Carta às Famílias – Papa João Paulo II (Parte 4)

Quem pode negar que a nossa seja uma época de grande crise, que se exprime sobretudo como profunda «crise da verdade»? Crise da verdade significa, em primeiro lugar, crise de conceitos. Os termos «amor», «liberdade», «dom sincero», e até mesmo os de «pessoa», «direitos da pessoa», significarão na realidade aquilo que por sua natureza contêm? Eis porque se revela tão significativa e importante para a Igreja e para o mundo – sobretudo no Ocidente – a Encíclica sobre o «esplendor da verdade» (Veritatis splendor). Somente se a verdade acerca da liberdade e da comunhão das pessoas no matrimônio e na família readquirir o seu esplendor, é que se desencadeará verdadeiramente a edificação da civilização do amor, e será então possível falar eficazmente – como faz o Concílio – de «promoção da dignidade do matrimônio e da família» (35).

Porque é assim tão importante o «esplendor da verdade»? É-o, primariamente, por contraste: o desenvolvimento da civilização contemporânea está ligado a um progresso científico-tecnológico que se atua de modo freqüentemente unilateral, apresentando por conseguinte características puramente positivistas. O positivismo, como se sabe, tem como seus frutos o agnosticismo no campo teórico e o utilitarismo no campo prático e ético. Nos nossos tempos, a história em certo sentido repete-se. O utilitarismo é uma civilização da produção e do desfrutamento, uma civilização das «coisas» e não das «pessoas» ; uma civilização onde as pessoas se usam como se usam as coisas. No contexto da civilização do desfrutamento, a mulher pode tornar-se para o homem um objeto, os filhos um obstáculo para os pais, a família uma instituição embaraçante para a liberdade dos membros que a compõem. Para convencer-se disto, basta examinar certos programas de educação sexual introduzidos nas escolas, não obstante o frequente parecer contrário e até os protestos de muitos pais; ou então, as tendências pró-abortistas que em vão procuram esconder-se atrás do chamado «direito de escolha» (pro choice) por parte de ambos os cônjuges, e particularmente por parte da mulher. São apenas dois exemplos dos muitos que se poderiam recordar.

Em semelhante situação cultural, é claro que a família não pode deixar de sentir-se ameaçada, porque insidiada nos seus próprios alicerces. Tudo o que seja contrário à civilização do amor, é contrário à verdade integral do homem e torna-se para ele uma ameaça: não lhe permite encontrar-se a si mesmo e sentir-se seguro como cônjuge, como pai, como filho. O chamado «sexo seguro», propagandeado pela «civilização técnica», na realidade é, sob o perfil das exigências globais da pessoa, radicalmente não-seguro, e mais, gravemente perigoso. A pessoa ali, de fato, encontra-se em perigo, tal como em perigo fica, por sua vez, a família. Qual é o perigo? É a perda da verdade acerca de si própria, a que se junta o risco da perda da liberdade e, consequentemente, perda do próprio amor. «Conhecereis a verdade – diz Jesus – e a verdade libertar-vos-á» (Jo 8, 32): a verdade, somente a verdade, vos preparará para um amor, que se possa chamar «belo».

A família contemporânea, como a de sempre, vai à procura do «belo amor». Um amor não «belo», ou seja, reduzido à mera satisfação da concupiscência (cf. Jo 2, 16), ou a um «uso» recíproco do homem e da mulher, torna as pessoas escravas das suas fraquezas. Não conduzem a esta escravidão certos «programas culturais» modernos? São programas que «jogam» com as fraquezas do homem, tornando-o assim sempre mais débil e indefeso.

A civilização do amor evoca a alegria: alegria, para além do mais, porque um homem vem ao mundo (cf. 1 Jo 16, 21) e, consequentemente, porque os cônjuges se tornam pais. Civilização do amor significa «comprazer-se com a verdade» (cf. 1 Cor 13, 6). Mas uma civilização, inspirada numa mentalidade consumista e anti-natalista, não é uma civilização do amor nem o poderá ser nunca. Se a família é tão importante para a civilização do amor, isto fica-se a dever à especial proximidade e intensidade dos laços que nela se instauram entre as pessoas e as gerações. Apesar disso, ela continua vulnerável e pode facilmente sucumbir aos perigos que enfraquecem ou até destroem a sua união e estabilidade. Devido a tais perigos, as famílias cessam de testemunhar a favor da civilização do amor e podem até mesmo tornar-se a sua negação, uma espécie de contra-testemunho. Uma família desfeita pode, por sua vez, reforçar uma específica forma de «anticivilização», destruindo o amor nos vários âmbitos em que se exprime, com inevitáveis repercussões sobre o conjunto da vida social.

