História da Igreja: A Supressão da Companhia de Jesus

A Revolução Francesa

O século XVIII foi marcado pelo racionalismo, também chamado “Iluminismo”, tendência que só aceita as luzes da razão em detrimento da fé e dos valores transcendentais; entrou em sérios conflitos com a Igreja. Destes destacaremos dois dos mais importantes

A supressão da Companhia de Jesus

Os jesuítas no século XVIII haviam-se tornado um dos principais sustentáculos da Igreja na Restauração Católica frente ao protestantismo, ao galicanismo, ao jansenismo e a incredulidade racionalista. Em 1749 havia, em 39 Províncias, 669 colégios jesuítas e grande número de pequenos institutos, aos quais serviam 22.600 Religiosos. Essa preeminência não deixava de ser perigosa para os jesuítas; alguns, conscientes do seu próprio valor, negaram mais de uma vez a obediência a Santa Sé, aderindo, por exemplo, as Declarações Galicanas de 1682. – Numa palavra: o zelo dos jesuítas granjeou-lhes muitos adversários entre acatólicos e católicos, ora por motivos arbitrários, ora com certo fundamento: eram acusados de moral relaxada, pelagianismo, intromissão na política, cobiça de domínio temporal, violação de decretos da Santa Sé, desprezo dos bispos, orgulho,etc. Essa onda de ódio tornou-se fatal para a Companhia, quando conseguiu penetrar nas cortes reais do século XVIII.

A tempestade explodiu em Portugal. O Primeiro-Ministro Sebastião José de Carvalho, Marquês de Pombal, era um livre pensador ambicioso. Combatia o clero como inimigo do absolutismo; visava principalmente a Companhia de Jesus, a qual atribuía a culpa dos males que afetavam Portugal. Sobreveio o caso do Paraguai: em 1750, a Espanha cedeu a Portugal, em troca da colônia de San Sagramento, sete distritos do Paraguai, onde Pombal esperava encontrar minas de ouro. Os 3o mil índios que habitavam esses distritos, eram suspeitos de amizade com os jesuítas; por isto receberam a ordem de retirar-se; os índios, porém, resistiram; em conseqüência, os jesuítas foram acusados de fomentar a revolta (falava-se de um “Estado jesuíta” no Paraguai), transportados para a Europa e encarcerados. – A pedido do Governo português, Bento XIV nomeou o Cardeal Saldanha, parente de Pombal, Visitador da Companhia de Jesus em Portugal; Saldanha fez que os jesuítas fossem suspensos da pregação e do confessionário por causa de “ilícitos negócios financeiros” (1758). Pouco depois, o rei D. José era ferido num atentado, e a culpa do crime foi lançada sobre os jesuítas; em conseqüência, os bens da Companhia foram confiscados e a própria Companhia foi supressora no reino e nas colônias (1759). Muitos jesuítas foram encarcerados; outros atirados, sem recursos, ao litoral do Estado Pontifício; o Pe. Malagrida, de 72 anos, foi queimado vivo em 1761, acusado de traição e heresia. Em vão o Papa Clemente XIII elevou a voz em favor dos perseguidos; a sua intervenção só serviu para que se rompesse por dez anos as relações entre a Santa Sé e Portugal.

Outras nações seguiram o exemplo de Portugal: a França, a Espanha, Nápoles e Sicília. A pressão tornou-se tal que pediram ao Papa Clemente XIII a extinção total da Companhia. O sucessor deste Pontífice, Clemente XIV (1769-74), franciscano conventual, fez largas concessões as cortes reais, na esperança de salvar os jesuítas. Isto, porém, só fez aguçar as pressões, que chegavam a ameaçar de cisma a Igreja. Por isto o Pontífice viu-se obrigado a extinguir a Companhia pelo Breve Dominus ac Redemptor de 21/07/1773; alegava que a Companhia, caluniada como era, já não podia dar os frutos almejados, mas, ao contrário, se tornara causa de constantes cisões e rixas entre os povos. Enquanto os Governos católicos se regozijavam com a extinção da Companhia, a Prússia protestante de Frederico II e a Rússia cismática de Catarina II se opuseram a execução do Breve papal, de modo que os Jesuítas continuaram a trabalhar nesses dois reinos (na Prússia, ao menos até Frederico Guilherme II, que em 1776 confiscou os bens da Companhia). Os jesuítas impunham-se como mestres e educadores, reconhecidos por soberanos não católicos.

