Banalização da Comunhão

Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 490 – Ano 2003 – p.
187

Vai a seguir, publicado um
artigo do Sr. Cônego Antonio M. da Cruz (arquidiocese de Juiz de Fora, MG),
experimentado pastor, cujas ponderações merecem atenção, pois abordam problemas
que frequentemente são comentados em ambientes pastorais. – Ao Sr. Cônego A. da
Cruz seja consignada a gratidão de PR pela valiosa colaboração.

“A partir da publicação da
instrução “Memoriale Domini”, portanto, de há três anos para cá, algumas Conferências
Episcopais pediram à Santa Sé para permitir que os ministros da Sagrada Comunhão,
quando distribuem estas aos fiéis, possam depor as Espécies Eucarísticas nas mãos
dos mesmos fiéis”. Assim se inicia a Quarta parte da instrução “Immensae
caritatis”, da Sagrada Congregação para o Culto Divino, de 29/01/73. Por sua
vez a Instrução “Inaestimabile Donum”, de 03/04/80, da mesma Sagrada Congregação,
diz no nº 11:
“Quanto ao modo de se apresentar à Comunhão, esta pode ser
recebida pelos fiéis tanto de joelhos como de pé, de acordo com as normas
estabelecidas pela Conferência Episcopal”. O modo de o fiel comungar de pé está
autorizado também pela Nova Instrução sobre o Missal Romano, que diz no nº  160, conforme nos informa o liturgista Frei
Alberto Beckhäuser, OFM, em seu recente livro “Novas Mudanças na Missa”: “Os
fiéis comungam ajoelhados ou de pé, conforme for estabelecido pela Conferência
dos Bispos”. Quanto à comunhão recebida na mão ou diretamente na boca, a
Notificação da Sagrada Congregação para o Culto Divino, de 03/04/85 diz:
“Os
fiéis jamais serão obrigados a adotar a prática da Comunhão na mãe; ao contrário,
ficarão plenamente livres para comungar de um ou de outro modo”, isto é,
recebendo a sagrada Eucaristia na mão ou diretamente na boca. Com base,
portanto, em documentos da Sagrada Congregação para o culto Divino, ficou
praticamente instituída a comunhão em forma processional, de pé e recebida na mão.
A comunhão recebida dessa maneira tem sem dúvida seu significado e seu
simbolismo. Seus efeitos, porém, foram desastrosos, como veremos a seguir.

