Deus e o sentido da vida – EB (Parte 1)

Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 477 – Ano 2002 – p. 50

 

por Rafael Cifuentes

 Em síntese: O autor trata
das questões fundamentais: quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? Que
haverá depois da morte? Na base de raciocínios e de testemunhos de ateus,
mostra que a vida na terra não tem sentido se não há um Além que dê ao homem as
respostas exigidas por seus anseios naturais. A seguir, põe em relevo a figura
de Jesus Cristo que, na qualidade de Deus feito homem, veio revelar o plano do
Pai a respeito dos homens: cada qual tem uma vocação ou um chamado a realizar
na terra para usufruir da felicidade de Deus no Além. Quem aceita esta
proposição pela fé (que não deve ser fé cega, mas sim baseada em autênticas
credenciais), goza desde o presente de alegria e coragem, de modo que, mesmo
com o passar dos anos, conserva sua perene juventude.

D. Rafael Cifuentes é Bispo
Auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro, encarregado da Pastoral da Família e
da Juventude. Publicou mais um de seus livros, versando este sobre o sentido da
vida, questão que se impõe a todo ser humano. Importante é notar que o autor
responde a tal interrogação não só com os artigos da fé católica, mas com a
Filosofia e o testemunho de ateus. A obra é de grande valor e merece ser
atentamente analisada.

O Problema: vale ou não vale
a pena viver?

Em todos os tempos o homem
vem perguntando a si mesmo: quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? Que
haverá depois da morte?

Duas respostas podem ser
dadas a tais perguntas:

1) Venho do acaso e caminho
para o vácuo ou o Nada.

2) Sou criatura de um Ser
Superior, que me fez sequioso de vida e me promete o gozo de sua felicidade
após a morte.

O autor se detém longamente
sobre a primeira das duas respostas, enfatizando que, se não há algo após a
morte, a vida presente deixa o ser humano frustrado ou é “uma brincadeira de
mau gosto”; o homem se torna um absurdo, pois a natureza lhe deu aspirações à
Vida, à Verdade, ao Amor, às quais ela não satisfaz; tudo o que se encontra
neste mundo é pequeno demais para preencher os anseios da pessoa humana. É o
que confessam os próprios ateus, citado por D. Rafael à p. 30:

Jean-Paul Sartre compara a
vida humana a um jogo de rugby, ao qual os homens assistem sem lhe compreender
as regras: “Vi alguns adultos se golpearem uns aos outros e derrubando-se para
fazer passar uma bola de couro entre dois paus. Recapitulando o que vi, não lhe
alcancei o sentido, parecendo-me tudo uma piada” (Sartre, Prólogo El Extranjero
 de Camus A., Rio de Janeiro 1959, p.
32).

Albert Camus: “Em certas
horas de lucidez, compreendo que esta vida, esta palhaçada sem sentido torna
estúpido tudo o que rodeia o homem” (citado por Sartre, loc. cit., p. 28).

Albert Camus: “Compreendei
que, para nós, tanto na vida como na morte não há pátria nem paz. Porque não se
pode chamar de pátria a esta terra espessa, privada de luz, onde iremos servir
de alimento a animais cegos” (Le Mal Entendu, Paris Gallimard N.R.F. 1961, p.
93).

Jean Cau,  discípulo de Sartre: “Se Deus não existe, não
te vejo somente perdido, meu amigo, meu irmão, meu semelhante e meu próximo. Se
Deus não existe, tu és para mim como excremento. Não passas, oh homem, de um
montão de excremento falante” (La pitié de Dieu,  Mayenne, Gallimard (NRI) 1961, p. 121).

