Buscar sentido no sofrimento – EB

REVISTA
“PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão
Bettencourt, n. 409/1996, pp.285-288

 

por Peter
Kreeft

Em síntese:
Peter Kreeft, autor católico de língua inglesa, discorre sobrer o tema
“sofrimento”, abordando todos os aspectos e objeções que daí possam
derivar contra a existência ou a Providência de Deus. Considera as soluções que
filósofos e artistas propuseram para o problema da dor e da morte, verificando
a insuficiência de cada qual das mesmas. Leva em conta outrossim a maneira como
certos autores do Antigo Testamento encararam o assunto; ainda eram
inadequadas. Por último, mostra, aos olhos da fé, que somente em Jesus Cristo se
elucida, de algum modo, o mistério do sofrimento:

Deus o
permite porque decorre das limitações da criatura; o homem o padece, mas o
Senhor não lhe assiste impassível a partir do seu trono de glória; Ele o tomou
sobre si, fazendo-se homem e experimentando a mais atroz das modalidades de
sofrimento e morte para ressuscitar e transfigurar a dor e a morte. O autor
reconhece que somente a fé consegue penetrar no mistério do sofrimento;
verifica, porém, que, para quem tem fé, as luzes propostas são aptas a
transformar a vida reconfortando profundamente a pessoa que sofre.

***

Peter
Kreeft não se identifica no livro em foco; apenas à p. 35 se lê que “dá
aulas de filosofia e religião”. É autor de língua inglesa católico pelo
seu modo de se referir à Igreja, aos Santos e às verdades da fé. Escreve sobre
o tema “sofrimento” em diálogo com o leitor. 1 Este lhe apresenta
objeções contra a Bondade, o Poder, a Providência de Deus, e Peter Kreeft
responde-lhe, usando não somente argumentos teológicos, mas também conceitos
filosóficos aristotélicotomistas, que tornam o livro muito rico em dados e de
sólida consistência. Reconhece que o sofrimento é um mistério, mas mistério
elucidado, de algum modo, pela Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo.

O livro é
de leitura agradável, destinado a quem deseje refletir a fundo sobre todas as
facetas da temática “sofrimento”. A seguir, examinaremos de mais
perto o contéudo do livro.

 

________________

1 Peter
Kreeft, Buscar Sentido no Sofrimento. Tradução de Alex andre Patriarca.

Ed. Loyola,
São Paulo, 1995, 130 x 200 mm,
191 pp.

1. O PLANO
DO LIVRO

A obra é
muito bem arquitetada. Supõe o autor dialogando com o leitor c ético e avesso à
fé. Na qualidade de pensador cristão, Peter Kreeft considera com o seu
interlocutor algumas cenas de sofrimento real, que a história de cada dia
apresenta ao observador nos hospitais, nas estradas, nas fábricas, nas
famílias… A temática é assim, logo de início, bem ilustrada. A seguir,
percorre as respostas meramente humanas que a questão do sofrimento e da morte
no mundo possa obter; transmite, pois, o pensamento de Sócrates, o de Platão, o
de Aristóteles, o de Boécio, o de Freud, o de Gabriel Marcel, o de C. S.

Lewis.
Analisa também sete sugestões de artistas, entre os quais Antoine de
Saint-Exupéry no seu livro “O Pequeno Príncipe”. Mostra que cada qual
destas tentativas de solução é insuficiente. Passa então à Escritura Sagrada,
realçando o que certos personagens bíblicos (Abraão, Moisés, Samuel, Jeremias,
Oséias, Joel, Isaías, João Batista) afirmaram ou insinuaram a respeito da
temática. Finalmente considera Jesus Cristo, testemunhando que Ele como Pessoa
(p. 138) é a resposta no “capítulo mais importante do livro” (cap.
7); o autor desenvolve com lucidez o significado de expiação, a transfiguração
do sofrimento e da morte pelo fato de que Deus feito homem os assumiu; verdade
é que deixa o mistério da dor impenetrado, ao menos em suas últimas minúcias; a
solução depende da fé, como o autor não se cansa de repetir. A fé, porém, se
comprova, de algum modo, pelos dizeres do capítulo 8, em que Peter Kreeft
mostra que a concepção cristã renova a vida e levanta o ânimo de quem sofre
coisa que as teorias meramente humanas não conseguem. 0 livro se encerra no seu
cap. 10, que considera “por que a modernidade não consegue entender o
sofrimento”: aponta dificuldades de ordem filosófica e religiosa que embotam
o olhar do pensador moderno perante as grandes verdades da fé; entre estas,
encontra-se o conceito de Bem Supremo identificado com prazer e conquista de
poder; quem abraça tal filosofia de vida, só pode ver no sofrimento um motivo
de escândalo.

Terminando
este breve sumário do livro, não podemos deixar de assinalar alguns erros
gráficos de certa importância; assim à p.188, em vez de “o ser é
não-ser”, leia-se “0 ser não é 0 não-ser”. A p.144, leia-se
“causalidade” em vez de “casualidade”. A p.152 leia-se
“Eclesiastes” em lugar de “Eclesiástico”. A p. 43 leia-se
“mítico” (= próprio do mito) em vez de “místico”. A p. 181
não se leia “circunsessão”, mas “circunincessão” (termo
técnico da teologia trinitária). A p. 51 está escrito “0 problema do
panteísmo não é que não seja inadmissível”; seria então admissível?

Importa
agora pôr em relevo algumas das passagens mais significativas da obra.

