Dois médicos, dois santos – EB

Revista: PERGUNTE E RESPONDEREMOS

D. Estevão
Bettencourt, osb

Nº 533 – Ano 2006 – p. 523

 

Em síntese:
O artigo apresenta o resumo biográfico de uma médica e um médico italianos
reconhecidos como santos. Ela, por ter recusado abortar, veio a falecer. Ele
procurava atender não só aos interesses corporais de seus pacientes, mas se
esforçava por lhes ser útil ainda mais profundamente. Os dois dão testemunho de
que a santidade está ao alcance de todos.

Foram
recentemente canonizados uma médica e um médico italianos, a saber: a Dra.
Gianna Beretta Molla e o Dr. José Mozscati – o que, entre outras coisas,
significa que a santidade está ao alcance de todos. A seguir, será proposto
breve perfil de cada um dos dois novos santos, com ênfase nos seus traços
específicos.

 

Santa
Gianna Beretta Molla

Gianna
nasceu em Magenta perto de Milão no ano de 1922 no seio de uma família piedosa.
Freqüentou a Faculdade de Medicina de Pavia, onde se diplomou em novembro de
1944. Especializou-se em Pediatria na Universidade de Milão; ao que acrescentou
posteriormente a especialização em Ginecologia.

Além de
suas atividades profissionais, exerceu funções apostólicas na igreja;
alimentada diariamente pela S. Eucaristia, participava da Ação Católica e
auxiliava obras de caridade.

Quando
adolescente, pensava em ser missionária em terras longínquas; aos poucos,
porém, percebeu que Deus a chamava ao matrimônio, casou-se sem perder o serviço
apostólico.

Abriu um
consultório em Mosera perto de sua cidade natal. Gozava da estima da população
à qual atendia gratuitamente quando necessário, atendia também a quem a
chamasse a qualquer hora da noite, mesmo estando grávida. Com muita solicitude
acolhia a quem a procurasse, chegando ao ponto de só voltar para casa às nove e
meia da noite. Ela tinha consciência das dificuldades do trabalho médico, como
se depreende dos dizeres seguintes: “Infelizmente existe grande
superficialidade mesmo em nosso setor de trabalho; nós consideramos os corpos,
mas por vezes sem competência”.

Deu à luz
três filhos: Pedro Luís, Mariolina e Laura. Foi menos feliz, porém, por ocasião
de sua quarta gravidez; descobriu-se então um fibroma ao lado do útero.
Extirpá-lo seria extirpar também a criança. Gianna percebeu então que estava
diante de um dilema dramático: devia escolher entre a própria vida e a vida da
criança. Na qualidade de médica Gianna compreendia claramente a seriedade da
situação. O médico havia declarado: “Se quisermos salvar sua vida, teremos que
interromper a gestação”. Como atestam familiares e amigos, a resposta da
gestante foi peremptória: “Professor, eu não o permitiria jamais. É pecado
matar uma criança no seio materno”. Na verdade, três opções se apresentavam à
enferma:

– uma
laparotomia total, com oblação do fibroma e do útero, intervenção esta que por
certo salvaria a vida de Gianna, mas a tornaria estéril;


abortamento provocado pela extração do fibroma – o que não afetaria a
fecundidade do organismo;

– oblação
do fibroma apenas sem interrupção da gravidez.

 

Ora Gianna
escolheu esta terceira alternativa, a que mais risco de sofrimento lhe
acarretava. Era de prever que o parto, após tal intervenção cirúrgica, seria
doloroso e perigoso para a mãe.  Contudo
a cirurgia foi executada. Internada, deu à luz no dia seguinte a menina à qual
deu nome de Gianna Emmanuella.

Como
previsto, poucas horas após o parto, começaram as complicações. Gianna viveu
uma semana de atrozes sofrimentos causados pela peritonite septicêmica. A
enferma demonstrou então uma fé muito viva que a reconfortou; finalmente
faleceu às 8 horas do sábado 22 de abril de 1962.

Após o
devido processo, foi beatificada aos 24 de abril de 1994, ocasião em que o Papa
João Paulo II proferiu o seguinte elogio:

“Depois de
uma existência exemplar, como estudante, como jovem comprometida com sua
comunidade eclesiástica, como esposa e mãe ela ofereceu sua vida em sacrifício,
a fim de que a filha que ela trazia em seu seio pudesse viver. Essa filha está
hoje aqui conosco. A formação médica de Gianna tornava-a consciente do perigo
que ela corria, mas Gianna não recuou diante do sacrifício.