O autor compara a vida do
ateu a um navio fantasma:

“Quando penso nesse tipo de
pessoas me vem à mente a imagem de um barco que navega sem rumo. Imaginemos um
transatlântico moderno sulcando o mar a grande velocidade e com absoluta
precisão. Mas… sem destino. Dentro do pequeno mundo da embarcação tudo é
lógico e inteligente; as engrenagens, êmbolos e bielas transmitem às hélices do
barco o potente movimento dos motores que se submetem docilmente às ordens do
comandante, assim como os marinheiros e empregados de bordo se entregam com
dedicação às tarefas que lhes são atribuídas. O sistema alimentar, o conforto
proporcionado pelos mais modernos recursos, as relações sociais, o amor, o
jogo, os desportos e divertimentos distraem admiravelmente os passageiros.
Parece um pequeno paraíso. Do casco para dentro, o regime de vida é ideal; no
entanto, objetivamente, vistas as coisas do lado de fora, tudo é absolutamente
irracional. Porque nenhum dos navegantes sabe para que está ali e qual é o
porto de chegada. Quanto mais inteligente e divertido for o seu gênero de vida,
tanto mais irracional será. Precisamente porque essa existência prazerosa –
essa lógica alienante – é o que lhe faz olvidar sua conduta ilógica, assim como
o paranóico se autoconvence e se acalma com “argumentos inteligentes”,
mascarando e ocultando a sua loucura. Uma verdadeira loucura: um dia qualquer,
sem se saber qual, os motores hão de parar por falta de combustível e todos
serão engolidos pelas ondas do oceano. Este o seu destino derradeiro. O único
que cabe dentro de sua inteligente irracionalidade” (pp. 68s);

Examinemos agora a segunda
resposta.

A coragem de ultrapassar a
si mesmo

Quem não se conforma com “o
absurdo da vida”, afirma haver uma resposta no Além. Existe o Absoluto, o
Infinito, que acolherá o homem quando deixar este mundo. Observa D. Rafael à p.
39:

“Hoje (…) se reconhece
amplamente, em conseqüência de uma série de sólidas investigações, que é
conatural ao homem a tendência para Deus. Tem sido constatado nas experiências
clínicas, a ponto de ser aceito como princípio indiscutível, que o pensamento
de Deus – a fé religiosa em geral – atua como poderoso remédio em face da
insegurança da vida, das frustrações existenciais ou da iniludível presença da
morte.

Um exemplo: Jung – o mais
eminente discípulo de Freud – principalmente mentor da Escola Psicanalítica de
Zürich, diz que “Deus é a necessidade mais forte e efetiva do homem, o fator
mais poderoso e decisivo da alma individual; quando falta, aparece a angústia, mal
du sièce.  Mais de 60% dos meus pacientes
sofriam precisamente dessa angústia que procede da ausência de Deus” (cf.
Freher von Gebsatel, V. La compreensión del hombre desde una perspectiva
cristiana,  Madrid 1966, p. 101).

Não somente os psicólogos,
mas também entre os cientistas há quem reconheça a presença de Deus no imenso
universo. Tal é o caso de Albert Einstein:

“Todo profundo pesquisador
da natureza deve conceber uma espécie de sentimento religioso, pois não pode
admitir que seja ele o primeiro a perceber os extraordinariamente belos
conjuntos de seres que contempla. No universo, incompreensível como é,
manifesta-se uma Inteligência superior ilimitada. A opinião corrente de que eu
sou ateu baseia-se num grande erro. Quem a quisesse depreender das minhas
teorias científicas, não teria compreendido o meu pensamento” (citado por
Cintra, J., Deus e os Cientistas, Ed. Quadrante, São Paulo 1990, pp. 46s).

Einstein é citado ainda às
pp. 43, 49, 54-56 da obra de D. Rafael.

Se assim é, pergunta-se: por
que tantas pessoas não crêem em Deus?

O autor responde apontando
motivos intelectuais e motivos vitais.

1) Motivos intelectuais: “No
campo intelectual não pouco dos nossos contemporâneos absorveram em escolas e
universidades um tipo de formação científica que pregava a religião como “coisa
do passado”.

O iluminismo racionalista do
século XIX introduziu-se no século XX através do positivismo de Augusto Comte
(só é acreditável – afirmava – o que se possa apreender por uma experiência sensível);
do evolucionismo materialismo de Darwin (a existência atual das espécies –
sustentava – é regida por leis evolutivas mecanicistas); do pansexualismo de
Freud (o comportamento humano – pontificava – é fundamentalmente uma
conseqüência derivada do instinto sexual); e de tantos outros que, de uma
maneira ou de outra, ignoravam Deus ao tentar explicar a razão de ser do
universo e do homem. Até tal ponto que permitiram a Nietzche dizer: “Deus
morreu”… (p. 54).

