Felicidade, onde moras? EB

Revista:
“PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

Autor: D.
Estevão Bettencourt, Osb

Nº 230, Ano
1979 – p. 45

 

O mês de
fevereiro é geralmente marcado pelos festejos do Carnaval…, que muito antes
dos três dias oficiais movimenta a sociedade.

O Carnaval
tem origem pré-cristã. Vem a ser sucedâneo das festas saturnais que os romanos
celebravam no começo de cada ano ou, talvez, o eco dos folguedos de entrada de
ano ou entrada da primavera, também comuns no mundo greco-romano anterior a
Cristo. A Igreja tentou dar sentido cristão a esses manifestações de alegria,
como também tentou cristianizar outros usos dos povos a quem ela levou o
Evangelho, desde que suscetíveis de interpretação cristã. Os festejos de
entrada de ano ou de entrada da primavera acabaram sendo fixados nas imediações
da Quaresma; esta, por sua vez, é estipulada em função da Páscoa, a qual cai
todos os anos no domingo subseqüente à primeira Lua cheia da primavera (ou após
o dia 14 de Nisã dos antigos isarelitas). Nesta perspectiva, os folguedos de
Carnaval poderiam ser concebidos com um Adeus às festas colocado no limiar do
tempo severo da Quaresma.

A alegria é
um valor exaltado pelo Cristianismo. Conforme São Paulo, é um dos frutos da
ação do Espírito Santo no cristão; cf. Gl 5,22. Diz-se mesmo – e com razão –
que um santo triste é um triste santo. Acontece, porém, que as manifestações do
Carnaval hoje em dia pouco ou nada têm de cristão; tornam-se freqüentemente a
ocasião de se expandirem de maneira irracional e pagã os instintos do ser
humano; as paixões, de forma aberta ou sutil, tomam então livre curso. Uma das
provas disto é o sentimento de vazio e decepção que não poucos foliões
experimentam após haver cantado e pulado exaustivamente durante o Carnaval; e
isto… para não falar de prejuízos econômicos, desgastes de saúde, crimes e
outros males, dos quais alguns deixam marcas irreversíveis.

O cristão,
portanto, considera o Carnaval não com olhar irrestritamente condenatório, mas
com reservas justificadas.

Qual seria
então o segredo da alegria do cristão?

O cristão
sabe que a fonte da alegra e da felicidade não está fora, mas dentro do ser
humano. O que está fora, passa e deixa o homem frustrado (“passa a figura deste
mundo”, 1Cor 7,31); mas o que está dentro, é intocável. “Tudo o que é meu, eu o
levo comigo” (Omnia mea mecum porto), dizia o filósofo despojado e enxotado de
um lugar para outro na Antigüidade.

Mais precisamente:
a fonte da alegria para o cristão consiste no cultivo de dois tipos de valores:

1) os
valores propriamente humanos, que são a honradez, a responsabilidade, a coragem
para procurar e abraçar a verdade, a sinceridade, a lealdade, o horror às
semiatitudes e à covardia, numa palavra: o ser homem… É, sem dúvida,
extremamente feliz “ser homem” em vez de ser “banana” ou “minhoca” ou covarde
ou “Maria-vai-com-as-outras”, embora “ser homem” exija dureza de vida e
capacidade de renúncia;

2) os
valores especificamente cristãos, que vêm a ser o dom da filiação divina, a
herança da eternidade já possuída e desfrutada no tempo, a consciência de que o
definitivo e o absoluto estão presentes mesmo no torvelinho desta caminhada
terrestre.

O cristão
está certo de que a fidelidade a tais valores (humanos e evangélicos) e a
fruição cada vez mais coerente dos mesmos são os genuínos mananciais de mais
viva alegria,… alegria que não decepciona, porque é o antegozo do definitivo
em meio às coisas transitórias.

Ora, logo
após o Carnaval, o calendário, da Igreja assinala o início da Quaresma (…) Que
esta seja, para os cristãos, o tempo da verdadeira alegria,… alegria haurida
não em espalhafatos, mas na austeridade de uma disciplina de vida corajosa e
coerente… Alegria haurida na perseverante seqüela do Cristo forte e, ao mesmo
tempo, humilde,… haurida também na procura de um aprofundamento da fé ou do
conhecimento de Deus. Quem mais conhece, mais pode amar e, mais amando, mais se
alegra, consoante a oração de S. Anselmo de Cantuária (+ 1109): “Que eu Te
conheça, que eu Te ame, para alegrar-me em Ti!”

Assim o
tempo roxo da Quaresma será o tempo da verdadeira alegria,… alegria pela qual
todos os homens anseiam, mas que não raro procuram em cisternas furadas (cf. Jr
2,13)!

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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