O juízo dos historiadores sobre Clemente XIV reconhece que foi piedoso e irrepreensível em sua vida particular; tinha tanto receio de cair no nepotismo que nem queria receber em visita o seu sobrinho pobre que estudava em Roma. De boa consciência extinguiu a Companhia de Jesus, mas foi, por este gesto, muito difamado e hostilizado; os seus adversários dizem que, após assinar o Breve de supressão, o Papa caiu desmaiado, tendo exclamado: “A condenação à minha herança; eu o fiz forçado”. Dizem também que o Papa temia ser envenenado e que o foi realmente – Afirmação destituída de fundamento. Clemente XIV expirou nos braços de São Paulo da Cruz, fundador dos Clérigos Passionistas, tão santamente como vivera. os seus mais acirrados adversários nunca encontraram uma objeção contra a sua vida privada.

Em 1814, Pio VII restaurou a Companhia de Jesus, que havia de voltar a ser valioso esteio do Papado nos tempos modernos.

A Revolução Francesa: antecedentes

A Revolução Francesa (1789) é o desfecho das ondas de desagregação que solapavam a Igreja e a sociedade desde o século XVI. Em particular, é o termo final do movimento racionalista que desde 1750 se propagava pela França sob a orientação de Voltaire, Diderot, d’Alembert, Montesquieu, Rousseau. Tal movimento se explica do seguinte modo:

a) O progresso das ciências, a descoberta de novos continentes nos séculos XVI/XVII revolveram profundamente as noções de geografia, cosmologia, antropologia, etnologia dos homens da época e passaram a influir também na filosofia dos mesmos. Estes não souberam, de imediato, fazer a síntese entre os novos dados da ciência e as perenes verdades do Cristianismo. A mensagem cristã pareceu-lhes, em parte, ultrapassada ou sujeita a interrogações e dúvidas; daí originou-se um clima de indiferentismo aos valores cristãos como também de racionalismo (a razão é o critério supremo),agnosticismo (não podemos conhecer o transcendental), naturalismo (só vale o que é natural ou aceitável pela razão natural) e materialismo. Apareceram, entre outras, obras de viajantes que faziam o elogio do “bom selvagem” ou do “bom pagão”, em oposição ao bom cristão.

O Iluminismo apregoava a luz da razão em lugar do “absolutismo” da fé. Espalhou-se pela Inglaterra a Alemanha e a França, preparando nesta a Revolução de 1789.

b) A Revolução Francesa foi provocada também pelas graves desordens sociais que afetavam o país. A corte real vivia em luxo extremo; a nobreza era uma classe privilegiada, que usufruía dos prazeres e festas do palácio régio.

O clero, principalmente os prelados, também era privilegiado. O povo, porém, sofria de miséria, acabrunhado por impostos, dos quais as outras classes eram isentas. As ideias de liberdade que impulsionavam os Estados Unidos da América (independentes em 1783), concorriam para disseminar desejos de mudanças na própria França. – Impunham-se reformas.

Revolução Francesa: desenrolar

Procedeu por etapas

Em 1789, o rei Luís XVI convocou os Estados Gerais ou representantes da nobreza, do clero e da burguesia. Estes se declararam Assembléia Constituinte, que começou a legislar.

Aos 13/02/1790 foram surpresas todas as ordens e Congregações Religiosas, excetuadas as que se dedicavam aos enfermos, a educação e a ciência.

Aos 12/07/1790 foi desferido outro golpe mais forte, a saber: a Constituição Civil do Clero, que prescrevia, entre outras coisas:

– as sedes episcopais e paroquiais seriam preenchidas por eleição, sendo eleitores as mesmas pessoas que elegeriam seus representantes civis, qualquer que fosse a respectiva religião:

– o bispo eleito seria confirmado pelo metropolitano ou pelo mais antigo bispo da província, não pelo Papa. Os párocos seriam confirmados pelo bispo respectivo.

Todos os clérigos foram obrigados a jurar essa nova Constituição. Houve, porém, atitudes. opostas: uma terça parte do Clero (25/30.000 eclesiásticos) prestou o juramento, tendo à frente o bispo Talleyrand e cem deputados eclesiásticos; a outra parte do Clero e todos os bispos (com exceção de cinco) recusaram o juramento, tendo o povo a seu favor; os fiéis desertavam as igrejas dos sacerdotes juramentados e procuravam o clero refratário. Assim a Igreja na França se viu dividida em “constitucionais” ou “juramentados” e “refratários”.

Aos 13/04/1791 Pio VI condenou oficialmente a Constituição Civil do Clero; declarou suspensos os clérigos juramentados, caso não se retratassem dentro de quarenta dias (muitos o fizeram) e declarou inválidas as eleições eclesiásticas que obedecessem às normas civis.

