profanados foram, em parte, restituídos, os dias santos católicos reconhecidos…

Benito Mussolini, o chefe do Governo, percebeu a grande conveniência política de conciliar a Itália com o Vaticano.

As negociações levaram dois anos e meio, terminando com a assinatura do Tratado do Latrão aos 11/02/1929, que encerrava sessenta anos de querela entre o Vaticano e o Quirinal.

Este Tratado reconhecia a absoluta soberania do Papa sobre a pequena Cidade do Vaticano, que é o menor de todos os Estados independentes: 0, 44 km2, quando a República de San Marino tem 61 km2 e a de Andorra 465 km2 Ao Vaticano tocaria o direito de representação diplomática ativa e passiva. O Papa, de seu lado, reconhecia o reino da ltália sob a dinastia de Savoia e com a capital em Roma (reconhecia, portanto, a secularização dos antigos territórios pontifícios). Além da Cidade do Vaticano, o Pontífice dispõe de “lugares extraterritoriais”, como as principais basílicas de Roma, edifícios da cúria, a Vila de Castel Gandolfo…

Num acordo separado, o Estado italiano se comprometia à pagar a Santa Sé a quantia de 1.750 milhões de liras a título de indenização.

O Papa Pio XI, por ocasião do Tratado do Latrão, quis explicar o porque da insistência de cinco Pontífices em não aceitar simplesmente a perda do Estado da Igreja:

“Podemos dizer que não há uma linha, uma expressão do Tratado (do Latrão) que não tenham sido, ao menos durante uns trinta meses, objeto particular de nossos estudos, de nossas meditações e, mais ainda, de nossas orações, que pedimos outrossim a grande número de almas santas e mais amadas por Deus.

Quanto a nós, sabíamos de antemão que não conseguiríamos contentar a todos, coisa que geralmente nem o próprio Deus consegue…

…Alguns talvez achem exíguo demais o território temporal. Podemos responder, sem entrar em pormenores e precisões pouco oportunas, que é realmente pouco, muito pouco; foi deliberadamente que pedimos o menos possível nessa matéria, depois de ter refletido, meditado e orado bastante. E isso, por vários motivos, que nos parecem válidos e sérios.

Antes do mais, quisemos mostrar que somos sempre o Pai que trata com seus filhos; em outros termos: quisemos manifestar nossa intenção de não tornar as coisas mais complicadas e, sim, mais simples e mais fáceis.

Além disto, queríamos acalmar e dissipar toda espécie de inquietação; queríamos tornar totalmente injusta, absolutamente infundada, qualquer recriminação levantada em nome de… iríamos dizer: uma superstição de integridade territorial do país (Itália).

Em terceiro lugar, quisemos demonstrar de modo peremptório que espécie nenhuma de ambição terrestre inspira o Vigário de Jesus Cristo, mas unicamente a consciência de que não é possível não pedir, pois uma certa soberania territorial é a condição universal reconhecida como indispensável a todo autêntico poder de jurisdição.

Por conseguinte, um mínimo de território que baste para o exercício da jurisdição, o território sem o qual não poderia subsistir…

Parece-nos, em suma, ver as coisas tais como elas se realizavam na pessoa de São Francisco: este tinha apenas o corpo estritamente necessário para poder deter a alma unida a si. O mesmo se deu com outros santos: seu corpo estava reduzido ao estrito necessário para servir à alma, para continuar a vida humana e, com a vida, sua atividade benfazeja. Tornar-se-á claro a todos, esperamo-lo, que o Sumo Pontífice não possui como território material senão o que Ihe é indispensável para o exercício de um poder espiritual confiado a homens em proveito de homens. Não hesitamos em dizer que nos comprazemos neste estado de coisas; comprazemo-nos por ver o domínio material reduzido a limites tão restritos que… os homens o devem considerar como que espiritualizado pela missão espiritual imensa, sublime e realmente divina que ele é destinado a sustentar e favorecer” (trecho da alocução publicada por L’Osservatore Romano de 13 de fevereiro de 1929).

As palavras acima definem bem a mente da lgreja a respeito do poder temporal. Em última análise, vê-se que o Papa considera a sua soberania territorial como o corpo imprescindível ao exercício das atividades de uma alma ou como condição indispensável para o cumprimento de sua missão; assim como a alma neste mundo não age normalmente sem corpo, assim a tarefa espiritual da Igreja seria impedida, caso lhe faltasse tal suporte temporal.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
Adicionar a favoritos link permanente.