Do inferno ao paraíso

O artigo anterior – “Um inferno diferente” – mereceu inúmeros comentários, vários deles bastante restritivos. Um leitor comentou: «Se o inferno é assim, então as pessoas não terão mais medo de pecar!». A objeção não é nova se já São Paulo escrevia aos cristãos de Corinto: «Se pusemos a nossa esperança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens. Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, pois amanhã morreremos!» (1Cor 15,19.32).

A resposta nos é dada pelo próprio Torres Queiruga, ao lembrar que são as posições fundamentadas na pedagogia do medo que levam muitas pessoas ao ateísmo. É o que acontece quando se instrumentaliza o “castigo de Deus” para controlar as consciências, reforçar uma educação autoritária ou afirmar o poder da instituição. Emanuel Kant vai mais longe ainda ao declarar que o agir por amor ao prêmio ou por medo do castigo corrompe a moralidade do ato em sua própria raiz. Antes dele, Santo Agostinho já ensinava que, quem ama, já tem a recompensa, independentemente de quaisquer outras.

Outro leitor escreveu: «Nas entrelinhas, parece que Queiruga discorda da doutrina da Igreja Católica, que afirma e existência e a eternidade do inferno. A impressão que ele deixa é que, no final, todos se salvam!»

Uma leitura apressada de seu escrito pode levar a essa conclusão, inclusive por um texto bíblico que ele escolheu para fundamentar sua opinião – texto que a maior parte dos teólogos católicos aplica ao purgatório: «Na vida, ninguém pode colocar um fundamento diferente do que já foi posto: Jesus Cristo. Se alguém edificar sobre esse alicerce com ouro, prata, pedras preciosas ou com madeira, feno, palha, terá o seu trabalho revelado no dia do julgamento através do fogo, que manifestará a qualidade da obra de cada um. Se a construção resistir, o operário receberá a recompensa; quem, porém, tiver sua obra queimada, será castigado, mas ele mesmo será salvo através do fogo» (1Cor 3,11-15).

Se assim fosse, conclui o Pe. Andrés, «a visão final de “Deus tudo em todos” alcançaria toda a sua glória. Nela, a desigualdade não seria impedimento: assumida com gratidão e numa comunhão sem rivalidades, ela seria para cada um a maneira de ser feliz, de acordo com a medida de seu próprio ser plenamente aceito, desfrutado e reconhecido».

Se entendi corretamente o seu pensamento, com ele concorda Santa Teresa do Menino Jesus. Com uma diferença: Queiruga fala do inferno e Teresa do paraíso: «Paulina recebia todas as minhas confidências íntimas, dissipava todas as minhas dúvidas. Uma vez, estranhei que Deus não desse igual glória no céu a todos os eleitos, e receava que não fossem todos felizes. Então Paulina fez-me buscar o copo grande de papai e colocá-lo ao lado do meu pequeno dedal, e disse para encher os dois. A seguir, perguntou-me qual dos dois estava mais cheio. Respondi que os dois estavam cheios e não podiam conter mais. Ela, então, me fez compreender que, no céu, Deus dá a seus eleitos tanta glória quanto podem conter e que, assim, o último nada tem a cobiçar ou invejar do primeiro».

Mas, para não confundir o leitor sobre um assunto tão importante como é a eternidade, o Pe. Andrés encerra a sua explanação com estas palavras: «Estamos no terreno da conjetura. Falamos do que, por definição, ultrapassa nossa capacidade de certeza e que, portanto, só nos é lícito propor com a modéstia de uma proposta de diálogo. A segurança está unicamente no fundamental, no que verdadeiramente importa: que Deus é amor e que só quer e busca por todos os meios a nossa salvação; que o faz no respeito, delicado e absoluto, à nossa liberdade, a qual, sim, pode resistir a sua salvação…».

«O fundamental, o que realmente importa» é que Deus nos ama. É esta a grande verdade que liberta e dá asas ao coração, porque «o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração humano não pressentiu, isso Deus prepara para aqueles que o amam» (1Cor 2,9).

Na natureza, o sol irradia luz, calor e vida. A mesma coisa acontece com Deus: quanto mais perto dele alguém se encontra, maior é o paraíso que o plenifica; e quanto mais distante estiver, mais inferno será a sua vida. Inclusive aqui na terra…

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Dom Redovino Rizzardo, cs
Bispo de Dourados – MS

   

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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