Carta dos Bispos da Regional NE V da CNBB

Nos
dias 12, 13 e 14 de janeiro próximo passado, realizamos nossa reunião anual,
desta vez em Carolina, no sul do Maranhão. A partir de relatórios, apresentados
por diversos setores da Igreja, e de nossa própria vivência pastoral, pudemos
mais uma fez refletir sobre a realidade maranhense. Ao contemplarmos a situação
de nosso povo, lembramo-nos de Jesus de Nazaré e fomos tocados por sentimentos
de compaixão, pois a dura verdade é que grande parte desse povo continua
vivendo em situação de sofrimento e de abandono.

Um
momento de otimismo – À primeira vista, parece predominar no meio do povo um
sentimento de otimismo e de euforia. Verificam-se intensas expectativas para
com o futuro imediato. Há no ar um sentimento difuso de otimismo. De onde
provém esse sentimento?

De
um lado, este sentimento parece advir das numerosas promessas oficiais de
empregos, de investimentos de toda ordem e de crescimento econômico generalizado.
De fato, não podemos negar que mais pessoas têm subido à classe média, com
maior acesso a bens de consumo. Também no campo e nas periferias das cidades,
tem havido algumas melhorias através de políticas compensatórias como a bolsa
família, energia rural e aposentadorias, fato que tem mitigado a extrema
pobreza e freado, em parte, o êxodo rural. Num primeiro momento, o acesso ao
mundo do consumo funciona como um estimulante. O esbanjamento de dinheiro –
pessoal e público -, o consumo de bens, nem sempre de primeira necessidade,
como por exemplo, celulares, aparelhos sofisticados de informática e de carros
de luxo, parece exercer nas pessoas um fascínio irresistível.

De
outro lado, essas expectativas – embora genéricas – parecem revelar um desejo
humano profundo, legítimo, de caráter pessoal e coletivo, de sair
definitivamente de uma situação de dependência, de insegurança e de abandono
institucional ao qual foi relegado até hoje o povo maranhense. Parece ser a
tentativa de se sentir reconhecido como cidadão emancipado, mesmo que inserido
num sistema que o obriga a consumir e a gastar compulsivamente, a se endividar
e a parecer aquilo que não é na realidade.

Na
vida intra-eclesial, apesar de nossas fraquezas, limitações e pecados, podemos
chamar a atenção para dois dados positivos.

Em
2010, com a nomeação de cinco novos bispos para o Maranhão – bispos diocesanos
para Coroatá, para Caxias, para Brejo e para Viana e bispo auxiliar para São
Luís -, uma terça parte do episcopado maranhense foi renovado, observando-se
que, com exceção do último, todos os outros provêm de nossas comunidades
locais.

O
outro dado positivo em nossa vida eclesial é a constatação que, nas três
últimas décadas, como fruto de um trabalho contínuo e perseverante, verifica-se
um aumento significativo do clero local, formado aqui mesmo no Maranhão. Embora
ainda em número insuficiente, esses presbíteros, jovens em sua maioria,
sinalizam para uma Igreja cada vez mais enraizada e presente na vida do povo.

Olhar
para o futuro com otimismo e esperança é condição primeira e indispensável para
qualquer mudança da realidade presente. Tal atitude, porém, pode ocultar uma
tendência quase inconsciente em remover sentimentos de impotência perante a
realidade atual. De fato, não podemos negar que a realidade social e econômica
do Maranhão é particularmente dura e iníqua. Como bispos, queremos nos associar
àquelas ovelhas que, mesmo “no vale das sombras não temem mal algum”, pois,
afinal, o Senhor é o único pastor e guarda do rebanho que nos conduz “por caminhos
bem traçados e nos faz descansar junto às fontes de águas puras” (cfr. Salmo
23).

Está
na hora de se fazer uma inversão de prioridades e valores – Sentimos que chegou
a hora de não mais aceitar que se jogue com os sentimentos e as expectativas de
nosso povo, vendendo-lhes promessas mirabolantes de que tudo, a partir de
agora, vai melhorar. Estamos às vésperas da comemoração dos quatrocentos anos
da chegada dos europeus a essas terras. É um momento oportuno de se fazer um
resgate histórico das formas de luta por liberdade, de resistência à
escravidão, de testemunho de coerência de grupos sociais e de evangelizadores
que têm marcado positivamente a história de nosso Estado. Esse resgate nos
ajudará a fortalecer um projeto popular independente e soberano.

