As surpresas da Fecundação Artificial

Revista:
“PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D.
Estevão Bettencourt, osb


490 – Ano 2003 – p. 179

Em
síntese: Têm-se verificado casos inesperados resultantes da fecundação
artificial: comercialização do ventre feminino, mãe e irmã ao mesmo tempo,
incesto sem contato sexual… Essa revolução vai diluindo cada vez mais o
conceito de família, que na verdade deveria ser preservada como o berço em que
se forma a personalidade do indivíduo. O presente artigo apresenta os casos
mais significativos da perniciosa reviravolta da sociedade.

Por
“fecundação artificial” entendemos todo processo reprodutivo que foge às leis
da natureza; esta proporciona dois sexos que se devem completar espiritual e
corporalmente, de tal modo que são inaceitáveis a fecundação em proveta, a
barriga de aluguel, a clonagem…

De
modo especial a clonagem fere as leis da natureza. Distinguem-se a clonagem reprodutiva
(produz “cópia carbono” do(a) doador(a) da matéria genital) e a clonagem terapêutica,
que produz embriões a ser manipulados em favor de adultos enfermos e,
posteriormente, destruídos.

 

A
clonagem terapêutica é condenável porque não leva em conta o fato de que o
embrião é verdadeiro ser humano, cuja vida deve ser respeitada como a do
adulto.

Quanto
à clonagem reprodutiva, embora se lhe apontem vários inconvenientes (nula a
identidade do(a) clonado(a), velhice precoce, nova forma de escravidão…),
continua a ser experimentada por grupos (clandestinos ou não clandestinos),
movidos pela volúpia da conquista científica. Em particular, a seita Raeliana,
fundada pelo “Reverendíssimo Rael”, com sede nas proximidades de Montréal
(Canadá), tem-se empenhado por tentar clonar personagens famosos, inclusive
Jesus Cristo: alega faltar-lhe dinheiro para custear as despesas de tão ousado
(e utópico) empreendimento e, por isto faz pedidos de doações via Internet. A
seita raeliana, aliás, em janeiro 2003 anunciou (sem apresentar provas) o
nascimento de dois bebês clonados pela Clonad (“braço científico” dessa seita
religiosa). Outras seitas fanáticas alimentam semelhantes projetos.

A
imprensa tem dado notícias dos problemas – em parte imprevistos – que têm origem
na fecundação artificial e suas modalidades. Merece atenção o quadro
apresentado pelo jornal O GLOBO de 12/01/03, Caderno da Família, p. 2.

1.
Surpresas que fazem pensar

São
extraídos do citado jornal O GLOBO os seguintes episódios:

EMBRIÕES
ÓRFÃOS

Uma
clínica na Austrália mantém dois embriões congelados de um casal de milionários
morto num acidente de carro em 1983. Ao saber da fortuna em jogo, numerosas
mulheres ofereceram-se para gerar os bebês. Mas a justiça da Austrália decidiu
manter os embriões congelados.

O
dinheiro pesa mais do que as crianças.

NINGUÉM
QUER ESTES BEBÊS

No
meio de 2001 faltavam apenas três meses para a mãe de aluguel inglesa Helen
Beasley ter um casal de gêmeos e ela ainda procurava alguém para adotá-los.
Beasley alugou o útero por US$ 20 mil a um casal americano submetido à
fertilização in vitro. Mas o casal queria apenas um filho e desistiu dos bebês.
Ela se negou a fazer aborto porque a gravidez estava adiantada.

O
ventre humano seria incubadora que se alugue? E as crianças seriam mercadoria
que se pode encomendar e, se não agrada pode devolver?

BRIGA
POR EMBRIÕES

Um
casal disputa a guarda de sete embriões na Justiça dos EUA. Submetido à
fertilização in vitro em 95, o casal, hoje separado, teve implantados quatro
dos 11 embriões obtidos. Os dois tiveram um filho e agora o ex-marido quer que
os embriões sejam implantados em sua nova mulher.

É
o caso de perguntar: quem é quem? Quem é o pai? Quem é a mãe?

TIA
E MÃE AO MESMO TEMPO

A
menina Elizabetta nasceu em Roma, em 1995, dois anos depois de sua mãe biológica
morrer. A menina foi gerada pela irmã de seu pai biológico, que serviu de mãe
de aluguel, recebendo um embrião congelado da cunhada e do irmão. Elizabetta
vive com a sua tia, e também mãe.

Mesmas
perguntas…

DOIS
PAIS E UMA SÓ MÃE

O
casal homossexual inglês Barrie Drewitt e Tony Barlow alugou o útero de uma
mulher para receber dois embriões, concebidos com os espermatozóides deles e o óvulos
vendidos por uma americana. Os bebês, cada um de um pai, mas com a mesma mãe,
nasceram em janeiro.

Quem
fará as vezes de mãe para essas crianças?

MÃE-VIRGEM

Em
1987, a
pastora americana Lesley Northrup foi mãe-virgem. Ela teve um óvulo fertilizado
com um espermatozóide de um doador desconhecido. O embrião foi implantado em
Northrup, virgem e solteira, sem a necessidade do ato sexual.

