Esporte e Ética – EB

Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 492 – Ano 2003 – p.
272

 Em síntese: O esporte como
tal é um valor inegável, pois visa à educação e saúde. Tal valor não deve ser
ofuscado por falhas cometidas em certas competições que ferem a Ética.
Distingam-se três níveis de esporte: 1) a educação física  da juventude, muito necessária, desde que não
insinue a idolatria do corpo; 2)  o
esporte passatempo, destinado a preencher o tempo de lazer e compensar os danos
de uma vida demasiado sedentária; é praticado sem finalidade competitiva e sem
interesses lucrativos, tornando-se cada vez mais uma exigência da vida moderna;
3) o esporte profissional,  que acarreta
maiores riscos de burlar valores morais pela exaltação da forma corpórea e pela
cobiça de interesses financeiros. O esporte deve ser personalista, isto é,
cultivar todos os valores da pessoa humana, entre os quais estão valores morais,
como a amizade, a lealdade e o respeito pelo semelhante.

O Manual de Bioética de Elio
Sgreccia aborda, entre muitas outras a questão da Ética do esporte.¹ Visto que
o tema é muito atual (sejam recordadas as competições atléticas, tão freqüentes
em nossos dias), exporemos o pensamento do autor a respeito.

O esporte como tal

Nada existe a opor ao
esporte como tal, pois sua índole mesma destina-se a fomentar a educação e a saúde.
Se ocorrem abusos e graves falhas no exercício do esporte, não devem levar e
perder de vista os benefícios que ele pode propiciar.

Distingam-se três níveis de
prática esportiva: 1) a educação física  ministrada a adolescentes e jovens; 2)  o esporte amador,  que preenche tempo de lazer; 3)  o esporte profissional,  que apresenta sérios problemas éticos, mas nem
por isto merece ser rejeitado.

2. A educação física

Tem em vista higiene e saúde,
tencionando favorecer o desenvolvimento da corporeidade, prevenir as possíveis
deficiências físicas e compensar o tipo de vida sedentária que os estudantes
podem levar. Em certas épocas da história, a educação física degenerou, de
certo modo, em idolatria do corpo e da força física, tornando-se um exercício
pré-militar; tal foi o que se deu sob as ideologias do nacional-socialismo
(Alemanha) e do fascismo (Itália), como também na antiga Esparta grega.
Todavia, como dito, esses momentos de sombra não devem empalidecer os aspectos
positivos do exercício físico.

3. O esporte amador

É atividade complementar do
trabalho profissional, desenvolvida como emprego do tempo livre, às vezes sem
preocupações competitivas e sem finalidade lucrativa. Pode ter índole
semelhante à da educação física dos jovens. É também uma exigência compensadora
da vida sedentária de quem trabalha em ambientes fechados ou em escritórios e
lojas. A vida em cidade parece postular o lazer do esporte. Aqui cabe uma
observação: o tempo de lazer do trabalhador tende a se ampliar, visto que a
tecnologia vai realizando com eficácia crescente a atividade do operário; daí o
interesse de que as autoridades competentes e os políticos pensem em
proporcionar ao trabalhador digna ocupação do seu tempo livre.

4. O esporte profissional

O esporte amador de certo
modo gera o esporte profissional, este permite ao atleta cultivar com mais
empenho as regras que norteiam a boa qualidade do esporte. Mas é precisamente
neste terceiro nível que se registram os mais sérios problemas. O espírito
competitivo, a cobiça de lucro monetário e as paixões daí oriundas fazem que
muitas vezes o esporte decaia do nível elevado que lhe compete.

Na verdade, a atividade
esportiva jamais deverá ser entendida como mera cultura da corporeidade nem
apenas como fonte de proventos econômicos, mas há de ser considerada numa visão
personalista, que leva em conta o engrandecimento ou a nobilitação da pessoa humana
em sua totalidade, inclusive em seus valores morais, como são a lealdade, a
honestidade, a amizade. Desta maneira o esporte torna-se verdadeira ascese
(exercício) não só do corpo, mas também da mente. O esportista há de ser um
homem (uma mulher) forte também para se autodominar e conviver com seus
semelhantes.

O culto hedonista do corpo
ou, pior ainda, a exaltação exacerbada da força física podem criar autêntica
deformação da pessoa humana, muitas vezes ligada aos interesses de empresários
desejosos de atrair e cativar o grande público.

A Igreja tem repetidamente
apontado os risco de desvirtuamento da atividade esportiva. São palavras do
Papa Pio XII:

“O esporte, como cura para o
corpo, como um todo, não deve ser uma finalidade em si mesmo, degenerando no
culto da matéria. Ele está a serviço do homem por inteiro; portanto, longe de pôr
obstáculos ao aperfeiçoamento intelectual e moral, deve promovê-lo, ajudá-lo e
beneficiá-lo”.

O mesmo Pontífice propõe quatro
condições para um sadio exercício do esporte:

– respeito aos valores
espirituais e morais, valorização da atividade esportiva amadora como continuação
da atividade profissional honesta e digna;

– não comprometimento da
vida conjugal e familiar;

– finalidade aos deveres
religiosos.

O mesmo Papa enumera as
virtudes que devem caracterizar o(a) esportista: sinceridade, lealdade,
capacidade de tolerar, estar alerta às funções dos sentidos e do espírito,
saber viver em comunidade (tolerando e sendo tolerado), ter o olhar aberto a
toda a sociedade, da qual o esportista é um membro. Principalmente por ocasião
das Olimpíadas requer-se do atleta a consciência de que a humanidade é uma
grande família.

