Cordão da Vida

Agência
FAPESP
– O ano é 1988. No Hospital Saint-Louis, em Paris, a médica francesa Eliane
Gluckman tem uma decisão difícil para tomar. Um de seus pacientes está com
anemia de Fanconi. Sem tempo de encontrar um doador de medula óssea compatível,
ela resolve, pela primeira vez no mundo, segundo a literatura científica,
introduzir células-tronco do cordão umbilical da irmã do doente para tentar
barrar a doença. O resultado é excelente. No lugar das células-tronco da
medula, o mesmo efeito foi conseguido com sangue e o material celular do cordão
umbilical.

A partir
da experiência, a utilização de células-tronco do cordão umbilical humano
passou a ser uma alternativa bem mais viável do que o uso de células retiradas
da medula óssea. O problema é que bancos públicos com esse tipo de sangue são
raros. No Brasil, há um único em funcionamento, no Instituto Nacional de
Câncer, no Rio de Janeiro.

Em
entrevista à Agência FAPESP, a pesquisadora gaúcha Patricia Pranke, que
esteve no início de setembro participando do 50º Congresso Brasileiro de
Genética, em Florianópolis, mostra porque a criação de mais bancos públicos
para armazenar o sangue e de cordão umbilical  é uma decisão Inteligente e sadia.
Farmacêutica
de formação, Patrícia é professora de hematologia da Faculdade de Farmácia e do
programa de pós-graduação em ciências médicas da Faculdade de Medicina, ambas
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também leciona na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Fez o doutorado no Hemocentro de
Nova York, instituição que criou, em 1993, o primeiro banco de sangue público
para células do cordão umbilical e da placenta.

Agência FAPESP – Por que é tão importante armazenar o cordão umbilical
dos recém-nascidos?
Patricia Pranke – Hoje, o cordão umbilical é visto como uma excelente
fonte de células-tronco hematopoéticas (células que vão formar o sistema
imunológico). Uma vez que bebês nascem todos os dias, esse material, caso
seja coletado corretamente, estará sempre pronto para o uso. Não será
necessário sair correndo atrás de um doador, ou fazer exames para ver a
compatibilidade e assim por diante. Esses exames, claro, foram realizados
antes, no momento da coleta.

Agência
FAPESP – Que tipos de análises são realizadas?
Patricia – O HLA (exame de compatibilidade para antígenos
leucocitários humanos). O nosso sistema imunológico é bastante complexo e,
por causa disso, há uma chance de apenas 25% de os candidatos ao transplante de
medula terem doadores compatíveis dentro da mesma família. Então, na maior
parte das vezes, é preciso partir para um doador fora da família. No caso do
cordão, já vai se saber o tipo de sangue e o resultado do HLA. Assim, fica mais
fácil concluir a doação.

Agência
FAPESP – A idéia desses bancos públicos é que eles funcionem como os
hemocentros tradicionais?
Patricia – Exatamente. Nós temos que pensar em um banco público de
cordão umbilical da mesma forma que um banco de sangue tradicional. Se o doente
sofre um acidente hoje, ele não precisa ter guardado o seu sangue periférico
para poder usar em uma eventual cirurgia. Não precisa porque ele vai usar
naquele dia o sangue de alguém que havia feito a doação alguns dias atrás. É
dessa forma que temos que encarar um banco de cordão umbilical público. Com uma
quantidade adequada de amostras armazenadas, será possível ter uma diversidade
de HLA, ou seja, variação genética suficiente para se achar doadores e
receptores compatíveis. Quase toda a população poderá encontrar compatiblidade
nesses bancos.

Agência
FAPESP – Isso significa que não é preciso guardar os cordões umbilicais de
todos os nascimentos?
Patricia – Ninguém precisa se preocupar. Eu, por exemplo, não tenho o
meu. Vou querer guardar o do meu filho. Se existerem bancos públicos bem
estruturados, todas as variedades estarão contempladas. Será possível achar um
doador para cada caso.

Agência
FAPESP – Como funcionam esses bancos públicos em outras partes do mundo, em
relação à captação dos doadores?
Patricia – No mundo inteiro a estrutura dos bancos funciona praticamente
da mesma forma. A equipe do próprio banco público – e isso já existe em Porto
Alegre, por exemplo – faz uma avaliação inicial. Nesse processo se busca
identificar quais os hospitais com alta quantidade de partos por dia e que
podem ter uma diversidade genética importante de cordões. Não se pode, nesse
caso, privilegiar apenas um único tipo de variabilidade. O banco é que irá determinar
os locais onde serão feitas as coletas. O processo funciona assim até para
facilitar a questão econômica. Uma única enfermeira, por exemplo, pode
acompanhar vários partos em um mesmo dia e fazer todas as coletas. É importante
as pessoas entenderem isso. Não há necessidade de todo mundo sair coletando
cordão umbilical.

Agência
FAPESP – A vantagem dos bancos públicos é apenas a de armazenar células-tronco
que podem substituir o transplante de medula óssea?
Patricia – Esses bancos públicos têm outras vantagens importantes. Eles
oferecem, por exemplo, uma oferta ilimitada de material celular. Além disso, a
disponibilidade também é imediata, pois o sangue já está lá coletado. Outro
ponto positivo: as células do cordão umbilical causam menor rejeição para o
paciente do que as células transplantadas da medula óssea.

Agência
FAPESP – Há desvantagens?
Patricia – A principal desvantagem desse processo é o volume de sangue
que pode ser coletado de cada cordão umbilical. Essa quantidade, como é sempre
limitada, não permite o uso irrestrito do cordão. Por causa dessa limitação,
até hoje apenas três mil pacientes se beneficiaram de células-tronco de cordão
em todo o mundo. Desse total, dois terços foram crianças e um terço adultos. O
tratamento pode ser feito exatamente para as mesmas doenças que são tratadas
com o transplante das células da medula óssea, que normalmente têm a ver com o
sangue e com o sistema imunológico, como as leucemias.

Agência FAPESP – Há estimativas de quantas unidades de
cordão umbilical estão armazenadas no mundo?
Patricia – No Brasil, existe um banco público no Rio de Janeiro. Em São
Paulo e em Porto Alegre já há instituições se estruturando também para fazer
isso. No mundo, são mais de 130 mil unidades de cordão umbilical armazenadas. Do
total, 90 mil são controlados por uma rede internacional, chamada Netcord. Há
quase 100 bancos públicos no mundo, sendo que alguns são enormes. O Hemocentro
de Nova York tem, segundo a Netcord, 21.248 cordões coletados. A partir dessa
rede é possível, por exemplo, encontrar na Europa algum doador compatível para
um caso de doença aqui no Brasil.
Por Eduardo
Geraque

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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