Carta ao Pe. José Antonio Oliveira, Arquidiocese de Mariana

Pe. José Antonio,

Com profundo respeito a seu sacerdócio sagrado, peço licença para mais uma vez contestar seu mais novo e triste artigo “Moral ou Moralismo?”, uma vez que ele se refere também a mim.

Penso que o sr. poderia citar meu nome no  seu artigo, ao invés de dizer apenas “uma pessoa que é formada e formadora de opinião…”. Prefiro que cite meu nome; não me escondo quando defendo a Igreja, Jesus Cristo, o Papa, e  seu Sagrado Magistério instituído  por Jesus Cristo (já que o sr. pede que cite seu santo Nome mais vezes).

Fico  triste ao ver um padre fingir defender a Igreja,  a “sã doutrina da “fé”, o sagrado Magistério, com palavras evasivas e manipuladas  para enganar os leitores. O sr. diz que “não se pode reduzir a vivência da fé à doutrina, a normas, a verdades, colocando em segundo plano a pessoa.” Quer dizer que em função dos problemas das pessoas, vamos mudar a doutrina da fé, vamos mudar as verdades eternas deixadas por Cristo? Ora, padre, isso tem nome,  o que o nosso Papa tem denunciado abertamente como “ditadura do relativismo”. A Igreja Pe. José Antonio, não nasceu e nem nasce do povo; isto é heresia – “Igreja popular”; a Igreja nasce de Cristo; “é um projeto que nasceu no coração do Pai” (§759) e que “foi instituída por Cristo” (§763), diz o nosso Catecismo. Se a Igreja fosse instituição popular não teria superado as primeiras perseguições dos judeus e dos romanos contra os Apóstolos; teria sido extinta. Só  uma Igreja que veio do Alto tem a promessa de Cristo de ser invencível (cf. Mt 16,16s). Não podemos “colocar o homem no lugar de Cristo” na teologia, como bem disse Clodovis Boff.

O sr. bem sabe que o “fidei depositum” – expressão que o sr. não gosta porque vem do Magistério e não do povo – tem dois mil anos e que jamais mudará ao bel sabor do povo. Se isso acontecesse, como o sr. deseja, adeus salvação! O sr. sabe que “é a verdade que salva” (cf. Cat. §851), e a verdade Revelada não muda; não pode mudar, senão a salvação se anula.

O sr. diz maliciosamente que “para criticar nosso texto e condenar os homossexuais, a pessoa cita o Levítico…”. Jamais condenei ou condenarei os homossexuais; eles devem ser amados, respeitados e não discriminados como ensina o nosso Catecismo, segundo a lei de Cristo (§2357); mas a Igreja e Cristo não são coniventes com o pecado; não desejamos condenar os homossexuais, o sr. se engana, queremos a sua salvação.  O sr. cita o Levítico; parece querendo mostrar a seus leitores que queremos a morte dos homossexuais; ora, que malícia! O sr. bem sabe que o texto é do AT, não pode ser lido fora do seu contexto; o que vale é apenas a condenação à prática homossexual, o pecado, sem qualquer violência ou discriminação contra a pessoa, mas apenas contra o pecado. Ninguém está fazendo leitura fundamentalista da Bíblia como o sr. interpreta. Não sou ignorante da Bíblia para cometer erro tão grosseiro em sua interpretação.

Padre, peço que não seja travesso. O sr. me critica por usar muito as palavras Papa, Catecismo, Magistério, etc., e pouco as palavras Jesus e Evangelho; me perdoe, mas o sr. está se escondendo atrás de Cristo e dos Evangelhos para condenar a doutrina que Cristo ensina nos Evangelhos. Será que o sr. não sabe que o Catecismo cita cerca de 3000 vezes a Sagrada Escritura; há documento mais recheado de Evangelho que o Catecismo? Há alguém que fale mais do Cristo e dos Evangelhos que o Papa e o Magistério? Peço padre, que o sr. não use mais esse linguagem solerte e travessa, para iludir seus leitores e justificar seus enganos.

