Os arautos da correção política não se cansam do condenar a
barbárie, a brutalidade e a selvageria dos europeus que chegaram ao novo mundo
acarretando a destruição de civil.
Além de
ignorar o fato simples de que não existe processo histórico pacífico e isento
de violência, fazem questão de ignorar o horror do muitas das civilizações
autóctones do continente americano. Afinal, cabe lembrar que Hernan Cortez e
seus companheiros, embora provenientes de um mundo essencialmente violento e
cruel onde, por exemplo, queimavam-se vivo herejes e gente acusada de bruxaria
aos milhares, ficam francamente chocados com o que viram em Tenochititlán.
E o que viram lá? Ao que consta monumentos compostos de
crânios humanos dezenas de milhares deles. Nem
viram apenas: cheiraram também.
As pirâmides tão geométricas, simétricas e harmônicas fediam mais que um
matadouro e, segundo os espanhóis, era precisarnente o que eram: matadouros.
Sabe-se que o centro da religião asteca era
a sacrifício humano mas a escala em que era realizado aponta para urna
realidade ainda mais sinistra. Segundo
palavras do padre espanhol Sahgun, o mais minucioso historiador de então da
civilização indígena do México, cada descrição de sacrifício humano no topo das
pirâmides onde a vítima, segura por quatro sacerdotes, tinha peito aberto por
um quinto com uma faca de obsidiana, e seu coração pulsante arrancado -, após
ser o cadáver arrojado escada abaixo culminava com um singelo: “Después,
lo cocian Y lo comian’ (Depois cozinhavam-no e comiam).
Carne humana era muito apreciada com tomate nativo da
região, e provavelmente temperada com chili. E a quantidade em que era pasta em
circulação merece ser qualificada de industrial. ‘Num festival de quatro dias,
em finais do século 15, os astecas teriam “abatido” vinte mil prisioneiros.
Parece que este era também o consumo anual médio só na capital.
Jacques Soustelie, especialista em astecas e o último
governador da Argélia Francesa, chefe da OES (Organização do Exército Secreto)
defende seus nativos contrapondo o
elevado sentido religioso do sacrifício à bárbara caça ocidental às bruxas.
Mas, os números o desmentem. Em três séculos de caça,
dificilmente foram executados mais de
cem mil bruxas, ou seja, o equivalente ao consumo de cinco anos de carne humana
na capital.
Soustelie lembra também quanto escandalizou os astecas o
fato de os espanhóis tentarem matar o maior número possível de pessoas no campo
de batalha, em vez de capturar vivos seus prisioneiros. Explica-se: na falta
de refrigeração, as vítimas tinham que
ser levadas vivas ao abate, ou melhor ao ritual.
Os astecas inclusive promoviam suas numerosas guerras com a única finalidade
de capturar prisioneiros para seus rituais sofisticados que incluíam, em um de
seus meses, o esfolamento após a qual os
sacerdotes se vestiam com as peles das
vítimas.
Tais
práticas explicam em boa parte que os novos sujeitos achavam quem quer que
fossem, até mesmo os espanhóis, melhores
do que os astecas. Se a civilização européia é canibal num sentido figurado, a
mesoamericana o era literalmente, com unhas e dentes literais.
Antropólogos como Marvin Harris e Michael Hamer explicaram,
numa polêmica famosa dos anos 70, as raízes
desse canibalismo na ausência
crônica de proteínas animais no vale do México o que, contudo, não
torna, mais palatável o fenômeno.
O levantamento desses fatos complica um
pouco a visão paradisíaca do continente antes dos conquistadores em a
constatação de que, para muitos nativos, o paraíso começava no topo de uma
pirâmide e terminava no estômago de algum asteca.Autor: Nelson Ascher
** Nelson Ascher é Jornalista Integrado à equipe de
articulistas de ‘A Folha de São Paulo’.