Continua D. Rafael à p. 53:

“Hoje o panorama é bem
diverso.

Um estudo feito a nível
científico por revista que não guarda afinidade com o Cristianismo, declara que
“o século XIX, herdeiro do racionalismo iluminista, deu lugar à longa noite
contemporânea de ceticismo e trouxe o eclipse das esperanças de que o
materialismo e as ciências poderiam resolver tudo. A ciência e a ideologia
materialista estão em franco descrédito. A autoridade atéia, que tanto
trabalhou para destronar sua adversária religiosa, começa a perder terreno em
seus próprios domínios. Apesar de Copérnico (e Galileu), Darwin, Freud e Marx –
e do cogumelo atômico – Deus está de volta” (revista VEJA, 19/12/1979, p. 85)”.

Além do cientificismo, o
orgulho se opõe á fé, como se depreende dos testemunhos seguintes:

“A capacidade que tem o
orgulho para distorcer a verdade científica raia, às vezes, as fronteiras do
inacreditável. Alguns exemplos poderiam indicar-nos, como amostras
significativas, esta realidade.

Berthelot, que se destacou
em química, um dos mais notórios militantes do ateísmo no século XIX, escreve:
“Para que a ciência não se  fragmente em
especialidades é mister que haja pelo menos um cérebro capaz de alcançá-la no
seu conjunto. Este cérebro creio ter sido eu; receio ser o último”.
Evidentemente um homem com tamanho orgulho não podia aceitar que alguém lhe
mostrasse uma verdade que não partisse do seu cérebro. Outro dos mais famosos
detratores do cristianismo, Renan, dizia de si próprio ser “o Júpiter olímpico
que julga tudo e não é julgado por ninguém”. Ainda um outro incrédulo famoso,
contemporâneo de Renan, Taine, escrevia: “Tive da minha razão uma estima muito
alta para crer em outra autoridade diferente da minha; só de mim quis receber a
regra de meus costumes e a direção do meu pensamento; o orgulho e o amor da liberdade
haviam-me emancipada” (ver Cifuentes p. 58).

2) Motivos vitais:  O ateu não é ateu porque tenha a evidência de
que Deus não existe, já que a não existência de Deus é demonstrável pela
razão…

“O ateu é ateu geralmente
por motivos pessoais da mais variada espécie…: porque lhe parece que a fé não
satisfaz às demandas da sua consciência; ou julga que ela delimita e restringe
a sua liberdade intelectual, ou fere a sua auto-suficiência racional; ou porque
está negativamente impressionado pela falta de autenticidade e de ética de
alguns cristãos “oficiais”; ou porque ficou influenciado por uma falsa ótica
histórica que apresenta a Igreja como cruel (a inquisição), ou anticientífica
(Galileu). Ou porque lhe custa aceitar os preceitos morais sobre o amor, o
sexo, o matrimônio e a família; ou porque ficou hipersensibilizado por um
acontecimento doloroso – separação, injustiça, doença, morte (…)  – que segundo a
sua opinião era incompatível com a infinita bondade de Deus e assim por
diante (…)” (p. 63).

Escreve D. Rafael:

“Lembro-me da conversa que
tive certa vez com um estudante de Medicina. É tão significativo que poderia
parecer forjado se não fosse rigorosamente verdadeiro. Dizia-me que tinha
sérias dúvidas sobre a Divindade de Jesus Cristo. – “Mas por quê?” “Por uma
razão histórica: li num livro de religiões comparadas que Cristo se inspirou na
doutrina de Maomé”. – “Mas você não sabe que Maomé viveu no século VII depois
de Cristo…?”. Olhou-me por um longo tempo e depois, cheio de vergonha,
disse-me que na realidade estava tentando justificar-se (…). Talvez tivesse
confundido Maomé com Buda (…). Que ultimamente estava numa situação muito
difícil (…). Não conseguia “safar-se” de uma desquitada, que não se separava dele
nem de dia nem de noite (…). Naquele momento começou a soluçar (…).

Evidentemente não era também
este um problema intelectual, mas emocional. A apelação histórica ou científica
era só um biombo para ocultar uma razão mais visceral” (p. 63).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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