João Paulo II não deixa de
chamar a atenção para os riscos de deformação presentes no esporte, mas
acrescenta uma justificativa profunda para o exercício da educação física,
lembrando os dizeres de S. Tomás de Aquino: “Gratia non destruit, sed perficit
naturam. A graça (O dom de Deus sobrenatural) não destrói, mas aperfeiçoa a
natureza”.

A filosofia diz algo de semelhante:
“Mens sana in corpore sano.  – Mente sã
em corpo são”.

5. Os pecados no esporte

As falhas éticas no esporte
são tanto mais freqüentes e graves quanto mais estiver este exercício ligado à
competição e a interesses financeiros.

São quatro as principais
faltas cometidas nessa área: a fraude, a violência, a comercialização dos
atletas, o risco atlético.

5.1. A fraude

A fraude pode assumir duas
modalidades: a) o recurso a produtos farmacológicos e b) o jogo de apostas.

O recurso a produtos farmacológicos
ou a dopagem visar a obter um desempenho mais eficiente dos atletas. Tal
recurso prejudica a saúde física e moral do atleta. Já em 1975 a França e a Bélgica
adotaram leis antidopagem. A Comissão do Comitê Olímpico Internacional definiu
como sua tarefa, específica controlar o uso de remédios em geral por parte dos
atletas; nem sempre é fácil e simples distinguir os remédios de emprego comum e
a dopagem.

Em 1963 o Conselho da Europa
assim definiu a dopagem: “Administração e uso de substâncias, sob qualquer
forma, estranhas ao organismo ou de substâncias fisiológicas em quantidade
exagerada ou por via anômala por parte de pessoas sadias, com a finalidade
exclusiva de obter um artificial e desleal aumento de rendimento numa competição”.

As técnicas da dopagem
aprimoram-se cada vez mais, chegando a empregar hormônios que bloqueiam o
desenvolvimento puberal ou alteram a fisiologia das gônadas, especialmente nas
mulheres.

5.2. A violência

A violência pode ser
praticada pelos próprios atletas (que ali estão sujeitos a um Código Penal
severo) como também pelos espectadores exaltados, especialmente quando são “torcidas
organizadas”; algumas vezes pessoas portadoras de impulsos de violência
latentes descarregam toda a sua brutalidade oculta sobre os adversários de
jogo.

Estão ainda vivos na memória
de muita gente os trágicos acontecimentos de Bruxelas no estádio de Heysel em
maio de 1985, agravados pela falta de segurança nas estruturas do estádio.
Fizeram os psicólogos pensar e chegar à conclusão de que o esporte tem por
vezes a função catártica (purificadora) dos instintos de violência.

Às autoridades civis
toca  o papel de garantir a segurança nos
estádios como também o de controlar os meios de comunicação social, que podem
provocar as paixões dos torcedores, cultivando a sensação. Aos dirigentes de
associações esportivas e clubes cabe procurar impedir a infiltração de
elementos estranhos à disputa atlética, como são o álcool, o tabaco, as drogas,
grupos políticos ideologizantes.

Registra-se também, como
fator negativo a ser removido, a tendência fazer do atleta um deus, cujos oráculos
têm valor decisivo em matérias alheias ao jogo, como são o divórcio, o aborto,
a eutanásia… Essa exaltação do esportista contraria a tese de que todos os
homens são iguais e nenhum merece o lugar da divindade; também deseduca a
juventude, que deve ser no esportista um homem como os demais que luta para
realizar a sua vocação, como luta o pedreiro, o marceneiro, o enfermeiro (…).

5.3. A comercialização dos
atletas

A cultura da força física
leva a fazer dos atletas ocasião de comércio e interesses lucrativos. Os clubes
compram e vendem jogadores segundo critérios do comércio convencional. O
dinheiro que corre nessas transações, como também o salário pago aos atletas vêm
a ser um insulto às classes pobres. O problema do salário justo deveria
abranger outrossim a área do esporte “para evitar que o atleta se transforme
num bezerro de ouro, ao mesmo tempo vendido e adorado” (p. 276).

5.4. O risco atlético

A prática do esporte, assim
como é sadia, pode também acarretar risco para a saúde e a vida do esportista
em grau maior ou menor; assim, por exemplo, o automobilismo, a luta de box,…
o próprio futebol… Aliás, todo empreendimento de valor acarreta sempre um
risco; desenvolver-se é “sair da casca” e caminhar para o desconhecido. Por
conseguinte é inevitável o risco também no esporte. Todavia é necessário que o
atleta (como todo homem) pondere bem o binômio “benefício x risco”. A
consciência moral ensina o seguinte: os esportes que por sua índole mesma fazem
correr sério risco para a saúde ou para a vida do esportista são ilícitos; tal é
o caso da luta de box, luta na qual o pugilista corre o risco de ser atingido
na cabeça, já que o jogo consiste em dar e receber golpes. No exercício dos
esportes que menos risco acarretam, requerem-se garantias que defendam os
atletas contra possíveis perigos. Então, em vez de falar de “risco aceitável”,
dir-se-á “otimização do risco”.

 

¹ Cf. vol. II, pp. 269-281.  

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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