As Igrejas Orientais

Os cristãos orientais cismáticos constituem dois blocos principais: 1) os nestorianos e monofisitas, que se separaram da Igreja Universal em 431 e 451 respectivamente, por motivos doutrinários (são heterodoxos); 2) os cristãos ortodoxos que, embora guardassem a reta fé, separaram-se por motivos disciplinares.

Vejamos uns e outros.

1. Nestorianos e monofisitas

No século V os teólogos procuraram exprimir em fórmulas precisas o mistério da Encarnação do Filho de Deus

Houve então uma corrente dita “nestoriana”, porque encabeçada por Nestório, patriarca de Constantinopla desde 428. Afirmava que em Jesus havia dois “eus” ou duas pessoas: uma divina, com a sua natureza divina, e outra, humana, com a sua natureza humana. Essa doutrina foi rejeitada pelo Concilio de Éfeso em 431, pois não ressalvava devidamente a noção de Encarnação. Todavia, muitos seguidores de Nestório não aceitaram a decisão do Concilio e se separaram da Igreja, formando o bloco nestoriano Espalharam-se até a China e a Índia, mas em nossos dias estão reduzidos a pequeno número, pois nos últimos quatro séculos a maioria voltou à comunhão católica.

Pouco depois, uma corrente de teólogos propôs doutrina contrária de Nestório: em Jesus haveria um só “eu” e uma só natureza (a divina), pois a humanidade teria sido absorvida pela divindade. Eram os chamados “monofisitas”, chefiados por Dióscoro de Alexandria. A sua tese foi rejeitada pelo Concílio de Calcedônia em 451, que afirmou haver em Jesus uma só pessoa (divina) ou um só “‘eu” e duas naturezas (a divina e a humana) Muitos monofisitas não aceitaram a definição de Calcedônia e se separaram da Igreja Católica; são hoje cerca de cinco milhões no Egito, na Etiópia, na Síria e na Armênia; já não professam a doutrina de Dióscoro, de modo que a sua volta  a comunhão católica está facilitada. Aliás, em 11/11/1994 o Patriarca Mar Dinkha IV, da Igreja Assíria do Oriente, e o Santo Padre João Paulo II assinaram uma declaração que professa a mesma fé cristológica; este foi um caso entre outros semelhantes ocorridos anteriormente.

2 Orientais ortodoxos

No decorrer dos séculos os cristãos do Oriente e do Ocidente foram  sendo caracterizados por culturas diferentes: a grega no Oriente, cuja capital  era Bizâncio ou Constantinopla (Istambul na Turquia de hoje), que pretendia  ser a “Nova Roma” a partir de 330, e a latina no Ocidente, cuja capital era Roma. Em 800 sob Carlos Magno, foi instaurado o Sacro Império Romano da Nação Franca – o que muito irritou os bizantinos, pois a um “bárbaro” era entregue a coroa imperial. Além disso, falavam uns o grego e outros o latim; os costumes litúrgicos e a disciplina iam se diferenciando aos poucos. Ora, isso causou mal-atendidos e rivalidades crescentes entre cristãos bizantinos e cristãos latinos a controvérsia iconoclasta nos séculos VIII e IX abriu mais ainda o fosso entre uns e outros, pois na ocasião se revelou mais claramente o desprezo dos imperadores bizantinos pelo Ocidente europeu.

Eis alguns dados que ajudam a compreender o hiato que, com o decorrer dos séculos, foi se abrindo entre Roma e Constantinopla.

Em Bizâncio foi sendo formada uma mentalidade própria dita “o bizantinismo”. Esta se deriva do fato de que, como dito, em 3300 imperador romano Constantino transferiu a capital do império de Roma para Bizâncio, localidade situada às margens do Bósforo e pouco significante na história até então.  Do ponto de vista eclesiástico, Bizâncio carecia de importância; a sua comunidade crista não  fora fundada por algum dos apóstolos (como as de Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Roma…). Compreende-se então que o prestígio que Bizâncio não possuía por suas tradições, os bizantinos o quisessem obter por suas reivindicações. De modo geral, ia se tornando difícil aos bizantinos reconhecer a autoridade religiosa de Roma, já que todo o esplendor da corte imperial se havia transferido para Constantinopla.

