Almejamos dialogar e encontramos dificuldades por partes do outros: seu modo de ser, sua arrogância, sua desconfiança, sua teimosia, seu mau humor…
É verdade que os outros, com frequência, dificultam o diálogo. Mas vamos começar pensando em nós. Não o dificultamos também? Façamos, para isso, um pouco de exame sobre três desculpas:
Primeira: O nosso temperamento. Pode ser distraído, absorto e psicologicamente surdo, por ser indiferente sem reparar. <<Às vezes – lemos no livro Sulco (n. 755) -, pretendes justificar-te dizendo que és distraído, avoado; ou que, por caráter, és seco, fechadão. E acrescentas que, por isso, nem sequer conheces a fundo as pessoas com quem convives. – Escuta: não é verdade que não ficas tranquilo com essa desculpa?>>.
Os defeitos de temperamento são um dos primeiros campos da nossa luta espiritual: devemos enfrenta-los e superá-los aos poucos com pequenas mortificações: por exemplo, “vou me esforçar por cumprimentar toda manhã, com um sorriso, todos os que encontrar”, “vou pensar em alguma coisa interessante para comentar em casa”, “vou perguntar a um colega sobre um assunto que o interessa vivamente”, “vou evitar falar quando sinto que começa a ferver a irritação”, etc.
Segunda: A falta de tempo. Eterna desculpa. Convençamo-nos que sempre achamos tempo para aquilo que desejamos de verdade. Quem quer, acha. É claro que, se formos egoístas, cheios de autocompaixão – “como estou cansado!” -, se só tivermos vontade de que nos deixem em paz, nunca encontraremos tempo para prestar atenção. Não seremos capazes de desligar o computador ou o smartphone, de sentar na sala, no alpendre ou na copa e conversa em família; nem de sair uma noite por semana com a esposa; nem de comer uma pizza com o filho que mais precisa de compreensão do pai; nem de marcar um almoço de amizade (não de negócios) com um colega.
Terceira: o modo de ser dos outros: esquivos, explosivos, agressivos… Este, realmente, é um obstáculo, por que, para dialogar, é necessária a boa disposição de dois. Mas, por mais objetivas que sejam as dificuldades, nunca julguemos as almas são tão frias como parecem. Coloque-se o ferro frio no fogo e- além de se aquecer e ficar em brasa – vai se tornar moldável.
O “fogo”, no caso, tem que ser o nosso esforço por sermos e mostrar-nos afetuosos, compreensivos, bem-humorados. Quantas vezes não aconteceu que, num ambiente familiar aquecido por um amor generoso e constante, a pessoa mais difícil se modificasse, o ressentimento mais rijo se dobrasse, a língua mias amarrada se desatasse, e a “megera” (homem ou mulher) se tornasse, como na comédia de Shakespeare, “a megera domada”.
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Condições do bom diálogo
Vou me basear agora em algumas palavras do Beato Paulo VI (na sua primeira encíclica, Ecclesiam suam, de 6 de agosto de 1964, nn. 42 e seguintes) sobre as condições do diálogo.
Paulo VI trata nesse escrito especificamente do “diálogo da salvação”, do diálogo da fé com todos, especialmente com os não cristãos ou não crentes. Mas os princípios que enuncia podem ser aplicados a qualquer bom diálogo.
– <<O diálogo da salvação foi aberto espontaneamente por iniciativa divina: “Deus foi o primeiro a amar-nos” (1 Jo 4,10)>>. A nós toca, se queremos dialogar, tomar <<a iniciativa, sem esperar que nos chamem>>. Ou seja, tentar com delicadeza, uma e outra vez – sem insistências enfadonhas – iniciar o diálogo: muitas vezes o melhor começo poderá ser abrir-nos com o outro, num ato espontâneo de sinceridade pessoal.
-<<Nada, senão o amor desinteressado, deve despertar o nosso diálogo>>. É outra condição fundamental. Não procurar os diálogos movidos por qualquer tipo de interesse egoísta (ficar bem, badalar, tirar vantagem), mas porque queremos o bem da pessoa, porque lhe temos um apreço sincero.
– <<O diálogo não obriga ninguém a responder…; deixa livre para corresponder ou fechar os ouvidos>>, diz a encíclica. Se não há respeito pela liberdade alheia, não pode haver diálogo. Esse respeito é um convite para que a outra parte respeite também a nossa liberdade, e cada um respeite a opinião de interlocutor, mesmo que discorde dela.
Na obra Anima mundi de Susanna Tamaro lemos o seguinte diálogo: <<- Agora você compreendeu? – Compreendi o quê? – A coisa mais simples: o que é o amor. – E o que é? – É atenção>>.
– <<O diálogo – diz ainda a encíclica – tem progressos sucessivos; humildes princípios antes do resultado pleno…, mas nem por isso o nosso diálogo deixará para amanhã o que pode conseguir hoje… Deve recomeçar cada dia; e recomeçar do nosso lado, não do outro a quem se dirige>>. Sem, faz falta ter paciência, paz, e uma constância prudente, delicada e incansável.
Qualidades do bom diálogo
Várias delas acabamos de vê-las ao tratar das condições do diálogo. O n. 47 da citada encíclica menciona quatro das principais:
– <<Primeiro que tudo, a clareza>>. Ou seja, que se entenda o que estamos dizendo, sem ambiguidade nem confusão.
– <<Outro caráter é a mansidão… O diálogo não é orgulhoso, não é pungente, não é ofensivo>>. Em sintonia com esse texto, vale a pena citar um ponto do livro Caminho: <<Isso mesmo que disseste, dize-o noutro tom, sem ira, e ganhará força o teu raciocínio, e sobretudo não ofenderás a Deus>> (n. 9).
– <<Outra característica é a confiança…, que produz confidências e amizade>>; que, abre as janelas dos corações e permite que neles entre a luz do entendimento mútuo, sem preconceitos.
– Por último, <<a prudência, que leva a tomarmos o pulso à sensibilidade alheia e a modificarmos as nossas pessoas e modos, para não sermos desagradáveis nem incompreensíveis>>.
É um belo programa. Tentemos trabalhar melhor esse ideal do diálogo – de que fala constantemente o Papa Francisco -, e não esqueçamos qual é a condição básica: <<O convívio é possível quando todos se empenham em corrigir as deficiências próprias e procuram passar por alto – perdoar – as faltas dos outros>> (São Josemaria Escrivá, Questões atuais do Cristianismo, n. 108).
Retirado do livro: “Tornar a Vida Amável”. Padre Francisco Faus. Ed. Cléofas e Cultor de Livros.