Diretrizes para o Diaconato Permanente – Parte 4

III ETAPAS DO PROCESSO FORMATIVO

1. A vocação diaconal

121. Toda autoridade é serviço. Toda vocação é serviço que deve ser entendido como um colocar-se à disposição do anúncio e da implantação do Reino de Deus, tarefa que se explicita na animação da comunidade eclesial, por meio do testemunho da comunhão, do serviço, do diálogo e do anúncio. O futuro diácono deverá estar consciente disso e inclinado a falar para a comunidade; a sentir com ela e a celebrar por, com e nela. Assim, a vocação é condição basilar e primeira de todo o processo de escolha, seleção  e formação de candidatos, pois os demais requisitos virão em decorrência de tal pressuposto. O chamado de Deus deve falar mais alto e ser colocado de modo tão explícito que outras motivações e critérios seletivos lhe estejam subordinados (cf. Jo 15,16).

122. O Documento de Santo Domingo, em seu nº 77, destaca que os diáconos devem ser reconhecidos “mais pelo que são do que pelo que fazem”. Nesse sentido, devemos superar uma visão meramente utilitarista do diaconato: “Antes de ser um serviço, é uma vocação, um dom de Deus à sua Igreja”.

123. No entanto, essa vocação se direciona e é acolhida por homens concretos, cada qual com sua história, limitações e qualidades. Por isso, não é plausível procurar o candidato ideal, portador de todos os pré-requisitos para esse ministério. A ausência de algum dos requisitos abaixo elencados ou a deficiência em um deles não deve ser motivo de prévia exclusão do candidato, mas constituir uma preocupação dos formadores para a superação ou a eliminação do problema.

124. O bispo e o presbitério saibam acolher e discernir a autêntica vocação ao ministério diaconal. A Pastoral Vocacional de cada diocese inclua também a vocação ao diaconato como uma das muitas formas do chamado de Deus, tornando-aconhecida e valorizada pelas comunidades e pelas famílias. Que essa Pastoral aproveite a disponibilidade dos vocacionados e ajude-os a amadurecer uma resposta generosa e consciente.

125. O surgimento de vocações específicas ao diaconato permanente pode acontecer de modos diversos, tais como: sugestão da comunidade; indicação por parte de um presbítero, bispo ou outro diácono; ou iniciativa própria de quem se sente chamado para tal ministério. Por todos esses meios, a voz de Deus se faz ouvir, convidando a assumir um novo estado de vida e um serviço a Deus e ao próximo.

2. Pré-requisitos e perfil dos candidatos

126. Uma vez apontados os possíveis candidatos ao diaconato permanente, a etapa seguinte é a busca de um conhecimento mais apropriado de cada um deles. O bispo diocesano encarregue um presbítero ou diácono de estabelecer um primeiro contato com o candidato e sua família sobre a possibilidade e o desejo de, eventualmente, assumir o ministério diaconal. Segundo São Paulo, pode-se estabelecer o seguinte perfil para o diácono: “Os diáconos devem ser dignos, de uma só palavra, não inclinados ao vinho, sem cobiçar lucros vergonhosos, conservando o mistério da fé com uma consciência limpa. Por isso, sejam primeiramente experimentados e, em seguida, se forem irrepreensíveis, exerçam o seu ministério… Os diáconos sejam casados uma só vez, governando bem os seus filhos e a sua própria casa. Com efeito, os que administram bem adquirem para si um posto honroso e muita confiança em Jesus Cristo” (1Tm 3,8-10.12-13). São Policarpo aconselha: “Assim os diáconos devem ser sem mancha no tocante à justiça, como ministros de Deus e de Cristo, e não de homens; não caluniadores, não duplos de palavra, não amigos de dinheiro, tolerantes em todas as coisas, misericordiosos, ativos; caminhem na verdade do Senhor, o qual se fez servo de todos”[24].

127. Esse conhecimento individualizado não se deve limitar a uma única visita ou entrevista com o possível candidato e sua família. Deve, isso sim, repetir-se durante algum tempo, inclusive ouvindo-se o pároco, os líderes da comunidade e outros de seus membros.

128. Nesse período de discernimento, sejam levados em consideração os seguintes critérios objetivos: requisitos pessoais, espirituais, familiares e comunitários.

129. Os requisitos pessoais dizem respeito estritamente à pessoa do candidato:

·  saúde física e psíquica e equilíbrio afetivo-emocional;

·  idade canônica: 25 anos para solteiros e 35 para casados;

·  situação civil e profissão compatíveis com o ministério diaconal;

·  independência econômico-financeira;

·  escolaridade (de acordo com a realidade de cada região do Brasil);

·  capacidade de liderança e espírito de equipe;

·  capacidade de autocrítica, de renovação e formação permanente.