O sr. diz “Longe de nós negar a autoridade do Magistério, mas acreditamos primeiro na autoridade de Jesus.” Ora, o que o sr. quer dizer com isso? Que o Magistério da Igreja não ensina com a autoridade de Jesus, e em sintonia com seus ensinamentos? … O sr. bem sabe que o Catecismo, o Magistério, o Papa, não estão acima do Evangelho, como o sr. pergunta, mas estão a seu serviço e lhe são fiéis. O sr. já se esqueceu que Jesus disse aos Apóstolos: “quem vos ouve a mim ouve; que vos rejeita a mim rejeita e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou?” (Lc 10,16). Eu poderia ainda lhe citar muitas outras passagens como esta (Mt 28,20; Jo 14.15.25; Jo 16,12-13,…). Não tente padre, maliciosamente, jogar o Magistério e o Catecismo contra Cristo  e o Evangelho, por favor, os respeite de verdade e não apenas de palavras dúbias.

Permita-me padre, citar-lhe o n. 10 da “Dei Verbum”:     “O ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja,  cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo. Tal Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas a seu serviço, não ensinando senão o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo religiosamente ausculta aquelas palavras, santamente a guarda e fielmente a expõe. E deste único depósito da fé o Magistério tira tudo aquilo que nos propõe como verdade de fé divinamente revelada.” Crês nisso?

Gostaria de terminar repetindo as palavras do Papa Bento XVI na Encíclica “Caritas in Veritate”: “a caridade sem a verdade é sentimentalismo” (n.1). Santo Agostinho dizia de outra maneira: “Não se imponha a verdade sem caridade, mas não se sacrifique a verdade em nome da caridade”. Sem a verdade não há caridade e muito menos salvação. Sacrificar a verdade é sacrificar a salvação das pessoas. Não queiramos adaptar o Evangelho ao sabor do mundo , mas o mundo ao sabor do Evangelho. Isto é o perigoso relativismo moral e religioso que permeia o mundo hoje e que invade também a Igreja.

Prof. Dr. Felipe Aquino

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Artigo do Pe. José Antonio Oliveira – Moral ou moralismo?

Nosso último artigo, sobre a Pastoral Familiar, repercutiu bastante. Muita gente gostou, disse que o texto ajudou, trouxe alegria e alívio, foi libertador. Mas houve também quem o detestasse. Gente que ficou indignada e o considerou contrário aos ensinamentos da Igreja.

Não vamos ficar dando explicações ou levantando polêmicas. Mas gostaria de registrar algumas considerações. Em primeiro lugar, é preciso reafirmar a necessidade e a urgência de uma verdadeira Pastoral Familiar. A situação das famílias o exige. Como também não podemos deixar de valorizar e parabenizar tantas e tantos agentes que se dedicam de coração a esse trabalho tão sublime. E fazem um bem imenso à Igreja e à Sociedade.

Contudo, é urgente que a Igreja se torne cada vez mais ‘pastoral”, acolhedora, humana, sensível. Com sabedoria cristã, o Documento de Aparecida alerta que “não resistiria aos embates do tempo uma fé católica reduzida a uma bagagem de normas e de proibições (.) à repetição de princípios doutrinais, a moralismos. que não convertem a vida dos batizados” (DAp, 12). Não se pode partir para “adesões seletivas e parciais das verdades da fé”, mas também não se pode reduzir a vivência da fé à doutrina, a normas, a verdades, colocando em segundo plano a pessoa.
E aqui está, ao que parece, o xis da questão. Recebi três cartas de pessoas que não concordaram com o artigo. Nada demais. Não pode existir unanimidade. Mas alguns detalhes me chamaram a atenção. Numa das cartas, a pessoa, que é formada e formadora de opinião, cita sete vezes a palavra “Papa”, além de nomear João Paulo II sem colocar o título. Mas não cita uma vez sequer a palavra “Jesus”. Isso é, no mínimo, estranho. Não posso concordar.