A
história do Maranhão, do Brasil tem sido marcada pela apropriação por parte de
pequenos grupos, mediante influências políticas e corrupção ativa, daquilo que
pertence a todos. Esses pequenos grupos fazem do bem público um patrimônio
pessoal. Talvez por esse motivo, a maioria da população cuide tão mal de nossas
praças e ruas, de nossas escolas e hospitais, de tudo aquilo que deveria estar
a serviço de todos. Seria talvez uma maneira de reagir – certamente equivocada!
– a esse tipo de apropriação indébita.

Para
inaugurar um novo momento histórico, precisamos nos educar para um trato
totalmente novo, mais ético, com o bem comum. Sentimos que chegou a hora de se
fazer uma radical inversão de prioridades e valores. Não podemos deixar que o
Estado continue colocando sua estrutura a serviço quase exclusivo dos grandes
exportadores de minério, de soja, de sucos e carnes, construindo-lhes as
infra-estruturas necessárias para obter sempre maiores dividendos. Ao
contrário, ou paralelamente a isto, os aparatos do Estado devem estar a serviço
da integridade humana de todos os seus cidadãos e cidadãs.

Preocupa-nos
sobremaneira que, em nome de um ilusório e equicocado desenvolvimento,
entendido de forma redutiva como desenvolvimento exclusivamente econômico – e
não na sua acepção integral -, empresários, quadrilhas de colarinho branco, setores
do Estado e do Judiciário pisoteiem direitos básicos, transgridam impunemente
normas ambientais, desconsiderem medidas básicas de prevenção de saúde pública,
agridam povos e territórios tradicionais, rios, matas e seres vivos em geral.

É
urgente que produzamos sinais de uma nova sociedade na qual se proceda
efetivamente a uma “inversão de prioridades”, investindo-se maciçamente em
saneamento básico universal, em água potável, na distribuição equânime de
terras férteis para quem trabalha nela, em unidades hospitalares para todos, em
educação formal de qualidade. Está na hora de se fazer uma inversão de
prioridades e valores também em relação ao papel do Estado e de seus
representantes. Estes estejam em permanente escuta da sociedade civil, dos
movimentos sociais, do povo e das suas legítimas aspirações e propostas para um
verdadeiro bem comum.

Juntos
a favor de “um novo céu e uma terra” (Cfr. Ap 21, 1) – Não podemos sonhar com
uma nova sociedade se nos deixarmos arrastar por sentimentos de indiferença e
de derrota. É preciso, ao contrário, mobilizarmos corações e instituições que
ainda possuem sentimentos de compaixão e de justiça. É tempo de missão e de
conversão pastoral.

Como
pastores – juntamente com as nossas comunidades, pastorais e movimentos -, queremos
apostar no surgimento de uma nova consciência para que o direito e a justiça se
unam definitivamente; para que aquelas instituições públicas que são chamadas a
defender os direitos coletivos de nosso povo – Ministério Público, Defensoria
Pública, Conselhos e outros – não se omitam. E que assim, como fruto deste
esforço e compromisso coletivo, ninguém tenha poder de matar os sonhos e os
desejos de felicidade de cada criança, de cada mãe e pai, de cada jovem do
nosso Estado.

Saudamos
a todos em Cristo
Jesus. Para a nossa Igreja pedimos a graça da coerência e da
coragem para que ela possa continuar a missão de Jesus de Nazaré, levando luz
aos cegos, liberdade aos cativos, esperança e a dignidade aos pobres de nossa
terra (Cfr. Lc 4, 14ss).

São
Luís do Maranhão, 14 de fevereiro de 2011

Armando
Martín Gutierrez – bispo de Bacabal
Carlo Ellena – bispo de Zé Doca
Enemésio Ângelo Lazzaris – bispo de Balsas
Franco Cuter – bispo de Grajaú
Gilberto Pastana de Oliveira – bispo de Imperatriz e presidente do Regional
NE-5
Henrique Johannpoetter – bispo emérito de Bacabal
José Belisário da Silva – arcebispo de São Luís do Maranhão
José Soares Filho – bispo de Carolina
José Valdeci Santos Mendes – bispo de Brejo
Ricardo Pedro Paglia – bispo de Pinheiro
Sebastião Bandeira Coêlho – bispo de Coroatá
Sebastião Lima Duarte – bispo de Viana
Vilsom Basso – bispo de Caxias
Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges – bispo emérito de Viana


 

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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