Revista : “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 458 – Ano : 2000 – pág.
329
Em síntese: Curso em
Milagres é uma terapia que utiliza princípios de psicologia, ética e religião,
sendo que o aspecto religioso aí tem caráter panteísta. Serve-se de nomes cristãos, como Deus, Jesus,
o Espírito Santo (…), mas entende-os diversamente da maneira comum de os
entender. É o que torna a apresentação
do Curso algo de ambíguo. Na verdade, as
proposições do Curso são fantasiosas e inconsistentes, não resistindo a uma
crítica serena.
Em 1975 o Dr. Jerry
Jampolsky fundou na Califórnia (EUA) o Center for Attitudinal Healing,
destinado a transformar as atitudes dos seus discípulos em paz e amor. Para tanto, serviu-se dos princípios de um
determinado “Curso em Milagres”. A
premissa básica dessa corrente é a afirmação de que a essência do ser humano é
o amor, amor que nós podemos provocar mediante escolhas conscientes. Não são as pessoas ou as circunstâncias que
causam nossos conflitos ou tensões, mas nossos próprios pensamentos, nossas
emoções e atitudes para com as pessoas e os eventos. Quem sabe disto, pode curar-se de conflitos,
de seus medos e suas dores, dando lugar a atitudes de paz e amor.
Estas ponderações iniciais,
que norteiam o Centro para a Cura de atitudes, são, à primeira vista, muito
válidas. Todavia não levam em conta o
fato de que dentro do ser humano existe também o amor desregrado; o egoísmo
está presente em todos os homens, de modo que não se pode sustentar que a
essência do nosso ser é o amor (entendido no sentido de altruísmo).
Examinemos agora os
princípios do Curso em Milagres, servindo-nos de páginas fornecidas pela
Internet.
Curso em Milagres: origem e
princípios
Na década de 1960 uma
psicóloga norte-americana chamada Helen Schucman se relacionava mal com seu
chefe de trabalho, o Sr. William Thelford, no Departamento de Psicologia do
Columbia Prestryterian Medical Center de Nova York. Trabalhando muito perto um do outro,
culpavam-se mutuamente pela infelicidade que experimentavam.
A psicóloga e educadora
Helen era atéia …, quando repentinamente aconteceu algo que não previa …
Começou a ouvir mensagens e Ter sonhos que ela registrava em taquigrafia. O ato de escrever não era
automático; podia ser interrompido a qualquer momento, de tal modo, porém, que
continuaria tranqüilamente a partir das palavras finais da frase
interrompida. Após alguns anos, o
manuscrito principal estava pronto, dando assim origem ao “Curso em Milagres”.
Este Curso retoma palavras e
conceitos do Cristianismo, conferindo-lhes, porém, novo sentido, que implica
novo modo de viver e agir.
Mais precisamente, Helen
dizia ouvir uma Voz (com V maiúsculo).
Essa Voz tinha autoridade para ela e lhe comunicava as mensagens por um
ditado muito suave e paciente. Helen não
tinha dúvidas sobre a identidade dessa Voz: era o próprio Jesus, autor do
Curso, ainda que ela não o quisesse reconhecer.
Por conseguinte, quem faz o Curso em Milagres está ouvindo Jesus a
falar; fala, porém, de maneira diversa da clássica maneira que o Cristianismo
lhe atribui. O discípulo que executa as
lições diárias do Curso está dando um presente aos homens e ao próprio Jesus;
Jesus declara que Ele precisa de nós, como nós precisamos dele, para salvar o
mundo:
“É só disso que preciso …
que ouças as palavras que digo e as dês ao mundo. Tu és a minha voz, os meus
olhos, os meus pés, as minhas mãos, através das quais eu salvo o mundo”
(Revisão V, 9: 2-3).
Nota o texto oficial
propagado pelo “Curso…”:
“Se temos dificuldade de
acreditar que Jesus é quem fala no Curso, pode ser útil para nós saber que o
Curso considera Jesus como um símbolo do Amor.
O que importa não é acreditar que este é o Jesus histórico, mas muito
mais importante é aceitar a mensagem de Amor e de Perdão, que transcende todos
os símbolos”.