A mesma pessoa usa a palavra ‘catecismo’ oito vezes. Fala do Magistério (catecismo, documentos da Igreja) cerca de dezessete vezes. Mas não usa a Palavra do Evangelho, a não ser uma vez para justificar o Magistério. Estaria o catecismo acima dos evangelhos? O magistério da Igreja é mais fiel à verdade que os evangelistas? Não é mais seguro nos inspirarmos no jeito de Jesus, do que nas verdades da Igreja? Longe de nós negar a autoridade do Magistério, mas acreditamos primeiro na autoridade de Jesus.

Para criticar nosso texto e condenar os homossexuais, a pessoa cita o Levítico: “O homem que se deita com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometem uma abominação, deverão morrer, e o sangue cairá sobre eles” (Lv 20,13). Não negamos que essa seja uma palavra da Escritura. Mas temos consciência do grande perigo de se fazer uma leitura fundamentalista da Bíblia. O texto acima, por exemplo, justificaria a violência contra os homossexuais. Se alguém matar quem teve uma prática homossexual e derramar o seu sangue, poderá alegar que está fazendo a vontade de Deus e cumprindo a ordem da Escritura. E não podemos ignorar que o mesmo Levítico proíbe comer animal que tem sangue (19,26); cortar o cabelo em redondo e danificar a barba (19,27); deitar com a esposa quando menstruada (Lv 20,18). Também neste caso, os dois deverão ser eliminados. Decreta pena de morte também para adúlteros, necromantes, adivinhos etc. O que vale e o que não vale nesses textos? Por que se apegar a uns e ignorar os outros?

A Bíblia é para ser lida no conjunto, respeitando-se cada contexto. E o centro dela é Jesus. O Deus de Jesus Cristo “é piedade e compaixão, bom para todos. Sua ternura abraça toda criatura” (Sl 144,8-9). Tem um coração muito mais amoroso que o das mães terrenas (cf. Is 49,15). Ao começar seu ensinamento, Jesus deixa claro: “Ouvistes o que foi dito aos antigos. Eu, porém, vos digo” (Mt 5,21ss). Mais que as palavras, suas atitudes demonstram uma mudança radical. Embora a lei mandasse expulsar os leprosos, prostitutas, pecadores, Ele os acolheu e abraçou. Mesmo a lei proibindo fazer qualquer atividade em dia de sábado, curou doentes, deixou que colhessem espigas, trabalhou para promover a vida (cf Jo 5,17). Mais ainda, olhou com tristeza e indignação para quem se apegava à lei e não colocava a pessoa no centro (cf. Mc 3,1ss).

A sua Lei é bem diferente: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis.” (Lc 6,36-37). “Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7,3.12). “Isto vos mando: amai-vos uns aos outros” (Jo 15,17). E arremata: “Se soubésseis o que significa: Misericórdia é que eu quero e não sacrifício, não condenaríeis.” (Mt 12,7).

Outra pessoa nos escreveu, dizendo-se preocupada com o “Sagrado Depósito da Fé”. Particularmente, não gosto dessa expressão. Depósito passa a ideia de amontoado de coisas, sem vida, sem dinamismo, onde a poeira vai se ajuntando. Se a gente não passa sempre por ele para dar uma faxina e ajeitar as coisas, o depósito vai acumulando pó, baratas, ratos e traças, que podem danificar até mesmo as coisas mais valiosas e preciosas que ali estão.

O Catecismo da Igreja Católica tem o seu valor, mas deve ser usado como “referência”, como diz João Paulo II na “Fidei Depositum”. O Primeiro Testamento é Palavra inspirada, mas precisa ser lido dentro do seu contexto, considerado no conjunto da Bíblia, à luz de Jesus Cristo. A religião é vida, e não pode ser reduzida a verdades. O Deus do Levítico é verdadeiro, mas nós cremos, seguimos e anunciamos o Deus de Jesus Cristo.

A Pastoral Familiar, a Igreja, todos nós somos chamados a preservar e promover a fé, a vida, a família, os valores, mas sem preconceitos, sem moralismos, sem condenação.

Padre José Antonio Oliveira
zeantonioliveira@hotmail.com
Fonte: http://www.arqmariana.com.br/?p=14281

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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