O amor é exigente
14. Aquele amor, ao qual o apóstolo Paulo dedicou um hino na Primeira Carta aos Coríntios – aquele amor que é «paciente», é «benigno», e «tudo suporta» (1 Cor 13, 4.7) – é, sem dúvida, um amor exigente. Mas nisto mesmo está a sua beleza: no fato de ser exigente, porque deste modo constrói o verdadeiro bem do homem e irradia-o também sobre os outros. Na verdade, o bem, diz S. Tomás, é por sua natureza «difusivo» (36). O amor é verdadeiro, quando cria o bem das pessoas e das comunidades, cria e dá-lo aos outros. Somente quem, em nome do amor, sabe ser exigente consigo próprio, pode também exigir o amor dos outros. Porque o amor é exigente. É-o em todas as situações humanas; ainda mais o é para quem se abre ao Evangelho. Não é isso que Cristo proclama no «seu» mandamento? É preciso que os homens de hoje descubram este amor exigente, porque nele está o alicerce verdadeiramente firme da família, um alicerce que é capaz de «tudo suportar». Segundo o Apóstolo, o amor não é capaz de «suportar tudo», se cede às «invejas», se «se ufana», se «se ensoberbece», se «é inconveniente» (cf. 1 Cor 13, 4-5). O verdadeiro amor, ensina S. Paulo, é diverso: «tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1 Cor 13, 7). Um amor assim «tudo suportará». Atua nele a poderosa força do próprio Deus, que «é amor» (1 Jo 4, 8.16). Nele atua a poderosa força de Cristo, Redentor do homem e Salvador do mundo.

Meditando o capítulo 13 da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, encaminhamo-nos pela via que, mais imediata e incisivamente, nos faz compreender a verdade plena acerca da civilização do amor. Nenhum outro texto bíblico exprime tal verdade de um modo mais simples e profundo que o hino à caridade.

Os perigos que gravam sobre o amor constituem uma ameaça também para a civilização do amor, porque favorecem quanto é susceptível de eficazmente a contrariar. Há que pensar, antes de mais, no egoísmo, não só no egoísmo do indivíduo, mas também naquele do casal ou, num âmbito ainda mais vasto, no egoísmo social, por exemplo de classe ou de nação (nacionalismo). O egoísmo, em todas as suas formas, opõe-se direta e radicalmente à civilização do amor. Porventura significa isto que o amor se pode definir simplesmente como «anti-egoísmo»? Seria uma definição demasiado pobre e, em última análise, apenas negativa, mesmo se é verdade que, para realizar o amor e a civilização do amor, devem ser superadas as várias formas de egoísmo. Mais correto é falar de «altruísmo», que é a antítese do egoísmo. Mas ainda mais rico e completo é o conceito de amor ilustrado por S. Paulo. O hino à caridade da Primeira Carta aos Coríntios permanece como a magna carta da civilização do amor. Ali não é questão tanto de simples manifestações (quer de egoísmo quer de altruísmo), quanto sobretudo da aceitação radical do conceito de homem como pessoa que «se encontra» através do dom sincero de si mesmo – dom que, obviamente, é «para os outros»: esta constitui a dimensão mais importante da civilização do amor.

Entramos, assim, no núcleo mesmo da verdade evangélica sobre a liberdade. A pessoa realiza-se mediante o exercício da liberdade na verdade. A liberdade não pode ser entendida como faculdade de fazer o que quer que seja: ela significa dom de si. Mais: significa disciplina interior do dom. No conceito de dom, não está inscrita apenas a livre iniciativa do sujeito, mas também a dimensão do dever. Tudo isto se realiza na «comunhão das pessoas». Estamos, assim, no coração mesmo de cada família.

