As grandes e numerosas Catedrais da Idade Média

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As belíssimas Catedrais foram um marco da Idade Média, que até hoje são admiradas. Do século XII em diante tivemos a construção de numerosas delas. Foi um tempo de glória da arquitetura e arte da Idade Média, que desmente cabalmente os que a querem chamar de “Idade das Trevas”.

As Catedrais foram por excelência as obras de arquitetura e arte mais representativas da Idade Média ocidental cristã. Nelas a sociedade humana dessa época exprimiu e revelou toda a sua criatividade, profunda espiritualidade, capacidade técnica e talentos. Os castelos medievais e as maravilhosas Catedrais continuam de pé, desafiando os séculos (Ferguson, 1970, p. 220).

Paul Johnson (2003), historiador da arte, disse: “As catedrais medievais da Europa são as obras de arte mais talentosas da humanidade em todo o teatro das artes”.

As Catedrais góticas da Europa são especialmente impressionantes. A sua impressionante coerência geométrica não é por acaso; é fruto do pensamento católico. Os pensadores católicos estavam persuadidos das ligações entre as matemáticas, a geometria em particular, e Deus. O Ocidente cristão identificava a matemática com o divino. Esse pensamento levou os construtores das catedrais a conceberem a arquitetura como aplicação da geometria, e a geometria como aplicação da teologia, e o projeto de uma catedral gótica como uma imitação do divino Mestre.

Os estudiosos acreditavam que a geometria era um meio de ligar o ser humano e Deus, e que era um veículo para revelar à humanidade os segredos dos Céus. Da mesma forma consideravam que a harmonia da música era baseada na mesma causa da formação da ordem cósmica e que o Cosmos era uma obra de arquitetura e Deus era esse Arquiteto.

Assim como o grande Geômetra criou o mundo em ordem e harmonia, então o arquiteto gótico, em seu limitado modo, devia imitar a Deus de acordo com os seus princípios de proporção e beleza. É impressionante a proporcionalidade geométrica das catedrais. Alguns exemplos disso são a Catedral de Salisbury na Inglaterra e a de São Remi em Reims na França. O coro da Catedral de São Remi está entre os mais perfeitos símbolos da Santíssima Trindade na arquitetura gótica. Para destacar o número “três”, usaram três janelas de luz cada uma em cada um dos três ápices principais.

O gosto pela precisão geométrica não era mera coincidência. Santo Agostinho em sua obra De Música, que se tornou o tratado de estética mais influente da Idade Média, considerava a arquitetura e a música as mais nobres das artes, uma vez que sua proporção matemática eram aquelas do próprio universo, e que elevavam as nossas mentes à contemplação da ordem divina.

A ênfase dada na luz e nas janelas das catedrais góticas mostra a importância do significado da luz na teologia. Santo Agostinho tinha concebido o conhecimento adquirido pelo homem como uma iluminação divina. Deus ilumina a mente com o conhecimento; isso servia de inspiração para o arquiteto gótico medieval. A luz física era uma maneira de evocar pensamentos da sua fonte divina; elevava o pensamento do mundo para Cristo, “a Luz do Mundo”.

Como os olhos adoradores se dirigiam para os céus, a graça de Deus, em forma da luz do Sol era imaginada fluir em bênção, encorajando a exaltação. Os pecadores eram convidados a se converter e a buscar a perfeição contemplando o mundo espiritual onde Deus habita – um mundo sugerido pela perfeição da arquitetura. Tudo na catedral gótica revelava esta inspiração sobrenatural.

Enquanto a predominância das linhas horizontais dos templos gregos e romanos simbolizava uma religião influenciada pelo natural, as catedrais góticas em forma de agulhas apontadas para o céu, simbolizavam uma visão sobrenatural.

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Nenhum período da História produziu trabalhos tão grandes e majestosos de arquitetura. A luz que se espalhava nas catedrais góticas simbolizava a luz do século XIII, caracterizado por suas universidades, ensino e escolaridade, bem como o fervor religioso e o heroísmo de um São Francisco de Assis, São Domingos de Gusmão, e tantos outros.