A seguir, o programa do
Curso professa o relativismo:
“O Curso deixa bastante
claro que Jesus não possui o monopólio da verdade. Jesus é a manifestação do Cristo, como muitos
outros professores o são, e continuarão sendo.
Nós perceberemos estes professores como seres humanos únicos e
separados, até que nós avancemos o suficiente para perceber que eles são todos
um e que nós estamos prontos para nos juntarmos a eles na tarefa de salvação do
mundo”.
Ainda adiante está dito que
o Curso apresenta diferenças fundamentais em relação ao Cristianismo
tradicional, de modo que é incompatível com este. – Essa incompatibilidade se
depreende bem do fato de que a filosofia religiosa do Curso é o panteísmo:
“Tu és santo, porque a tua
mente é parte da Mente de Deus. E,
porque és santo, a tua vista também tem que ser santa … Se a tua mente é
parte da Mente de Deus, tens que ser impecável ou, caso contrário, uma parte da
Sua Mente seria pecaminosa. A tua vista
está relacionada com a Sua Santidade, não com o teu ego e, portanto, não com o
teu corpo” (Lição 36).
O conceito de ego é
explicado sob o subtítulo seguinte, no qual vão explanados alguns
vocábulos-chaves do Curso.
Vocábulos-chave
MILAGRE
Milagre é mudança de
percepção, uma nova forma de pensar e de agir.
No original grego do Novo Testamento, a palavra para isto era metanóia,
que foi introduzida como arrependimento para o português. Milagres são naturais e acontecem a todo
momento, desde que não estejamos conectados com o nosso ego. Milagres fazem parte da vida. Muitas pessoas sentem um preconceito quando
ouvem esta palavra, o que é normal, por causa de nossa formação tradicional
católica. Milagres não são realizados
por “alguém” que está “lá em cima” velando por nós; ao contrário, eles são obra
de cada um de nós, Filhos de Deus.
Assim, Um Curso em Milagres é um curso voltado à mudança de percepção, à
mudança da forma como vemos o mundo e ao eterno desabrochar do Ser Divino que
existe dentro de cada um de nós, em contraste ao ego, à parte ilusória que
acredita na dor, no sofrimento e na morte.
ESPÍRITO SANTO
O Espírito Santo é o veículo
dos milagres. Deus o colocou nas nossas
vidas para que fosse possível acordar do nosso sonho hipnótico, para nos curarmos
do senso de separação. Ele traz todas as
respostas e é a única possibilidade que temos para escapar das artimanhas do
ego, pois ele conhece tanto um lado como o outro. O Espírito Santo vê os nossos sonhos,
reinterpretando-os para nos levar de volta à Verdade, lembrando-nos sempre da
nossa verdadeira identidade.
EGO
O ego é parte “fabricada” de
nós mesmos, que funciona de acordo com as leis do mundo, acreditando apenas na
culpa, na dor, na mágoa e no medo. Com o
surgimento do ego surgiu o pecado e a crença na separação, a crença de que
somos um corpo e o conseqüente medo de morrer.
O ego é a parte da mente que acredita que está separada de Deus, e usa
de muitos artifícios para nos manter presos na culpa e no medo, como forma de
proteger-se e tornar-se especial. O ego
é uma ilusão, uma teimosa ilusão que insistimos em negar e prosseguirmos
tornando-a real em nossas vidas. Como
diz o Curso: “Não podemos realmente construir uma definição do que é o ego, mas
podemos dizer o que ele não é. E isso nos
é mostrado em perfeita clareza. É a
partir daí que deduzimos tudo o que ele é”.
Espécimens de Mensagem
Lição 36
Quatro períodos de prática,
de três a cinco minutos, são requeridos para hoje. Tenta distribuí-los
uniformemente e faze as aplicações mais curtas com freqüência para proteger a
tua proteção durante o dia. Os períodos
de prática mais longos devem tomar esta forma :
Primeiro, fecha os olhos e
repete lentamente a idéia de hoje várias vezes.
Em seguida, abre os olhos e olha bem vagarosamente ao teu redor,
aplicando a idéia de modo específico a qualquer coisa que notares durante o teu
exame casual. Dize, por exemplo :
A minha santidade envolve
aquele tapete.
