Cultura da morte em Osama Bin Laden

Foi sem saber o que dizer aos meus filhos, pré-adolescentes, que me indagaram porquê tantas pessoas saíram às ruas de Nova York para “celebrar” a morte de Osama bin Laden, anunciada em tom hollyhoodiano na madrugada da segunda-feira, 2 de maio de 2011. “Era um terrorista.” Foi a resposta lacÿnica dada. E enquanto isso a Globo News foi exibindo exaustivamente as cenas do 11 de setembro de 2001, quando, naquela terça-feira, o mundo inteiro foi surpreendido pelo pior ataque terrorista já registrado na história.

Dois aviões comerciais foram seqÿestrados e lançados, num ato suicida, contra as duas torres do megaedifício World Trade Center, em Nova York, causando a morte de provavelmente 6 mil pessoas, e um estrago material com prejuízo de milhões de dólares. Mais dois outros aviões também seqÿestrados fizeram parte da ação terrorista, assombrando a todos pela ousadia e frieza. Um deles atingiu o Pentágono, o centro de defesa dos Estados Unidos da América, e o outro, visando atingir a Casa Branca, caiu na Pensilvânia.

O então presidente George W. Bush reagiu imediatamente dizendo que os responsáveis pela barbárie cometida sofreriam a retaliação, na mesma moeda, em proporção e intensidade como nunca já vira antes. Definiu aquela ação como um ato de guerra e convocou os reservistas de seu país. Na ocasião, o papa João Paulo II disse ter ficado com o coração partido com o que ocorrera e exortou os norte-americanos a evitar o abuso da força e “não cair na tentação do ódio e da violência”. Mas Bush, pressionado pela opinião pública e pelas pesquisas que indicavam ser a maioria dos EUA favorável a uma resposta dura e implacável, avançou para a armadilha preparada pelos terroristas, em adentrar mais fundo no ódio e fazer de bin Laden o homem mais procurado do planeta, não apenas para ser capturado, mas morto implacavelmente. Somente em 29 de abril de 2011, quase dez anos depois, o presidente norte-americano Barak Obama autorizou a operação militar para invadir uma propriedade no Paquistão, para atacar e liquidar o inimigo número um dos Estados Unidos. Quando Obama comunicou numa coletiva que bin Laden estava morto, uma multidão tomou conta do marco zero, aonde ficavam as torres gêmeas, e gritaram eufóricas, como se estivessem numa final de Copa, celebrando a vingança. Esta é uma faceta sombria da “cultura da morte”, expressa numa espiral crescente de tanta violência.

Logo após o 11 de setembro, os Estados Unidos ofereceram 25 milhões de dólares pela cabeça de bin Laden. Diziam que ele estava refugiado nas cavernas do Afeganistão, abrigado pelo Taleban, cujo extremismo havia sido capaz de inanidades inimagináveis. O presidente dos Estados Unidos havia dito que a resposta a bin Laden seria “malvada e suja”.

Ninguém que tenha visto as cenas de horror dantesco (em tempo real) do 11 de setembro, ficou indiferente. Aquilo realmente havia sido impactante. No mundo todo, pessoas de todas as idades, culturas e credos, ficaram perplexas. Gilles Lapouge, correspondente frances do jornal O Estado de São Paulo (em 13.09.01),indagou: “Mas afinal de contas, por que os Estados Unidos atraíram contra si um ódio tão grande, tão denso, tão implacável, tão infinito, com tanto fel e tanta fúria assassina?” E no mesmo artigo salientou que os alvos esclhidos pelos terroristas (os dois pilares – o da guerra e o das finanças), “que conferem aos EUA o domínio do munod”, “eram também simbólicos de outra maneira: eles eram também a vitrine da opulência, do luxo, do fausto dos EUA e de sua prodigiosa arrogância, de seu menospre zo pelos outros. De sua prosperidade, em um planeta no qual quatro quintos dos habitantes estão condenados à miséria, à fome, às trevas”.

Cultura que banalizou e degradou o valor da vida humana

Hoje, muitos terroristas, geralmente jovens do sexo masculino, de famílias desestruturadas, e desempregados, são facilmente recrutados para defender ideologias que pregam o uso da violência como único meio de se fazer justiça e enfrentar os efeitos perversos da globalização. O apelo à violência é o que torna esses movimentos de párias sociais num componente altamente perigoso e desestabilizador, gerando toda essa insegurança generalizada. Avaliar toda a problemática do pós-moderno não é tarefa fácil, e exige serenidade. É preciso olhar para todos os lados e não cair na tentação do reducionismo. Nessa história, não há inocentes. A verdade e a mentira estão em tod as as partes, um pouco aqui, um pouco ali. Não é fácil separar o joio do trigo, identificar causas, reconhecer erros, encontrar alternativas.

Por que o apelo à violência se tornou hoje uma via com tanta adesão e em todos os meios, inclusive político, parece ser o tom mais forte? Tivemos há tão pouco tempo o exemplo de Gandhi a demonstrar claramente que outra via política é possível, do que o radicalismo da violência. Como falta hoje lideranças capazes de se espelhar no Mahatma (a grande Alma), que sabia do sentido e do valor do sacrifício e que apresentou o método da satyagraha (da não violência) como a via correta para a superação dos conflitos mais agudos. Não se justifica praticar o mal para se alcançar o bem. Era esse o princípio de Gandhi, que se aproximava, nesse sentido, da moral cristã. Por isso que o porta-voz do papa Bento XVI, ao comentar a morte de bin Laden, ressaltou que “um cristão nunca se alegra com a morte de u m homem, mas deve refletir sobre as responsabilidades de cada um perante Deus”.

O caldo cultural que favorece o relativismo permissivo por um lado e o radicalismo fundamentalista de outro, é o de uma cultura que banalizou e degradou o valor da vida humana, chegando ao indiferentismo e – o que é pior – ao niilismo. Se nada vale a pena, tudo se justifica, daí o sentido da revolta, da violência e da agudeza do desespero.

No bojo de toda esta questão que envolve o governo dos Estados Unidos e bin Laden está no modo em como o maior de todos os terroristas instrumentalizou a religião islâmica para justificar suas ações extremas, e como ele próprio se utilizou do imaginário popular para ser um símbolo de resistência ao sentimento antiamericano, como pretexto para uma lógica de poder que se alimenta do belicismo, e favorece assim muitos dos que lucram com a venda de armamentos. A religião então é instrumentalizada para fins perversos e insanos. O modo como os Estados Unidos lidaram com esta situação também em nada contribuiu para a superação de tal conflito, pelo contrário, podendo acirrar ainda mais os ódios existentes. No contexto da instrumentalização religiosa, o jihadismo funciona como combustível de um grande equívoco . O martírio é dom e graça de Deus para valorizar e promover a vida, e não o seu contrário.

É certo que as ações de bin Laden tiveram “uma gravíssima responsabilidade na difusão do ódio e das divisões entre os povos”, conforme expressou o pe. Frederico Lombardi. Em meio a estas tantas tensões do momento, de uma espiral crescente de violência em todo o mundo, especialmente nos países árabes, indagamos: para onde nos levará tudo isso?

* Prof. Hermes Rodrigues Nery é Coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e do Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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