Acresce que os imperadores bizantinos, herdeiros do conceito pagão de Pontifex Maximus (Pontífice Máximo, no plano religioso), ingeriam-se demasiadamente em questões eclesiásticas, procurando manter a Igreja Oriental sob o seu controle. Os monarcas, nas controvérsias teológicas, muitas vezes favoreciam as doutrinas heréticas, contrapondo-se assim a Roma e ao seu bispo, que difundia a reta fé. Os patriarcas de Constantinopla, por sua vez, muito dependentes do imperador, procuravam a preeminência sobre as demais sedes episcopais do Oriente. Além disso, queriam rivalizar como Patriarca de Roma, sucessor de Pedro, aderindo à heresia e provocando cismas: dos 58 bispos de Constantinopla, desde Metrófanes (315-325) até Fócio (858), um dos vanguardeiros da ruptura, 21 foram partidários da heresia; do Concilio de Niceia I (325) até a ascensão de Fócio (858), a sede de Bizâncio passou mais de 200 anos em ruptura com Roma.

Registraram-se mesmo atos de violência cometidos por imperadores contra alguns papas: Justino I mandou buscar à força o Papa Vigílio em Roma e quis obrigá-lo a subscrever normas religiosas baixadas pelo monarca (cerca de 550); Constante II procedeu de forma análoga contra o Papa Martinho I, que em Roma (649) se opusera à heresia monotelita, favorecida pelo imperador; Justiniano II mandou prender em Roma o Papa Sérgio 1, que não queria reconhecer inovações promulgadas pelo Concílio Trulano II em Constantinopla (692); Leão III, iconoclasta, em 731 subtraiu a Roma a jurisdição sobre a Ilíria  e sobre parte do “Patrimônio de São Pedro” (Itália Meridional).

Finalmente, as divergências deram ocasião a um cisma ou uma ruptura definitiva em 1054, por obra do Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla. Os gregos acusavam os latinos de haver acrescentado ao Símbolo de Fé niceno-constantinopolitano a palavra “Filioque” (o Espírito Santo procede do Pai “e do Filho”); este acréscimo corresponde a autêntica verdade, mas os bizantinos alegavam que não era lícito retocar o texto dos concílios anteriores. As outras alegações dos bizantinos versavam sobre o pão ázimo ou pão fermentado na Eucaristia, jejum aos sábados, uso de barba – coisas muito secundárias. Com os gregos, outros orientais (rumenos, búlgaros, russos…) se separaram de Roma. Constituem hoje um bloco de cerca de 173 milhões de fiéis Chamam-se “ortodoxos”, porque nos tempos das controvérsias teológicas sobre a Santíssima Trindade e Jesus Cristo (séculos IV-VIl) sempre tiveram a reta doutrina (ortodoxia) Houve tentativas de reunião dos ortodoxos com os católicos através dos séculos principalmente por ocasião dos  Concílios de Lião II (1274) e Florença (1438-45) todavia, os resultados foram efêmeros.  Em nossos dias, há grande aproximação entre Roma e Constantinopla, pois na verdade são poucas as diferenças doutrinárias que separam do catolicismo os ortodoxos orientais.

 O que dificulta o diálogo entre ocidentais e orientais não são apenas questões teológicas e disciplinares mas também questões de ordem cultural e política. Até hoje os orientais se sentem traumatizados pela fundação de um império latino no Oriente, por ocasião das Cruzadas. De resto, quanto menos estudo há de parte a parte, mais facilmente se impõem os sentimentos; o ecumenismo requer fé e certa cultura religiosa, capaz de superar ressentimentos de índole meramente cultural ou nacionalista. É de notar, porém, que a excomunhão lançada por Roma sobre Constantinopla foi retirada após o Concilio Vaticano II; os bizantinos também cancelaram a excomunhão que lançaram sobre Roma em 1054.

A fim de evitar o relativismo religioso, é oportuno frisar que a Igreja, representada pelo sucessor de Pedro em Roma e pelos fiéis que estão em comunhão com ele, continua a ser, mesmo após a separação de Bizâncio e de outros grupos cristãos, a depositária junto à qual os homens encontram incontaminados os meios necessários à sua santificação.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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