Desejamos
prestar homenagem a todas as mães corajosas que consagram sem reserva a sua
família, sofrem ao dar à luz e enfrenta todo tipo de renúncia em favor dos seus
filhos, procurando transmitir a estes o que elas tem de melhor”.

 

Eis ainda o
depoimento do Pe. Mario Cazzaniga, que conheceu de perto a doutora Beretta
Molla:

 

“Ela me
impressionou a tal ponto que em minhas aulas na Escola de Enfermagem, ao falar
de aborto, cito sempre o caso da doutora Gianna como exemplo de maternidade
generosa e exemplar. Creio que em nossos dias, quando a maternidade é
depreciada, devemos dar a conhecer o gesto generoso da doutora. A sociedade não
pede uma avalanche de exemplos diversos, mas deseja conhecer os gestos
generosos”.

Para
terminar, sejam citadas palavras que a doutora Gianna dirigiu a jovens da Ação
Católica de Magenta em 1946:

“Deus quer
nos ver perto dele, para que Ele nos comunique pelo segredo da oração o segredo
da conversão das almas que contactamos… Cada dia de nossa vida deveria
incluir um lapso de tempo para nos recolhermos junto a Deus… Propagar a Boa
Nova, semear nosso pequeno grão sem jamais nos cansarmos… Ao trabalharmos
neste sentido, não detenhamos a considerar os efeitos respectivos. Se, após
termos feito o melhor que podíamos, ocorrer um fracasso, aceitemo-lo com
generosidade. Um fracasso aceito generosamente por um apóstolo que aplicou
todos os recursos para obter êxito, traz mais benefícios salutíferos do que  um triunfo”.

Assim
falando, Joana colocava o segredo da vida apostólica na oração, que é também o
segredo dos Santos, levando Santa Gianna Beretta Molla às raias do heroísmo.

 

São José
Moscati

São José
Moscati nasceu aos 25 de julho de 1880 em Benevento (Itália) e faleceu aos 2 de
abril de 1922.

Com 17 anos
de idade fez voto perpétuo de castidade e dispôs-se a servir a Deus praticando
a Medicina. Fez seus estudos em Nápoles, onde terminou seu curso com o título
de doutor em 1903. Foi trabalhar no hospital dos Incuráveis naquela cidade e
passou a lecionar Química Fisiológica, obtendo assim uma reputação de alcance
internacional. A sua dedicação aos enfermos manifestou-se principalmente por
ocasião da erupção do Vesúvio em 1906 e durante a epidemia de cólera em 1911. Seu
programa de trabalho se exprimia nitidamente nas seguintes palavras dirigidas a
um colega médico em 1923:

“Lembra-te
de que deves tratar não somente dos corpos, mas também das almas aflitas que te
procuram. Aliviarás mais facilmente muitas dores graças a bons conselhos que
falam ao espírito. São mais eficazes do que a apresentação de receitas a ser
levadas ao farmacêutico. Sê alegre, pois deves dar o exemplo a todos os que te
cercam, exemplo de tua elevação a Deus”.

Note-se que
Sta. Gianna dizia o mesmo:

“Não
esqueças a alma do enfermo. Temos oportunidades que o padre não tem. Nossa
missão não está encerrada quando os medicamentos não produzem efeito; existe a
alma, que deve ser orientada para Deus. Todo médico deve confiá-las ao padre.
Como os médicos católicos são necessários!… Possam os homens ver Jesus  no meio de nós e possa Jesus contar com
muitos médicos que lhe ofereçam seus préstimos!”

As
qualidades humanas e morais de Moscati lhe valeram a admiração e a amizade de
milhares de pessoas. Foi nomeado pelo Governo da Itália para participar de
Congressos Internacionais de Medicina em Budapest (1911) e Edimburgo (1923).

Faleceu aos
12 de abril de 1927; seus funerais assumiram características de um triunfo. Os
seus despojos mortais foram transferidos para Nápoles, onde se diz que muitas
curas milagrosas são devidas à sua intercessão.

A
personalidade de São José Moscatti se espelha ainda nos seguintes dizeres:

“Ama a
caridade. Mostra-te como tu és, sem hipocrisia, sem medo… Se a verdade é
causa de perseguição, aceita-a sem fugir. Se é causa de tormentos, suporta-a.
Se, por causa da verdade, tu deves sacrificar-te e sacrificar a própria vida,
sê forte em tua dor”.

O
testemunho dos dois santos médicos aqui apresentados fala alto, proclamando a
harmonia de ciência e fé e divulgando o apelo à santidade que todo cristão
escuta, qualquer que seja seu estado de vida pessoal.

Seja Deus
louvado em seus Santos!

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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