Foi a estrutura mental dos escolásticos, como Santo Tomás de Aquino e Santo Alberto Magno, que fez surgir a Catedral gótica. A beleza, harmonia e majestade desta obra espelhavam o pensamento escolástico da época onde cada questão fazia parte de um edifício do pensamento famoso.

O estilo gótico, surgiu na Idade Média cristã como um progresso essencialmente técnico, que consistia numa diminuição das pressões exercidas pelas abóbadas, as quais podiam elevar-se pelo afilamento das flechas e o equilíbrio dos arcobotantes leves e colunas com coruchéus. As abóbadas atingiram alturas cada vez maiores: 32 m na Catedral de Paris; 37 m em Chartres; 42 m em Amiens; 48 m em Beauvais. Por outro lado a abóbada melhorava a acústica das catedrais. No período de 1170 a 1270 construíram-se na França mais de 500 grandes igrejas góticas. (Fremantle, 1970, p. 127; Duby, 1979, pp. 121, 281; Perroy, 1957, 166-167).

A figura da Catedral da Idade Média é um marco histórico. Com a sua imensa magnitude ela domina a cidade e se impõe sobre tudo o mais. Assim são as catedrais de Reims, Bolonha, Córdoba, Florença, Gênova, Milão, Paris, Monreale, Nápoles, Roma, Sevilha, Amiens, Beauvais, Chartres, Notre-Dame, Rouen, Veneza, Viena, Verona, São Paulo etc. Muitas cidades ainda hoje podem exibir uma grande catedral, que construída na Idade Média, símbolo de fé autêntica e amor a Deus. Com suas imponentes torres avançando para o Céu elas revelam a profunda aspiração do homem do seu tempo. Elas surgiram no ponto alto da Idade Média juntamente com a Cruzada, a Universidade, as Peregrinações e as Sumas teológicas.

Poucos sabem que o imperador Carlos V foi coroado em São Petrônio, em Bolonha. E há fatos marcantes na vida dessas obras de arte e de fé. Os carros que transportavam os materiais para a construção da catedral de Chartres eram puxados por homens pecadores que procuravam saldar a sua dívida com Deus. A Catedral de Monreale, dedicada à Virgem Maria, foi construída pelos muçulmanos que a admiravam. A Catedral de Milão é um voto oferecido por Gian Galeazzo Visconti. A argamassa usada na construção da catedral de Viena foi temperada com vinho (Marchi, 1991).

Cesare Marchi viajou pelo mundo para estudar quinze das mais importantes Catedrais medievais e narrou a impressionante história de cada uma delas em seu livro Grandes Pecadores, Grandes Catedrais. A Catedral é a opus Dei, a obra de Deus. Tudo o que ela possui é para a glória de Deus! A beleza, a arte, o requinte são a expressão maior e total da fé. Atrás de cada um desses elementos há um longo passado. Raul Glaber, um monge conhecido, cronista do ano mil disse que “o branco manto das igrejas cobria o mundo”. Para isso o homem medieval precisou aprender a talhar bem a pedra, a pintura com a técnica do afresco, os vitrais que contavam toda a espécie de histórias, a arquitetura, a arte etc.

A partir de 1050, e por toda parte, em todos os países onde a Igreja guiava os homens, houve uma febre na construção de Catedrais. As Catedrais de Cremona, de Piacenza, de Ferrosa, de Santa Maria do Trastevere em Roma, de Cambridge, Oxford, Glasgow, Worms, Hildesheim, Salomanea, Coimbra, são contemporâneas das francesas, já citadas; bem como as de Assis, Rochester, Worcester, Westminster na Inglaterra; Magdeburgo, Frankfurt e Colônia na Alemanha.

Muitas dessas Catedrais foram construídas no mesmo lugar de outras, que por serem cobertas de madeira, muitas vezes sofreram incêndios. A maioria dessas Catedrais são colossais, uma vez que as multidões as ocupavam totalmente. Havia também o desejo do povo de oferecer a Deus uma digna e bela morada. As cidades competiam entre si.