130. Os requisitos espirituais referem-se à caminhada na fé de cada vocacionado, indicando sua vivência dos compromissos batismais nos níveis pessoal, familiar e comunitário:

·  maturidade na fé;

·  visão de Igreja solidária com a realidade atual;

·  capacidade de comunhão eclesial para ouvir, dialogar e acolher;

·  consciência apostólico-missionária;

·  vida sacramental e busca contínua da conversão;

·  espírito de oração e de contemplação;

·  espírito de serviço, principalmente aos mais pobres;

· interesse pelo estudo e aprofundamento da Palavra de Deus e da doutrina da
Igreja.

131. Os requisitos familiares referem-se à vida do vocacionado em seu ambiente de convivência mais íntimo, como esposo, pai, filho e irmão:

·  aceitação, consentimento e colaboração efetiva da esposa e dos filhos;

·  estabilidade matrimonial;

·  envolvimento da família na caminhada da comunidade;

·  vida familiar em coerência com os ensinamentos da Igreja;

·  mínimo de cinco anos de vida matrimonial.

132. Além dos requisitos comuns a todos, os celibatários devem manifestar a capacidade de, livremente, assumir o amor a Cristo e aos irmãos com a totalidade que mostra um coração indiviso[25].

133. Por fim, os requisitos comunitários concernem à dimensão interativa da caminhada de fé do vocacionado no que se refere à sua postura diante da comunidade, e vice-versa:

· consciência de que será diácono da Igreja e não de um grupo ou comunidade
determinada;

· engajamento pastoral de cinco anos ou outro estabelecido pela Diocese;

· superação da visão utilitarista e autoritária do ministério diaconal;

· sensibilidade para os desafios que se apresentarem na comunidade;

·  comunhão com os bispos, presbíteros e todos os organismos do povo de Deus;

·  capacidade de perceber e valorizar outros ministérios e líderes da comunidade;

·  visão de pastoral de conjunto e abertura missionária;

·  capacidade de diálogo ecumênico com outras denominações cristãs;

·  aceitação por parte da comunidade e do presbitério.

134. O itinerário da formação ao diaconato permanente deve começar a partir da iniciativa do próprio aspirante ou de uma proposta da sua comunidade, por um período propedêutico, com uma duração conveniente. “É um período em que os aspirantes serão introduzidos num conhecimento mais aprofundado da teologia, da espiritualidade e do ministério diaconal, e serão convidados a um discernimento mais atento do seu chamamento”[26].

135. É de se desejar que, onde as circunstâncias o permitirem, os aspirantes formem uma sua comunidade, com um ritmo próprio de encontros e de oração que preveja também momentos comuns com a comunidade dos candidatos”[27].

136. “O programa do período propedêutico normalmente não deveria prever lições escolares, mas encontros de oração, instruções, momentos de reflexão e de confronto orientados a ajudar a objetividade do discernimento vocacional, segundo um plano bem estruturado. Já nesse período tenha-se o cuidado de comprometer, tanto quanto possível, também as esposas dos aspirantes”[28].

137. “Os aspirantes, com base nos requisitos requeridos para o ministério diaconal, sejam convidados a realizar um discernimento livre e consciente, sem deixar-se condicionar por interesses pessoais ou pressões externas de qualquer tipo”[29].

138. A escola diaconal deve ser um espaço onde os vocacionados possam crescer nos requisitos que já possuem e onde tenham condições de suprir aqueles que lhes faltam e superar as deficiências.

139. Os casos de impedimentos sejam dirimidos pelas normas canônicas vigentes, sempre levando em consideração a caridade e o amor fraterno.

3. Dimensões da formação

140. Em vista do amadurecimento integral e harmônico do futuro diácono e do bom nexercício de seu ministério, tenham-se presentes, desde o início do processo formativo, as dimensões: humano-afetiva, eclesial-comunitária, intelectual, espiritual e pastoral.

3.1. Dimensão humano-afetiva

141. Sem uma oportuna formação humana, toda a formação para o ministério ficaria privada do seu necessário fundamento (cf. PDV 43).  A maturidade humano-afetiva é condição indispensável para o exercício do ministério.  Ela está intimamente ligada com a vida conjugal e familiar do diácono e com a caridade pastoral, no exercício de seu ministério.

142. No processo formativo privilegie-se a capacidade de abertura, de doação e de  relacionamento. Em se tratando de homens com idade mais avançada, verifique-se com maior atenção sua capacidade de assimilar as novas expressões da fé, de adaptar-se aos novos contextos eclesiais e às exigências de uma evangelização inculturada.