Achamo-nos também em presença dos indícios da antítese entre o individualismo e o personalismo. O amor, a civilização do amor alia-se com o personalismo. Por que razão, exatamente com o personalismo? Por que o individualismo ameaça a civilização do amor? Encontramos a chave da resposta na expressão conciliar: um «dom sincero». O individualismo supõe um uso da liberdade onde o sujeito faz o que quer, «estabelecendo» ele mesmo «a verdade» daquilo que lhe agrada ou se lhe torna útil. Não admite que outros «queiram» ou exijam algo dele, em nome de uma verdade objetiva. Não quer «dar» a outrem sobre a base da verdade, não quer tornar-se um dom «sincero». O individualismo permanece, por conseguinte, egocêntrico e egoísta. A antítese com o personalismo verifica-se não apenas no terreno da teoria, mas ainda mais sobre aquele do «ethos» (procedimento). O «ethos» do personalismo é altruísta: leva a pessoa a fazer-se dom para os outros e a encontrar alegria no doar-se. É a alegria de que fala Cristo (cf. Jo 15, 11; 16, 20.22).

Portanto, é preciso que as sociedades humanas, e nelas as famílias, que frequentemente vivem num contexto de luta entre a civilização do amor e as suas antíteses, procurem o seu alicerce estável numa justa visão do homem e de quanto decide a plena «realização» da sua humanidade. Sem dúvida, contrário à civilização do amor é o chamado « amor livre », tanto mais perigoso por ser habitualmente proposto como fruto de um sentimento «verdadeiro», quando efetivamente destrói o amor. Quantas famílias levadas à ruína precisamente pelo «amor livre»! Seguir em qualquer caso o «verdadeiro» impulso afetivo, em nome de um «amor» livre de condicionamentos, na realidade significa tornar o homem escravo daqueles instintos humanos, que S. Tomás chama «paixões da alma» (passiones animae) (37). O «amor livre» explora as fraquezas humanas, conferindo-lhes uma certa «moldura» de nobreza com a ajuda da sedução e com o favor da opinião pública. Procura-se assim «tranquilizar» a consciência, criando um «álibi moral». Mas não se tomam em consideração todas as consequências que daí derivam, especialmente quando a pagá-las são, para além do cônjuge, os filhos, privados do pai ou da mãe e condenados a serem, de fato, órfãos de pais vivos.

Na base do utilitarismo ético, está, como se sabe, a procura desenfreada do «máximo» de felicidade: mas de uma «felicidade utilitarista », vista apenas como prazer, como imediata satisfação e vantagem exclusiva do próprio indivíduo, fora das exigências objetivas do verdadeiro bem ou mesmo contra elas.

O programa do utilitarismo, fundado sobre uma liberdade orientada em sentido individualista, ou seja, uma liberdade sem responsabilidade, constitui a antítese do amor, também como expressão da civilização humana, considerada no seu todo. Quando um tal conceito de liberdade encontra aceitação na sociedade, aliando-se facilmente com as mais variadas formas de fraqueza humana, rapidamente se revela como uma sistemática e permanente ameaça para a família. A propósito, poder-se-iam citar muitas consequências nefastas, documentáveis a nível estatístico, mesmo se não poucas delas permanecem escondidas nos corações dos homens e das mulheres, como feridas dolorosas e sangrentas.

O amor dos cônjuges e dos pais possui a capacidade de curar semelhantes feridas, se as insídias recordadas não o privarem da sua força de regeneração, tão benéfica e salutar para as comunidades humanas. Tal capacidade depende da graça divina do perdão e da reconciliação, que assegura o vigor espiritual para começar sempre de novo. Por isso mesmo, os membros da família têm necessidade de encontrar Cristo na Igreja, por meio do admirável sacramento da Penitência e da Reconciliação.

Neste contexto, damo-nos conta de quão importante seja a oração com as famílias e pelas famílias, em particular por aquelas ameaçadas de divisão. É necessário rezar para que os cônjuges amem a sua vocação, mesmo quando a estrada se torna difícil ou conhece trechos estreitos e íngremes, aparentemente insuperáveis; rezar, a fim de que mesmo então permaneçam fiéis à sua aliança com Deus.

«A família é a via da Igreja». Nesta Carta, desejamos professar e anunciar juntos esta via, que, através da vida conjugal e familiar, conduz ao reino dos Céus (cf. Mt 7, 14). É importante que a «comunhão das pessoas» na família se torne preparação para a «comunhão dos Santos». Eis porque a Igreja confessa e anuncia o amor que «tudo suporta» (1 Cor 13, 7), vendo nele, com S. Paulo, a virtude «maior» (1 Cor 13, 13). O Apóstolo não coloca limites a ninguém. Amar é vocação de todos, também dos esposos e das famílias. Na Igreja, de fato, todos são igualmente chamados à perfeição da santidade (cf. Mt 5, 48) (38).

