Congelamento de cadáveres humanos – EB

Crioge17Em síntese: A sociedade Alcor, nos Estados Unidos, conserva a temperatura de – 196°C em azoto líquido treze cadáveres e vinte e duas cabeças de seres humanos, na expectativa de fazê-los voltar a vida me­diante o progresso da ciência. Os “neuropacientes”  são preparados para permanecerem ilesos, tanto quanto possível sob tão baixa temperatura. Ninguém sabe o que resultará de tais experiências. – É de notar, porém, que a vida humana tem um princípio vital (alma) espiritual que só Deus pode produzir ou criar ou só Deus pode fazer voltar ao corpo depois da separação ocorrente pela morte do indivíduo.

A Crioconservação (conservação em ambiente gélido) tem-se es­tendido a cadáveres e cabeças de cadáveres humanos nos Estados Unidos.

A Alcor, situada no Estado do Arizona, é a sociedade, sem finalidades lucrativas, que se encarrega desse tipo de tecnologia. Ela conserva no azoto Líquido, à temperatura de -196°C, treze corpos inteiros e vinte e duas cabeças de pessoas que o desejaram em vida, na esperança de que possam ser um dia ressuscitadas ou mesmo na expectativa de que a ciência produza um corpo que se reunirá a tais cabeças e começará a viver normalmente.

Proporemos, a seguir, alguns dados que ilustram este procedimen­to, e uma reflexão a respeito. Os elementos científicos foram extraídos do artigo “Les croisees de Ia congelation”, da autoria de Thierry Souccar, publicado pela revista “Sciences et Avenir”, fevereiro de 1998, pp.44-48.

1. Crioconservação: em que consiste?

A justificativa para se empreender a crioconservação humana é o fato de que já se conseguiu congelar o coração de animais inferiores, que, após vários dias, tornou a bater.

Assim em Rochester (New York, U.S.A.) os pesquisadores conser­varam o coração de ratos a -100C; 86% desses corações voltaram a ba­ter. Rãs inteiras foram congeladas e tornaram a manifestar vida. A salamandra da Sibéria passa o inverno todo a -30-0C e recupera-se após a estação gélida. Tais animais produzem substâncias antigel ou crioprotetoras… Desde 1957, os estudiosos canadenses congelaram a 55-0C, durante dezenove dias, larvas de cynips, inseto que produz natu­ralmente glicerol e surbltol.

O procedimento bem sucedido em animais inferiores suscita a es­perança de que o mesmo se dê com o ser humano. Por isto, além de trinta e cinco já congelados, há 416 clientes de Alcor em fila de espera.

O Sr. Paul Garfield mostrou-se hesitante sobre o que lhe acontecerá no além. O seu rabino lhe assegurou que teria outra vida. Octogenáriio, Garfield respondeu: “Eu gostaria de que a vida continuasse. Se Deus existe, tanto melhor! Mas, a título de precaução, prefiro entregar-me as mãos da ciência”. Por isto em 1994 confiou à Alcor a responsabilidade de lhe congelar a cabeça após a morte, na
expectativa de que um dia lhe darão vida e um corpo novo.

A explicação deste pedido foi dada pelo próprio Sr. Paul Garfield nos seguintes termos:

“Não tenho formação científica, mas adquiri convicção, lendo revistas durante quatro anos, de que a futura tecnologia permitiá’ reconstituir um corpo completo, seja por clonagem, seja por nanotecnologia”.

Eis, porém, que Paul Garfield vive modestamente, de modo que a sua opção de head only (cabeça apenas) foi devida principalmente a razões econômicas:

“Eu não tinha como pagar os 120.000 dólares solicitados para a con­servação do corpo inteiro. A cabeça me custava apenas 50.000 dólares”.

P. Garfield passou as festas do fim do ano de 1997 com os familia­res. Foi então debatida e contestada a sua decisão de ter a cabeça con­gelada. Ele mesmo, porém, não se importou e declarou:

“Adoro a vida. o que Alcor me oferece, é suavizar a própria idéia da morte; é apostar numa segunda oportunidade de viver”.

O Sr. Jerry Searcy, de 56 anos, declarou: “Adoro a ciência de ficção. A idéia de ser congelado e, depois, ressuscitado parece ridícula, mas não me cria problema”.

A primeira pessoa congelada após a morte foi James Bedford, com a idade de 73 anos aos 12/02/1967; seu corpo passou por três socieda­des de crioconservação, e finalmente foi confiado à Alcor.

A socledade Alcor tem por sede um edifício cor de rosa um tanto desbotada. Quem nele entra, leva logo um choque devido ao forte cheiro de formol que impregna o hall de entrada; penetrando no interior do pré­dio, os visitantes podem ver o retrato do semblante de cada um dos “neuropacientes” (como são chamados). Lá se encontra Chamberlain, pai de Fred Júnior e Linda, fundadores da Alcor em 1972; Fred Júnior conservou a seu pai falecido em 1976; Linda colocou Iá sua falecida mãe em 1990. Mais adiante, vêem-se o sorridente produtor de televisão Dick Clair, o rosto dolorido de Ed Kuhrt, falecido de câncer do pulmão aos 8/02/1997 e o olhar preocupado do cirurgião Jerry Leaf, morto em 1992.

Os técnicos da Alcor sabem que devem ser muito expeditos para conseguir o que almejam:

“Temos de intervir antes que avance o processo de degenerescência que se segue a morte. Na medida do possível, queremos estar no hospi­tal antes que o paciente seja declarado clinicamente morto”.