Conta-se que Expilly, vigário nomeado bispo por Talleyrand, ofereceu ao seu coadjutor a paróquia de S. Martinho de Morlaix; o coadjutor, refratário, tendo recusado, Expilly lhe perguntou: “Como fará você para viver?” o refratário lhe respondeu: “Sr. Reitor, como fará V.S. para morrer?

A Assembleia Constituinte, tendo terminado a sua missão, deu lugar à Assembléia Legislativa, composta de deputados extremistas, com menos de trinta anos de idade na maioria, entre os quais dezessete sacerdotes constitucionais.

Os clérigos refratários foram encarcerados e deportados; as restantes Congregações Religiosas fechadas. Em setembro de 1792, deu-se terrível massacre nas prisões de Paris (191 dos assassinados foram beatificados como mártires em 1926).

A Assembleia Legislativa seguiu-se a Convenção Nacional. Mandou executar o rei Luís XVI. Introduziu o divórcio e tornou o casamento civil obrigatório.

Para cancelar as recordações do passado cristão, foi criado o Calendário Republicano:compreendia doze meses de trinta dias, divididos em três décadas. No fim dos anos ordinários acrescentar-se-iam cinco dias suplementares; no fim dos bissextos, haveria seis dias a mais.

Aos 07/11/1793 O Cristianismo foi oficialmente renegado, e em seu lugar aclamada a religião da razão e da natureza. A catedral Notre-Dame de Paris foi transformada em templo da Razão, que, sob a forma de uma mulher frivolamente vestida, recebeu honras divinas em seu novo santuário; a deusa foi colocada no altar-mor do templo; cantaram-lhe hinos apropriados, enquanto os deputados e o povo dançavam. Houve profanações abomináveis nessa e em muitas outras igrejas da França; os sinos foram transformados em canhões, a prataria dos templos fundida em moedas; as relíquias, queimadas ou atiradas ao vento.

O clero deixou de ter existência legal. Muitos presbíteros, após muitos maus tratos, foram deportados para a Guiana ou para a África. Outros conseguiram escapar ao controle, e exerciam o culto sagrado as escondidas.

A situação estava tensa demais para que se pudesse conservar por muito tempo.

A solução proveio do desentendimento entre os próprios revolucionários, que se dividiam em girondinos e montanhardos. Estes, tendo a frente Robespierre, tomaram as rédeas do Governo e começaram a atenuar as tensões. O ateísmo foi repelido como algo de aristocrático; a Convenção votou a crença no Ente Supremo e na imortalidade da alma. Foi de novo permitida a abertura de igrejas; os sacerdotes refratários receberam licença para celebrar a Missa, desde que jurassem obedecer à República e as suas leis, entre as quais já não constava a Constituição Civil do Clero.

A Convenção sucedeu o Diretório, Governo de cinco membros, que durou de 04/11/1795 a 09/11/1799. Neste período ainda houve deportações, execuções de sacerdotes e crueldades diversas.

Foi então que surgiu uma figura de militar jovem e ousado: Napoleão Bonaparte. Pôs-se a serviço dos revolucionários, que desejavam expandir-se para fora das fronteiras da França e moviam a guerra no exterior.

Como general das tropas francesas, Napoleão tomou parte do Estado Pontifício; o Papa Pio VI teve que renunciar a alguns territórios deste, assim como a manuscritos e obras de arte, obrigando-se ainda a pagar 35 milhões de francos.

Certos tumultos provocados em Roma contra os franceses deram ocasião a que estes ocupassem a Cidade Eterna; proclamaram a deposição do Papa como Senhor temporal e a República Romana; as cenas de libertinagem ocorridas em Paris deram-se também em Roma: na entrada da ponte Sant’Angelo foi colocada a estátua da liberdade calcando aos pés as insígnias papais; despojaram-se igrejas, capelas e conventos.

Pio VI, com seus oitenta anos de idade, foi levado de cidade em cidade. Fizeram-no atravessar os Alpes e deixaram-no finalmente em Valença, à margem do rio Ródano, onde veio a falecer aos 29/08/1799.

No fim deste mesmo ano, Napoleão regressou do Egito vitorioso como um novo Alexandre ou César. Deu um golpe de Estado em Paris aos 09/09/1799, apossando-se do Governo. Pela quinta vez em dez anos, mudava-se o regime francos: o Governo caberia a um Consulado de três membros. Napoleão foi eleito Primeiro Cônsul por dez anos, depois vitalício; os outros dois cônsules estavam dispostos a obedecer-lhe, de modo que ele se tornava ditador.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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