143. De modo particular o diácono alimentará em sua vida e nas relações familiares a retidão e a bondade de coração, a misericórdia, a justiça, o amor aos pobres, a humildade, o espírito de serviço e de sacrifício, a paciência, a amabilidade, a força de ânimo, o equilíbrio, a fidelidade à palavra dada e a coerência com os compromissos assumidos.

144. Na vivência matrimonial e na harmonia conjugal superará idéias e práticas machistas e buscará relações verdadeiramente humanas que reconheçam a igualdade e a dignidade da mulher. Valorizará e promoverá a participação mais ativa da mulher na sociedade e na Igreja. A mulher, presença que se destaca nos trabalhos de base, deverá ter maior acesso às responsabilidades de direção e à participação nas decisões importantes da vida eclesial (cf. PRNM 89).

145. Essa dimensão humano-afetiva, mesmo depois da ordenação diaconal do esposo, continua sendo a base da caridade e do amor recíprocos que sustenta o relacionamento do casal e das relações com os filhos e os outros membros da família. Por esse motivo, é fundamental reconhecer e valorizar tudo o que é característico da psicologia e da personalidade da mulher, com sua afetividade peculiar.

146.A esposa e os filhos participarão efetivamente do processo formativo e da missão do diácono, conscientizando-se de que essa vocação não constitui uma fuga do lar nem o desejo egoísta de uma realização pessoal, mas dom de Deus, uma nova dimensão cristã da própria vida conjugal e familiar. Esposa e filhos se enriquecem da graça sacramental.

147. A convivência familiar bem sucedida, com a esposa e os filhos, proporcionará ao diácono integração equilibrada na vida da comunidade eclesial e relacionamento maduro com todos.

148. Tal equilíbrio deverá expressar-se igualmente na vida profissional.  Com grande empenho pessoal buscará colocar o Evangelho em sua vida, alcançando “uma união mais íntima entre a vida prática e a própria fé” (AA 19).

149. A “maturidade supõe nos dois tipos de candidatos a descoberta da centralidade do amor na própria existência e a luta vitoriosa contra o próprio egoísmo […] Para os candidatos celibatários, viver o amor significa oferecer a totalidade do próprio ser, das próprias energias e da própria solicitude a Cristo e à Igreja. […] Uma ajuda determinante pode vir da presença de verdadeiras amizades, que representam uma preciosa ajuda e um apoio providencial para viver a própria vocação. Para os candidatos casados, viver o amor significa darem-se às próprias esposas numa pertença recíproca, com um vínculo total, fiel e indissolúvel, à imagem do amor de Cristo pela sua Igreja; significa ao mesmo tempo acolher os filhos, amá-los e educá-los, e irradiar a comunhão familiar a toda a Igreja e à sociedade”[30]

3.2. Dimensão eclesial-comunitária

150. A partir da família, Igreja doméstica, o diácono alimentará o amor pela vida comunitária inspirada no Evangelho e integrar-se-á plenamente na comunidade eclesial.

151. Evitará a tendência individualista em sua vida pessoal, familiar, comunitária e ministerial. Com efeito, a forma individualista do exercício do ministério ordenado é um dos principais entraves à realização de uma Igreja toda ela responsável pela missão (cf. PDV 17).  O diácono vive, pois, o desafio de não se fechar em sua família, em detrimento de sua ligação com o presbitério e a comunidade eclesial. Igualmente, envidará esforços para não ser absorvido totalmente pelos compromissos e atividades pastorais em prejuízo de sua família.

152. É necessário, sobretudo, renovar continuamente as motivações da vida comunitária, que tem na Santíssima Trindade sua fonte, modelo e meta definitiva.  A assídua intimidade com Cristo e a docilidade ao Espírito levam à realização da vontade do Pai. Isso constitui a experiência básica, que faz do diácono um discípulo semelhante aos primeiros Apóstolos. A vida comunitária tem ainda como raiz a própria natureza da vocação eclesial, que é o chamado à participação ativa naquele plano pelo qual “aprouve a Deus santificar e salvar os homens, não singularmente, mas constituí-los em um povo” (LG 9).

153. Dentro da própria comunidade os diáconos descobrirão carismas e incentivarão vocações para novos ministérios, valorizando agentes de pastoral ou ministros leigos nas tarefas que lhes convém e que não são exclusivas do ministério ordenado, e respeitando a iniciativa e a justa autonomia de todos os que se entregarem ao serviço do Evangelho.

154. No exercício de sua missão o diácono testemunhará que todo ministério, ordenado ou não, deverá ser vivido na dimensão do serviço, a exemplo do Cristo-Servo, evitando toda e qualquer forma de autoritarismo, monopólio e busca de privilégios.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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