Corrimãos da escada da vida

A teologia
moral de Santo Agostinho, tanto como a ética de Aristóteles, foram as fontes
das doutrinas escolásticas sobre a razão moral. Em De Libero Arbitrio,
o bispo de Hipona afirmara que a moralidade exige da vontade humana sua
conformidade com as prescrições da lei imutável e eterna, impressa na nossa
mente. Tal lei, chamada de summa ratio (“razão suprema”), deve ser
sempre obedecida. Por seus padrões é que são julgados os bons e os maus.[1]

Concorde
com a tese agostiniana,[2] São Tomás procura definir meticulosamente a lei
eterna acentuando de início que ela “não é senão a razão da sabedoria
divina, na medida em que ela dirige todos os atos e movimentos”.[3] Essa
lei – que se identifica com a Providência Divina – é, portanto, o princípio
ordenador de todo o universo criado: “Toda a comunidade do universo é
governada pela razão divina. E assim a própria razão do governo das coisas em
Deus, como príncipe do universo, tem razão de lei”.[4] Assim, a suprema
lei é o próprio Deus, sendo eterna como Ele é eterno; é a Sabedoria de Deus
“que move todas as coisas para seu devido fim”.[5] E todas as coisas
são avaliadas segundo a lei eterna, seguindo-se daí que dela todas participam
de algum modo, e suas propensões para seus atos e fins próprios vêm da
impressão em si dessa lei.

Nas
questões 90 a
108 da Suma Teológica, parte I-II, São Tomás se estende genialmente sobre o
significado e o alcance da lei eterna e sobre as outras leis que dela derivam:
a lei natural, a lei divina e a lei humana.

Começando
pela lei natural, ele a define como “a participação da lei eterna na
criatura racional”, sendo proporcionada pela “luz do intelecto posta
em nós por Deus, através da qual conhecemos o que devemos fazer e o que devemos
evitar”,[6] por ser uma norma imperativa para dirigir os atos livres do
homem.

Noutro
lugar, São Tomás descreve a lei natural como os primeiros princípios da
atividade moral humana, evidentes de si, não demonstráveis.[7]

Ninguém
pode, com sinceridade e no uso normal de suas faculdades mentais,[8] negar a
existência dessa lei natural, segundo a qual há obras boas e outras más por sua
própria natureza. São Tomás afirma que todos os homens conhecem pelo menos os
princípios comuns da lei natural.[9] Diz ele ainda que, “quanto aos
princípios comuns da razão quer especulativa, quer prática, a verdade ou
retidão é a mesma em todos, e igualmente conhecida”.[10] Quer dizer, não
há quem não conheça a distinção entre bem e mal, e nossa obrigação de optar
pelo primeiro e rejeitar o segundo se apresenta à inteligência com força de
lei.

Também a
lei humana positiva tem a obrigação de se conformar com a Sabedoria de Deus. É
a ela que o Aquinate se refere quando afirma que, como “o fim último da
vida humana é a felicidade ou bem-aventurança […] é necessário que a lei vise
maximamente à ordem que é para a bem-aventurança”.[11] A lei temporal não
pode colidir com a lei eterna, mas deve secundá-la.

A lei
divina – consolidada nos Dez Mandamentos – mostra ao homem o caminho a seguir
para praticar o bem e atingir seu fim. São Tomás se pergunta se, havendo já a
lei natural e as leis humanas, é preciso também haver uma lei divina positiva.
Ele inicia sua resposta lembrando que a bem-aventurança eterna, para a qual o
homem foi criado, “excede a proporção da potência natural humana”.
Assim faz-se necessário que, “acima da lei natural e humana, fosse
dirigido também a seu fim pela lei divinamente dada”.[12]

Todas essas
leis são como que corrimãos numa longa e difícil trajetória, numa escada
colocada sobre um abismo. Pode ser que esses corrimãos pareçam limitações
absurdas à liberdade. Na realidade, são anteparos que Deus nos concedeu para
proteger a verdadeira liberdade e para nos auxiliar na ascensão até Ele.

Como estão
equivocadas certas correntes de educação que procuram instilar na criança e no
jovem a ideia de que os princípios morais são frios e cruéis! O certo, afirmam
elas, seria optar por uma moral “amiga”, relativa, dependente apenas
das circunstâncias, dos casos particulares, e esquecer tais princípios.

É supérfluo
realçar a nocividade de tal doutrina para o tesouro acumulado a partir do
primeiro olhar sobre o ser. E que resultados funestos trazem para a sociedade
como um todo. Basta olharmos para o que vai se passando à nossa volta…

Mons. João
S. Clá Dias, EP

 

[1] De
Libero Arbitrio, I, 1.6.15.48-49; 51: “Illa lex quae summa ratio nominatur
cui semper obtemperandum est et per quam mali miseram, boni beatam vitam
merentur […], potestne cuipiam intellegenti non incommutabilis aeternaque
videri? An potest aliquando iniustum esse, ut mali miseri, boni autem beati
sint? […] Ut igitur breviter aeternae legis notionem, quae impressa nobis
est, quantum valeo, verbis explicem, ea est, qua iustum est, ut omnia sint
ordinatissima”.
[2] Cf. S. Th. I-II, q. 93, a.
1: “Sed contra est quod Augustinus dicit quod lex aeterna est summa ratio,
cui semper obtemperandum est”.
[3] S. Th. I-II, q. 93, a.
1. “Nihil aliud est quam ratio divinae sapientiae, secundum quod est
directiva omnium actuum et motionum”.
[4] S. Th. I-II, q. 91, a.
1: “Tota communitas universi gubernatur ratione divina. Et ideo ipsa
gubernationis rerum in Deo sicut in principe universitatis existens, legis
habet rationem”.
[5] S. Th. I-II, q. 93, a.
1. “Moventis omnia ad debitum finem”.
[6] Collationes in decem praeceptis, Proomium: “Lex naturae […] nihil
aliud est nisi lumen intellectus insitum nobis a Deo, per quod cognoscimus quid
agendum et quid vitandum”.
[7] Cf. S. Th. I-II, q. 94, a.
2. “Sunt quaedam principia per se nota”.
[8] “Alguma pessoa dotada de inteligência”, dizia Santo Agostinho
(op. cit. 1.6.15.48).
[9] Cf. S. Th. I-II, q. 93, a.
2.
[10] S. Th. I-II, q. 94, a.
4. “Quantum ad communia principia rationis sive speculativae sive
practicae, est eadem veritas seu rectitudo apud omnes, et aequaliter
nota”.
[11] S. Th. I-II, q. 90, a.
2. “Oportet quod lex maxime respiciat ordinem qui est in
beatitudinem”.
[12] S. Th. I-II, q. 91, a.
4. “Excedit proportionem naturalis facultatis humanae. Ut supra legem
naturalem et humanam, dirigeretur etiam ad suum finem lege divinitus data”.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
Adicionar a favoritos link permanente.