2. A TESE DO LIVRO

O que o
autor quer dizer, através de suas páginas muito ricas de dados, citações e
ponderações, é o seguinte:

2.1. O
Sofrimento: Mistério e não Problema

O
sofrimento é um mistério, e não um problema (…). O problema tem solução, ao passo
que o mistério é uma realidade que Deus penetra e conhece perfeitamente, mas
que escapa ao nosso conhecimento limitado: “Deus tem seus bons motivos
para deixar que coisas ruins aconteçam a pessoas boas. Mas Ele não diz isto a
Jó, que não consegue descobrir nada… Nossas mentes estão no escuro, mas Deus
é luz… Estamos no escuro precisamente porque a realidade é luz, muita luz…
Somos como morcegos ou corujas; enxergamos bem as sombras, mas não o Sol; pelo
excesso de luz, o Sol nos cega” (p.61).

2.2. Luz
sobre o Mistério: Jesus Cristo

Esse
mistério é, de algum modo, elucidado pela pessoa e a obra de Jesus Cristo. Deus
não é um Senhor distante, indiferente à dor dos homens, mas Ele assumiu a
natureza humana e quis compartilhar o sofrimento e a morte dos homens para os
transfigurar ou dar-lhes sentido:

“Ele veio à
vida e à morte, e ainda faz assim. Ainda está aqui:’Todas as vezes que o
fizestes a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o
fizestes’ (Mt 25, 40)… Ele está asfixiado nos fornos de Auschwitz;
esgueira-se pelos guetos de Soweto, é retalhado em milhares de campos de
morte (…), espalhados por todo o mundo (…)”.

Dessa
forma, quando sentimos os martelos da vida batendo sobre nossas cabeças ou
nossos corações, devemos estar certos de que ele está ao nosso lado, absorvendo
cada golpe conosco. Cada lágrima que vertemos, torna-se a sua lágrima. Talvez
ele não as enxugue prontamente, mas as torna suas. Qual das opções
preferiríamos: ter os próprios olhos secos, ou os olhos carregados de lágrimas
dele? Ele veio. Está aqui e é o que importa. Se não cura de imediato todos os
nossos ossos quebrados e nossos amores e nossa vida, ele entra em todos eles e
se reparte como o pão, e nos alimenta. E nos mostra que podemos usar nossas
próprias feridas como alimento para aqueles que amamos…

Todos os
nossos sofrimentos podem ser convertidos e suas obras, nossas paixões em sua
ação. É por Isto que ele Instituiu a oração, disse Pascal, para emprestar às
criaturas a dignidade de causalidade (…)

Assim a
resposta de Deus para o problema do sofrimento não apenas aconteceu realmente
há dois mil anos, mas ainda acontece em nossas próprias vidas. . . Todo o nosso
sofrimento pode-se tornar parte de sua obra, a maior obra jamais realizada, a
obra da salvação, de ajudar a conquistar a felicidade eterna para todos os
homens que amamos.

Isto pode
ser feito com uma condição: que tenhamos fé. Pois a fé não é apenas uma escolha
mental que fazemos dentro de nós; é como uma transação com ele… A parte dele
já está terminada (‘está consumado’, ele disse na Cruz). Nossa parte é a de
receber o seu trabalho e deixar que ele naturalmente aja dentro e além das
nossas vidas, incluindo nossas lágrimas. Nós oferecemos isso a ele, e ele
realmente toma nossas vidas e as suas de maneira tão poderosa que ficaríamos
impressionados.

O cristão
vê o sofrimento, como vê todas as coisas, de maneira totalmente diferente, num
contexto totalmente diferente, da dos descrentes” (p. 143s).

“Vamos dar
um passo para trás. Nós começamos com o mistério não apenas do sofrimento, mas
o do sofrimento num mundo supostamente criado por um Deus que ama. Como tirar
Deus do anzol? A resposta de Deus é Jesus, Jesus não é Deus fora do anzol, mas
Deus no anzol. E por isto que a doutrina da Divindade de Cristo é crucial: se
não é Deus na Cruz, mas apenas um homem bom, então Deus não está no anzol, na
Cruz, no nosso sofrimento. E, se Deus não está no anzol, então Deus não está
fora do anzol. Como poderia ele sentar-se no céu e ignorar nossas lágrimas?”.

Há, como
vemos, uma boa razão para não acreditarmos em Deus: o mal. E Deus, ele mesmo,
respondeu a esta objeção não com palavras, mas com ações e lágrimas. As
lágrimas de Deus são Jesus” (pp. 147s).

2.3.
Sofrimento e Ateísmo

Interessante
é também o seguinte raciocínio sobre o ateísmo:

“Pode
haver um argumento muito bom contra Deus – o mal -.Mas há muitos outros bons
argumentos a seu favor. Na verdade, há pelo menos quinze argumentos diferentes
a favor de Deus. O mal é uma evidência contra Deus. Mas a maioria das
evidências são a favor de Deus. Os ateus devem responder a todos os quinze
argumentos, os que crêem em Deus devem responder a apenas um” (p. 40).

Em suma, a
leitura do livro é muito enriquecedora. Abre perspectivas interessantes, visto
que o autor tem grande cultura filosófica, teológica e literária. As vezes usa
de linguagem um tanto obscura, que o tradutor não ajuda a esclarecer. Também o
estilo poético e metafórico de algumas passagens deixa o leitor inseguro quanto
à interpretação. Mas a obra como tal é de grande valor; merece ser lida com
vagar e atenção, pois ela fala profundamente ao leitor, mesmo ao menos disposto
a crer na Providência Divina.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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