O quarto mandamento: «Honra o teu pai e a tua mãe»
15. O quarto mandamento do Decálogo refere-se à família, à sua solidez interior; poderíamos dizer, à sua solidariedade.

Na sua formulação, não se fala explicitamente da família. Mas, de fato, é mesmo dela que se trata. Para exprimir a comunhão entre as gerações, o divino Legislador não encontrou palavra mais apropriada que esta: «Honra…» (Êx 20, 12). Estamos perante um outro modo de exprimir o que é a família. Tal formulação não exalta «artificialmente» a família, mas põe em evidência a sua subjetividade e os direitos que daí derivam. A família é uma comunidade de relações interpessoais particularmente intensas: entre cônjuges, entre pais e filhos, entre gerações. É uma comunidade que há-de ser garantida de modo muito particular. E Deus não encontra garantia melhor que esta: «Honra».

«Honra o teu pai e a tua mãe, para que os teus dias se prolonguem na terra que o Senhor, teu Deus, te dará» (Êx 20, 12). Este mandamento aparece depois dos três preceitos fundamentais, que se referem ao relacionamento do homem e do povo de Israel com Deus: «Shemà, Izrael…», «Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor!» (Dt 6, 4). «Não terás outro deus além de Mim» (Êx 20, 3). Eis o primeiro e o maior mandamento, o mandamento do amor a Deus «acima de todas as coisas»: Ele há-de ser amado «com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt 6, 5; cf. Mt 22, 37). É significativo que o quarto mandamento esteja inserido precisamente nesse contexto: «Honra o teu pai e a tua mãe», porque eles são para ti, em determinado sentido, os representantes do Senhor, aqueles que te deram a vida, que te introduziram na existência humana: numa estirpe, numa nação, numa cultura. Depois de Deus, são eles os teus primeiros benfeitores. Se Deus só é bom, antes, é o próprio Bem, os pais participam de modo singular desta bondade suprema. E por isso: honra os teus pais! Há aqui uma certa analogia com o culto devido a Deus.

O quarto mandamento está em estreita ligação com o mandamento do amor. Entre «honra» e «ama», o vínculo é profundo. A honra, no seu núcleo essencial, está relacionada com a virtude da justiça, mas esta, por sua vez, não pode explanar-se plenamente sem fazer apelo ao amor: de Deus e do próximo. E quem é mais próximo que os próprios familiares, que os pais e os filhos?

Será unilateral o sistema interpessoal indicado pelo quarto mandamento? Ele só empenha os filhos a honrarem os pais? Em sentido literal, sim. Indiretamente, porém, podemos falar também da «honra» devida aos filhos por parte dos pais. «Honra» quer dizer: reconhece! Isto é, deixa-te guiar pelo convicto reconhecimento da pessoa, da do pai e da mãe primeiro, e depois da dos outros membros da família. A honra é um procedimento essencialmente desinteressado. Poder-se-ia dizer que é «um dom sincero da pessoa à pessoa», e neste sentido a honra desemboca no amor. Se o quarto mandamento exige honrar o pai e a mãe, fá-lo também em atenção ao bem da família. Mas por isto mesmo, põe exigências aos próprios pais. Pais – parece recordar-lhes o preceito divino -, agi de modo que o vosso procedimento mereça a honra (e o amor) da parte dos vossos filhos! Não deixeis cair num «vazio moral» a exigência divina de eles vos honrarem a vós! Em resumo, trata-se de honra recíproca. O mandamento «honra o teu pai e a tua mãe» diz indiretamente aos pais: Honrai os vossos filhos e as vossas filhas. Eles merecem-no porque existem, merecem-no por aquilo que são: isto vale desde o primeiro instante da concepção. Assim este mandamento, ao exprimir a união íntima da família, põe em evidência o alicerce da sua solidez interior.