A comunhão feita em fila, de
pé e recebida na mão produziu uma sensível banalização da mesma a partir da década
de 70, o que resultou em um rápido aumento do número de comunhões e também,
como fruto da mesma banalização, um notável decréscimo do número de confissões,
produzindo-se assim uma falsa convicção de que afinal não seria necessário ter tanta
preocupação com o estado da alma, se em estado de graça ou não, para receber a
Eucaristia e que bastaria “se confessar com Deus”. Preocupado com essa situação
o então bispo de Petrópolis, com Manuel Pedro da Cunha Cintra, emitiu na época
uma circular denominada “Comungar dignamente”. O principal inconveniente
causado pela comunhão feita em forma processional e recebida na mão e de pé é o
caso de pessoas que, divorciadas e recasadas ou casadas com divorciados, se
apresentam para receber a Eucaristia.
Segundo comentários que se ouvem frequentemente
isso dá a convicção de que pelo menos nas Missas dominicais de maior afluência
sempre haverá uma ou mais comunhões feitas indevidamente. Outras pessoas não
cumprem o preceito dominical, mas vêm à Missa de vez em quando e fazem a comunhão
com o pecado de não terem cumprido aquele preceito. Outras, ainda (inclusive,
embora raramente, bêbados) entram na fila porque outras pessoas entraram e às
vezes nem sabem como receber a comunhão na mão, dando a nítida impressão de não
estarem em condições de recebê-la. Outra consequência da banalização da comunhão
é o fato de entrarem na fila pessoas com vestes reduzidas, com evidente falta
de respeito para com o Ssmo. Sacramento. Há também o perigo de pessoas que,
virando as costas com a partícula sagrada na mão, possam ocultá-la para ser
levada para finalidades sacrílegas.
Não só a comunhão de pé e recebida na mão
produz os inconvenientes acima referidos, mas a própria forma processional de
receber a comunhão de pé e na mão faz com que a pessoa seja menos notada e
facilitada assim a comunhão indevida. Concorre também um pouco a banalização da
comunhão, a meu ver, a comunhão feita com as próprias mãos, por parte de “ministros”
que se acham no presbítero, molhando a sagrada partícula no Preciosíssimo
Sangue, como se fossem concelebrantes, o que é expressamente reprovado pela
Instrução interdicasterial da Santa Sé, de 15/8/97 (art. 8º, parágrafo 2), e
ainda a distribuição da comunhão por ministros leigos quando o número de
comungantes não “é tão elevado que o obrigaria a prolongar excessivamente o
tempo da celebração da Missa”, condição posta pela Instrução “Immensae
Caritatis”, acima citada, para que o ministro leigo possa exercer sua função, o
que é igualmente exigido pela mesma Instrução Interdicasterial acima referida
(art. 8º, parágrafo 2º). Por tudo isso o ideal é que, a meu ver, a fila fosse
abolida pela CNBB e até pela Santa Sé, e que os comungantes se ajoelhassem um
ao lado do outro no primeiro degrau do presbítero, o sacerdote com os ministros
leigos iriam passando e dando a comunhão. Tenho a convicção de que dessa forma
o número de comunhões feitas sem as disposições necessárias diminuiria
bastante. (Todas as vezes que falo sobre essas disposições necessárias, noto
uma diminuição do número de comunhões).

Alguém poderia objetar que,
sendo a Eucaristia um sacramento em forma de alimento, não deveria ser recebida
de joelhos porque ninguém se alimenta ajoelhado. Essa comparação não se rege
porque também ninguém se alimenta de pé, mas sentado, nem que seja de cócoras,
como fazem os bóias-frias. A questão é preservar a honra e o respeito devidos
ao Ssmo. Sacramento e prevenir, enquanto possível, as comunhões feitas sem as
necessárias disposições. Aliás, quando eu era pároco, percebendo os inconvenientes
da fila, pedi que os comungantes ficassem um ao lado do outro, embora de pé. Se
naquela ocasião eu tivesse tido a oportunidade de adquirir a Instrução “Inaestimabile
Donum”, da Sagrada Congregação para o Culto Divino, de 3/4/80, teria pedido
também aos fiéis que se ajoelhassem para fazer a comunhão. Pelos motivos aqui
apontados, há grupos de leigos que preconizam a comunhão dessa forma, o que aliás
é mais piedoso e respeitoso para com o Ssmo. Sacramento. É claro que em grandes
concentrações, principalmente ao ar livre, a comunhão de joelhos não seria possível.
Por outro lado, se o sacerdote fizer questão, embora indevidamente, de só dar a
comunhão na mão, na prática é necessário obedecer.

Uma vez eu estava hospedado
em uma casa paroquial e o pároco teve que se ausentar. Viria outro sacerdote
celebrar uma Santa Missa de formatura. No sacrário havia uma âmbula contendo hóstias
até a metade. Pensei comigo: “Em missa de formatura poucas pessoas comungam”; e
não providenciei outro cibório. Ledo engano: Na hora da comunhão, estando a
Igreja repleta, quase todo mundo entrou na fila. Há pessoas que em uma ocasião
como essa acham que é chique comungar! Quando até pouco após o Concílio a
comunhão era feita de joelhos, quem não tinha um mínimo de piedade não se
aproximava para fazê-la. É verdade que comunhões sacrílegas sempre houve, mas não
tanto como atualmente, ao que tudo indica. São Paulo, na 1ª Carta aos Coríntios,
já lamentava isso.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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