É lógico que esta fecundidade artística e espiritual tem causas profundas e não é fruto de mero entusiasmo passageiro ou fruto da improvisação. Foram cerca de 300 anos de cultura. As obras não são cópias umas das outras. Os grandes artistas estavam presentes. A Igreja e a fé católica foram a grande inspiradora de todo esse trabalho, o guia que mostrou aos artistas o seu fim. O mundo ocidental nunca será suficientemente grato a ela, pois, buscando louvar a Deus fez os homens reconhecerem “o valor único da arte”, como disse Jacques Maritain.

Os grandes autores dessas obras imensas foram ainda os monges da Igreja. Até o século XII a arte foi monástica. As igrejas das abadias precederam as Catedrais dos bispos, e abriu-lhes os caminhos. A Igreja da abadia de Cluny tinha 30 metros de altura e sua nave tinha mais de cem metros, rodeada por sete campanários. Cluny estava na vanguarda da escultura e da arquitetura ocidental; era a arte para o serviço e para a glória de Deus. Eles desenvolveram as técnicas das grandes abóbadas. E também o desenvolvimento dos vitrais se deve aos monges. Infelizmente o vandalismo do século XIX destruiu a formidável e imensa igreja de Cluny. Seria impossível escrever os nomes de todos esses monges artistas geniais.

Um deles, Suger, abade de Saint-Denis, filho de um pobre servo de gleba, foi um gênio que se destacou na teologia, política, diplomacia e em todas as artes. Ele empregava todos os meios possíveis para “tornar a casa de Deus mais admirável”. Esta arte monástica durou tanto quanto a Idade Média e a ultrapassou. Tudo era harmonioso nas abadias, e ainda hoje os seus claustros são admirados pelos turistas do mundo todo.

Os bispos eram os principais construtores das catedrais, mas não estavam só, estava com eles o povo cristão que os amava e admirava. Este povo tinha orgulho de sua Catedral, de sua enorme nave, de sua alta cúpula e de seus campanários onde o sino os chamava para rezar. Algo que poucos sabem é que a famosa Torre de Piza, na Itália, era o campanário da Catedral da cidade; ambas revestidas de mármore branco, ao lado da enorme igreja dos batismos.

Um registro do bispo Geoffroy d’Eu, um dos construtores da Catedral de Amiens, diz em 1236 que a construção foi “decidida de pleno acordo com o clero da cidade e o povo”. Todo o povo participava das obras com as suas próprias mãos e com seu entusiasmo.

Cidades modestas levantavam grandes Catedrais; pois elas eram um empreendimento social como as construções hoje dos grandes metrôs, barragens e estradas. O povo entendia que ao mesmo tempo que construía para Deus trabalhava também para si próprio. Um texto do arcebispo de Rouen ao seu irmão de episcopado de Amiens, conta-nos sobre esses mutirões, que eram voluntários:

“Viam-se homens vigorosos, orgulhosos do seu nascimento e da sua riqueza, acostumados a uma vida de ócio, atrelarem-se a uma carroça com correias e transportarem pedra, cal, madeira e muito mais… Às vezes, mil pessoas e mais, homens e mulheres, puxavam as carroças, tão pesada era a carga. E tudo num tal silêncio que não se ouvia uma única voz ou murmúrio. Quando paravam ao longo do caminho, apenas se ouvia a confissão dos pecados e uma oração pura e suplicante a Deus, pedindo perdão das faltas cometidas. Os padres exortavam à concórdia, calavam-se os ódios, as inimizades desapareciam, as dívidas eram perdoadas e os espíritos reentravam na unidade. Se aparecia alguém tão afinado ao mal que não queria perdoar e seguir o conselho dos padres, a sua oferenda era lançada fora do (carro) e ele mesmo expulso com ignomínia da sociedade do povo santo” (Daniel Rops, Vol. III, p. 395).

E as doações do povo eram generosas. Para reconstruir a catedral que ficara pequena, começava com a oferta do bispo, dos cônegos, dos burgueses ricos e dos senhores da região. O rei também contribuía generosamente. Fazia-se depois uma coleta em toda a cidade e arredores, e ninguém deixava de dar a sua oferta, mesmo os pobres e as viúvas. Eudes de Chateauroux, cardeal, disse: “Foi com os óbolos de mulheres, já idosas, que se construiu, em grande parte a catedral de Paris” (Idem).