Criança
educada sem pai

INCESTO
SEM SEXO

Uma
francesa deu à luz há dois meses um filho de seu irmão nos EUA. Jeanine
Salomone, de 62 anos, pagou quase US$ 100 mil para ter uma menina, que nasceu há
cinco semanas. O espermatozóide foi doado pelo seu irmão. A clínica confessou
que não pediu a certidão de casamento dos dois.

Pai
e tio!

COM
ESPERMATOZÓIDE DO MARIDO MORTO

Em
1999, a
viúva americana Gaby Vernoff deu à luz nos EUS a um filho gerado a partir de
seu óvulo e do espermatozóide congelado de seu marido, morto em 1995. Foi o
primeiro caso do tipo no mundo.

Fecundação
despersonalizada.


SERVE SE FOR SURDO

As
americanas Sharon Duchesneau e Candace McCullough usaram a inseminação
artificial para ter dois filhos surdos como elas. Para gerar Jehanne, de 5 anos,
e Gauvin de 5 meses, o casal lésbico contou com a ajuda de um amigo da família,
também surdo, depois que vários bancos de esperma se recusaram a colaborar com
seus planos.

Planejamento
familiar!

E
com isto vão-se alterando os conceitos…

2.
Os conceitos se modificam

As
novas práticas genéticas alteram conceitos e realidades básicas da sociedade
contemporânea.

Especialmente
a noção e a realidade da família são postas em xeque.

A
família clássica é a célula que resulta da união de um homem e uma mulher cujo
amor recíproco se espelha na prole. Os genitores são também os educadores de
seus filhos, que lhes respondem com seu afeto filial. – Pois bem…

O
primeiro golpe infligido à família ocorre quando o marido ou a mulher têm relações
extra-conjugais, das quais nas uma prole. Ouve-se então o filho dizer: “A mãe
do meu irmão…” ou “o irmão do meu irmão…”. Em nossos dias a legislação
brasileira equipara entre si filhos legítimos e ilegítimos.

O
segundo golpe desferido contra a família é o da fecundação artificial. Entra em
jogo um(a) desconhecido(a) responsável, de algum modo, pela prole. Nem sempre
se pode falar de pai e mãe, mas se fará menção “daquele ou daquela que exerce
as funções de pai ou mãe”. A figura do pai genético cede à figura do pai
funcional; o mesmo acontece com a mãe.

O
terceiro golpe que a família sofre é o das legalizadas uniões homossexuais e lésbicas,
algumas das quais pleiteiam o direito de adotar e educar uma criança.

Caso
se dê a clonagem humana, estará totalmente destruída a família, pois, em vez da
relação paternidade, maternidade e filhos, haverá fraternidade ou o
relacionamento do original com sua cópia carbono: poder-se-á perguntar: qual
será a identidade do indivíduo clonado? Resultaria do seu teste de DNA? Mas
este seria igual ao do teste do indivíduo original. O mesmo se diga das impressões
digitais. E que parte de herança lhe tocará, visto que será filho dos seus avós
(ou dos que na sociedade passam por seus avós)?¹

2.
Aliás o novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor no mês de janeiro
2003 também fere a família nos seguintes termos:

a)
para que se possa falar de “união estável” com direitos de esposo e esposa, já
não se requerem dois anos de convivência sob o mesmo teto, mas basta que “a
união seja pública, contínua e duradoura” mesmo sem coabitação;

b)
para que um dos cônjuges possa pedir divórcio, basta-lhe alegar “falta de amor”;

c)
quem alega este ou outro motivo de separação, pode estar tranqüilo (ao contrário
do que acontecia outrora), pois não perderá o direito à pensão;

d)
a “plena comunhão de vida” sem contrato matrimonial é equiparada à união
conjugal: São dados aos parceiros os mesmos direitos e deveres que a esposo e
esposa.

Todavia
continua vigente a cláusula que confere ao casamento religioso efeitos civis: O
casal deverá levar ao Cartório o registro da cerimônia religiosa devidamente
realizada.

Frente
a essas invectivas a Igreja se empenha por manter viva na sociedade contemporânea
a consciência de que a família, tal como sempre foi concebida, é o esteio das
estruturas sociais e a escola de formação das personalidades. São palavras do
Concílio do Vaticano II na Constituição Gaudium et Spes nº 52:

“A
família, na qual convivem várias gerações que se ajudam mutuamente em adquirir
maior sabedoria e em harmonizar os direitos pessoais com as outras exigências
sociais, constitui o fundamento da sociedade. Por isso todos aqueles que
exercem influência nas comunidades e nos grupos sociais devem trabalhar
eficazmente para a promoção do matrimônio e da família. O poder civil deve
considerar como sua função sagrada reconhecer, proteger, cultivar a sua
verdadeira natureza, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade
dos lares. Deve-se garantir o direito dos pais de procriar filhos e educá-los
no seio da família. Os que, infelizmente, não têm o benefício da família sejam
também protegidos por uma legislação prudente e iniciativas variadas e
socorridos por uma ajuda adequada”.

¹
A propósito notam os autores que não se deve exagerar a semelhança do indivíduo
clonado com o clonante; as influências do meio ambiente poderão ter repercussão
sobre o físico e o psíquico do clone.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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