A minha santidade envolve
aquela parede.
A minha santidade envolve
esses dedos.
A minha santidade envolve
aquela cadeira.
A minha santidade envolve
aquele corpo.
A minha santidade envolve
essa caneta.
Durante estes períodos de
prática, fecha os olhos e repete a ideia para ti mesmo várias vezes. Em seguida, abre os olhos e continua como
antes.
Para os períodos mais curtos
de exercícios, fecha os olhos e repete a idéia, olha ao teu redor repetindo-a
mais uma vez, conclui com mais uma repetição com os olhos fechado. Todas as aplicações devem ser feitas bem lentamente,
é claro, e, tanto quanto possível, sem esforço e sem pressa.
Lição 1
Nada do que eu vejo nesse
quarto (nessa rua, dessa janela, nesse lugar) significa coisa alguma.
Lição 5
Eu nunca estou transtornado
pela razão que imagino.
Lição 9
Eu não vejo nada tal como é
agora.
Lição 11
Os meus pensamentos sem
significado estão me mostrando um mundo sem significado.
Outras passagens:
Só as crianças santas de
Deus são canais dignos da Sua bela alegria, porque só elas são suficientemente
belas para mantê-la por compartilhá-la. É
impossível para uma criança de Deus amar a seu próximo a não ser como a si
mesma. Por isso a oração daquele que
cura é “Que eu conheça esse irmão como conheço a mim mesmo”. (Livro Texto, 5,
Intro, 3.5 – 3.8).
O propósito real deste mundo
é ser usado para corrigir a tua descrença. (Livro Texto, I, VI, 4.1-4.2).
Criança de Deus, tu foste
criada para criar o que é bom, o que é belo e o que é santo. Não esqueças disso. Por pouco tempo, o Amor
de Deus ainda tem que ser expresso através de um corpo para outro porque a
visão ainda é tênue. A melhor forma de
utilizar o teu corpo é usá-lo para te ajudar a ampliar a tua percepção de modo
que possas conseguir a visão real, da qual o olho físico é incapaz. Aprender a fazer isso é a única utilidade
verdadeiro do corpo. (Livro Texto, I, VII, 2.1-2.5).
A paz de Deus está brilhando
em mim agora. Que todas as coisas brilhem sobre mim nesta paz, e que eu as
abençoe com a luz que há em mim. (Livro Exercícios, 188, 10.6-10.7).
Refletindo…
O Curso em Milagres, já por
seu nome estranho, é mais uma expressão do senso religioso moderno entregue à
fantasia e à emoção, destituído da luz da razão. Redunda numa série de afirmações (que
reproduzimos largamente para evidenciar a índole da mensagem) de pouca lógica e
pouco significado).
Não se pode esquecer que o
senso místico (inato em todo homem) não pode dispensar a orientação do
intelecto humano. A fé precisa de
apresentar credenciais ou motivos de credibilidade, para que possa ser aceita
maduramente por seres inteligentes sem as características infantis ou
simplórias que a podem ridicularizar ou transformar em crendices. A variedade de novas
correntes religiosas de nossos dias sofre desse desligamento da razão e se
entrega à imaginação fecunda, alegando visões e revelações, que a psicologia
chama “alucinações”.
Dirá alguém : A sra. Helen
Schucman era atéia; por isto não estava em condições de se julgar agraciada por
locuções interiores (a Voz) provenientes de Jesus. – Respondemos: o patrimônio
religioso cristão paira sobre as populações do Ocidente, até mesmo sobre as
pessoas que se dizem atéias. O
inconsciente dos ateus capta e guarda muitos traços da mensagem cristã, que
podem imprevistamente subir ao consciente e exprimir-se de maneira
surpreendente. Tal pode ter sido o caso
da sra. Helen Schucman.
É de notar ainda que a
religiosidade subjetiva, nas pessoas de cultura, tende a se manifestar em
termos relativistas e panteístas, pois estes constituem uma religião que não
“escandaliza” nem obriga com incômodos.
É isto que, em poucas
palavras, se pode dizer sobre um movimento cujas propostas carecem de lógica
estrita e se ressentem de forte subjetivismo.