Às vezes um grupo de artesãos doava vitrais. Tudo isto era também um meio de fazer penitências, que só os pecadores públicos não podiam participar, no entanto, os usurários podiam restituir assim o dinheiro mal adquirido. Daniel Rops conta que em Paris até a “corporação” das “mulheres da vida”, pediu ao bispo que as autorizasse a doar um vitral ou um cálice, o que foi aceito.

O que é que movia esse povo a construir tantas maravilhas pelo mundo? A resposta é a fé. Essa mesma fé que levou adiante a Cruzada para libertar o Santo Sepulcro na Terra Santa.

As mãos que as construíram eram hábeis, inteligentes, lúcidas; dominavam um ofício e uma técnica. Esses arquitetos chamados de mestres de obras, possuíam vasta cultura, sabiam o latim, adquiriam novos conhecimentos em suas viagens. O epitáfio de um deles, Pedro de Montreau, qualifica-o de “doutor dos canteiros” (doctor latomorum). Muitos desses arquitetos eram escultores.

A Biblioteca Nacional da França guarda o caderno pessoal de notas de um desses artistas famosos do século XIII, Villard de Honnecourt; trinta e três folhas de pergaminho. Tudo o interessava: as suas reflexões e desenhos se completavam. Ele fala do seu ofício com muito prazer. Seus escritos deixam claro que as catedrais não eram obras de amadores ou ignorantes. Nada foi feito por acaso e sem um projeto; as abóbadas eram calculadas matematicamente; a geometria espacial e a trigonometria eram usadas, e a estereotomia (ciência do corte da pedra) estava em evidência, sendo a resistência dos materiais já conhecida.

Até hoje o homem moderno não sabe o segredo de fabricação que fazem os vitrais românicos de um brilho admirável, mesmo com as técnicas de pintura no vidro de hoje. Há vigas de madeira na Catedral de Notre-Dame do século XIII, que até hoje não foram atacadas por insetos. Não se sabe que processo eles usaram para a conservação da madeira. Esses mestres de obras não frequentavam escolas de Belas Artes, porém, havia famílias inteiras que se dedicavam a esse trabalho. A verdadeira formação se fazia junto a um mestre. De fato, a escola acontecia na prática, nos canteiros de obras. Começava no corte e polimento das pedras e se completava nas viagens pela Europa.

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Esses artistas eram homens de ofício e de fé. Eles não eram como muitos artistas modernos que fazem a arte sacra proclamando que não têm fé. Como pode esta arte ter vida e transmitir alguma beleza? Como pode ter valor? Michel Quoist, escritor francês e sacerdote, disse que a beleza da matéria é proporcional ao espírito que a penetra. Entre os documentos que existem sobre as construções das catedrais não há nenhum que mostre conflito de interesses financeiros. Se a construção era de uma Ordem religiosa, o artista era alimentado com os monges e recebia um pagamento anual. Trabalhar para Deus já era um mérito que não podia ser avaliado em dinheiro.

Esses mestres de obra criaram as formas mais apaixonantes de toda a história da arte, e ainda hoje podemos rezar nas mesmas catedrais que rezaram São Luís de França, São Bernardo, São Francisco de Assis, São Domingos e tantos outros santos há cerca de oito séculos.

Jacques Maritain comparou a catedral gótica à Suma Teológica de Santo Tomás: uma solução elegante de geometria e física sendo que nada há nela de falso. Lefrançois-Pielion a definiu bem: “Um desenho arquitetônico revestido de beleza” (Daniel Rops, Vol. III, p. 409). Nela a técnica e a espiritualidade se encontram e se abraçam. Nesses mestres de obras circulava a seiva da fé.

Os campanários góticos, usados para colocar os sinos, atingiam alturas incríveis: 82 metros em Reims, 123 metros em Chartres, 142 metros em Estrasburgo e 160 metros em Ulm.

Retirado do livro: “História da Igreja – Idade Média”. Prof. Felipe Aquino. Ed. Cléofas.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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