A princípio os técnicos da Alcor cortavam a cabeça do neuropaciente no lugar mesmo em que ele morria. Atualmente a amputação se dá na sede da sociedade, pois, como diz Brian Stock, “não era fácil explicar as companhias de aviação e aos oficiais da alfândega por que viajávamos com a cabeça de um morto”.

Tendo chegado à sede da Alcor, o cadáver é depositado sobre um leito de gelo, a fim de que os cirurgiões lhe abram a caixa torácica, enfi­em tubos finos pela aorta (artéria que leva ao corpo o sangue oxigena­do), pela qual fazem circular uma solução de glicerol ou antigel. O conge­lamento pode então começar: O paciente é mergulhado durante 36 horas num banho de gelo e de silicone, até atingir a
temperatura de -792C.

A última etapa pode durar entre sete e dez dias: consiste em levar o corpo ou a cabeça ao azoto liquido com a temperatura de -196ºC. Assim imersos no azoto, os pacientes são colocados em seu lugar definitivo: um dentre seis recipientes de aço de 3m de altura, cheio de azoto, no qual cada um co-habita com locatários mais antigos.

Tirar do container será operação delicada. o contrato observa que “é impossível saber se os pacientes serão, um dia, reconduzidos à vida”. Com relação a cada paciente, Alcor conserva um informativo médico com­pleto, que enuncia as causas e as circunstâncias da morte assim como dados biográficos importantes.

2. Um espécimen do procedimento

Ed Kuhrt era um detective privado, que faleceu em Nova lorque aos 8/02/1997, estando presente uma equipe de Alcor.

4h 25min (hora de Nova lorque): Os médicos verificaram o óbito.

4h 25min at6 5h 5min: aplicação de oxigênio e estimulação cardiopulmonar. lnjeções intravenosas de medicamentos para facilitar o transporte e limitar o desgaste dos tecidos: anticoagulantes, enzimas para destruir as pedras arteriais e venosas, sais minerais contra acidez gástri­ca, antibióticos, antioxidantes contra a deterioração das células…

5h 5min: transferência para a câmara mortuária.

6h 40min até 8h 40min: substituição do sangue por uma solução rica de potássio (para preservar os órgãos contra as toxinas e evitar o edema celular).

18h 10min (hora de Scottdale, sede de Alcor) ou 21h 10rnin (de Nova lorque): chegada a Alcor por via aérea.

18h 20min até 21h 55min: abertura do esterno para atingir o apare­lho circulatório e infundir uma solução de glicerol concentrado e também um tanto de manitol e de água (em quantidade mínima).

21h 55min até 22h 33min: a cabeça de Ed Kuhrt é retirada mediante seccionamento entre a sexta e a sétima vértebras. E colocada em bolsa de polietilênio…, depois mergulhada em banho de silicone à tem­peratura de -31ºC.

O congelamento vai sendo realizado aos poucos e com precisão, de modo que aos 9/02, as 6h da manhã, os termômetros marcam -792C. Os técnicos passam então a cabeça para o azoto liquido, e aos 20/02, a tarde, a cabeça de Ed Kuhrt está imersa na temperatura ideal de -1 96ºC. Transferem-na para um recipiente de aço.

3. Que dizer?

O avanço da tecnologia surpreende o leitor e lhe sugere diversas interrogações.

Deixando de lado as considerações de ordem médica, estas linhas se deterão no pIano filosófico-teológico.

Tratando-se de crioconservação, duas hipóteses podem-se levan­tar: ou os pacientes estão realmente mortos (como supõe a exposição atrás) ou não estão realmente mortos, mas em coma profundo.

No primeiro caso, deve-se levar em conta que a vida humana não resulta apenas de hábeis combinações químicas, pois é vida que trans­cende a matéria ou é animada por um principio vital imaterial ou espiritu­al. Ora nenhum cientista é capaz de produzir um ser espiritual, pois este é incorpóreo, dotado de intelecto e vontade. Somente um ato criador de Deus pode produzir uma alma humana ou pode fazer a alma de um de­funto voltar ao seu corpo. Dá a interrogação: O Criador colaboraria com os cientistas, dando alma humana ao corpo hipolítico reconstruído pela ciência ou conservado em azoto? A esta pergunta ninguém pode respon­der, mas ela parece versar sobre algo de muito pouco provável sob todos os aspectos.

No caso de não estarem realmente mortos os pacientes (o que não se dá na sede de Alcor, onde só se guardam defuntos), pode-se dizer que, se o organismo dos pacientes voltar a ter condições de exercer suas funções, a alma nele existente voltará a fazer tal organismo funcionar. Não haverá um retorno à vida, mas a passagem da dormência para a atividade. Todavia também esta hipótese parece estar longe do verossí­mil e provável.

Em suma, o ato de proceder ao congelamento de cadáveres, medi­ante manipulação requintada, é algo de inédito; parece ser uma operação que estende o raio de ação da medicina, ciência que tenta salvar a vida e combater a morte. Assim considerado, o congelamento pode ser lícito do ponto de vista ético. Todavia pode-se perguntar se, assim proce­dendo, o homem não está esquecendo os seus limites de criatura e pre­tendendo assumir utopicamente o lugar de Deus…?

Tecnologia versus Ética:

REVISTA PERGUNTE E RESPONDEREMOS
D.Estevão  Bettencourt, osb

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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