O mandamento continua: «para que os teus dias se prolonguem na terra que o Senhor, teu Deus, te dará». Este «para que» poderia dar a impressão de um cálculo «utilitarista»: honrar, tendo em vista a futura longevidade. Digamos, entretanto, que isto não diminui o significado essencial do imperativo « honra », por sua natureza conexo com um procedimento desinteressado. Honrar não significa nunca: «prevê as vantagens». É difícil, contudo, não reconhecer que do procedimento de honra recíproca entre os membros da comunidade familiar, derivam também vantagens de vária natureza. A «honra» é certamente útil, como «útil» é todo o verdadeiro bem.

A família realiza, antes de mais, o bem de «estarem juntos», bem por excelência do matrimônio (daí a sua indissolubilidade) e da comunidade familiar. Poder-se-ia defini-lo, além disso, como o bem da subjetividade. Na verdade, a pessoa é um sujeito, e o mesmo se diga da família porque formada de pessoas, que, ligadas por um profundo vínculo de comunhão, formam um único sujeito comunitário. Antes, a família é sujeito mais do que qualquer outra instituição social: é-o mais que a nação, que o estado, mais que a sociedade e do que as organizações internacionais. Estas sociedades, especialmente as nações, gozam de subjetividade própria somente enquanto a recebem das pessoas e das suas famílias. Estas serão observações meramente «teóricas», formuladas com o objetivo de «exaltar» a família na opinião pública? Não, trata-se, antes, de um outro modo de exprimir o que é a família. E também isto se deduz do quarto mandamento.

Trata-se de uma verdade que merece ser destacada e aprofundada: de fato, ela assinala a importância deste mandamento também para o moderno sistema dos direitos do homem. As legislações institucionais usam a linguagem jurídica. Deus, pelo contrário, diz: «Honra». Todos os «direitos do homem» são, em última análise, frágeis e ineficazes, se faltar, na sua base, o imperativo: «honra»; por outras palavras, se faltar o reconhecimento do homem pelo simples fato de ele ser homem, «este» homem. Por si sós, os direitos não bastam.

Assim, não é exagerado insistir que a vida das nações, dos estados, das organizações internacionais «passa» através da família e «fundamenta-se» sobre o quarto mandamento do Decálogo. A época em que vivemos, apesar das múltiplas Declarações de tipo jurídico que foram elaboradas, continua notavelmente ameaçada pela «alienação», qual fruto das premissas «iluministas», segundo as quais o homem é «mais» homem se for «apenas» homem. Não é difícil notar como a alienação de tudo quanto pertence de vários modos à plena riqueza do homem, insidia a nossa época. E isto chama em causa a família. Na verdade, a afirmação da pessoa está em grande medida relacionada com a família e, por conseguinte, com o quarto mandamento. No desígnio de Deus, a família é a primeira escola do ser homem em seus vários aspectos. Sê homem! É este o imperativo que nela se transmite: homem como filho da pátria, como cidadão do estado, e, dir-se-ia hoje, como cidadão do mundo. Aquele que entregou à humanidade o quarto mandamento é um Deus «benévolo» para com o homem (filanthropos, diziam os gregos). O Criador do universo é o Deus do amor e da vida: Ele quer que o homem tenha a vida e a tenha em abundância, como proclama Cristo (cf. Jo 10, 10): que tenha a vida, sobretudo graças à família.

Aparece agora claro que a «civilização do amor» está intimamente ligada com a família. Para muitos, a civilização do amor constitui ainda uma pura utopia. Pensa-se, com efeito, que o amor não possa ser pretendido de ninguém nem imposto a ninguém: seria uma livre opção, que os homens podiam aceitar ou rejeitar.

Em tudo isto há alguma verdade. E, contudo, resta o fato que Jesus Cristo nos deixou o mandamento do amor, tal como já Deus no monte Sinai tinha ordenado: «Honra o teu pai e a tua mãe». Portanto, o amor não é uma utopia: é dado ao homem como tarefa a cumprir com a ajuda da graça divina. É confiado ao homem e à mulher, no sacramento do matrimônio, como princípio fontal do seu «dever» e torna-se para eles o fundamento do mútuo compromisso: do conjugal primeiro, do paterno e materno depois. Na celebração do sacramento, os cônjuges dão-se e recebem-se reciprocamente, declarando a sua disponibilidade para acolherem e educarem os filhos. Eis aqui os pilares da civilização humana, que não pode ser definida de outro modo senão como «civilização do amor».

De tal amor, é expressão e fonte a família. Por ela passa a principal corrente da civilização do amor, que lá encontra as suas «bases sociais».

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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