Arianismo – Niceia

O início da crise doutrinal do século IV
A fé reexaminada por Ário e a resposta de Niceia

Ambiguidades da teologia de Orígenes

A teologia de Orígenes podia
oferecer argumentos a Ário por sua tendência subordinacionista:

“Dizemos que o
Salvador, como o Espírito Santo, transcende todas as criaturas, não por
comparação, mas por uma transcendência absoluta; o Pai transcende tato e até
mais do que ele próprio e o Espírito Santo transcendem os outros seres, que, no
entanto, não são desprezíveis. Ele é, na verdade, a imagem de sua bondade e o
brilho, não de Deus, mas de sua glória e de sua luz eterna, o eflúvio, não do
Pai mas de seu poder, a pura emanação de sua glória de Onipotente, o espelho
sem mancha de sua atividade, [espelho] através do qual Paulo, Pedro e seus
semelhantes vêem Deus, pois ele disse: ‘Quem me viu, viu o o Pai que me
enviou'” (Comentário ao Evangelho de João XIII,151-153).

Mas Orígenes também refutava
antecipadamente as conclusões de Ário:

“De nada na Trindade se
deve dizer que é maior ou menor, uma vez que a fonte única da divindade mantém
todas as coisas por sua Palavra ou razão, e que ela santifica pelo Espírito
(sopro) de sua boca tudo o que merece santificação… Mas existe também, além
dessa ação, uma ação própria de Deus Pai, aquela pela qual ele concedeu o ser a
todos, segundo sua natureza específica; existe também um ministério próprio do
Senhor Jesus Cristo, a respeito daqueles aos quais ele confere, segundo sua
natureza específica, a razão; por esse meio, além de ser, ele lhes concedeu o
ser em conformidade com o bem. Por fim, existe também a graça do Espírito
Santo, concedida aos que são dignos dela; é administrada por Cristo e operada
pelo Pai, segundo o mérito dos que dela se tornam capazes. O apóstolo Paulo mostra
isso claramente, explicando que a ação da Trindade é única e idêntica, quando
diz: ‘Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de
ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus
que realiza tudo em todos’ (1Cor 12,4-6). Esta frase indica muito claramente
que não há nenhuma diferença na Trindade; mas o que é dom do Espírito Santo é
administrado pelo Filho e opoerado por Deus Pai” (Dos Princípios I,3,7).

ÁRIO faz sua a profissão de fé antes de Niceia

Profissão de fé dirigida por
Ário ao bispo Alexandre de Alexandria (antes do Concílio de Niceia):

“A fé que recebemos de
nossos antepassados e que aprendemos de ti, bem-aventurado pai, é esta:
conhecemos um Deus único não gerado, o único eterno, o único sem princípio, o
único verdadeiro, imortal, o único sábio, o único bom, o único onipotente, o
único juiz, moderador e governador de todas as coisas, imutável e sem
transformação…, que gerou antes dos tempos eternos o seu Filho único, por
meio do qual ele fez os séculos e todas as coisas. [Filho] gerado não em
aparência, mas em verdade, subsistente por efeito de sua vontade, imutável e
sem transformação, criatura perfeita de Deus, mas não como uma das criaturas;
criado, mas não como uma das coisas criadas…
Contudo, como dizemos, ele foi criado com os tempos e antes dos séculos recebeu
do Pai a vida, o ser e os esplendores de glória. De fato, dando-lhe a herança
de todas as coisas, o Pai não se privou do que tem em si mesmo, de ser sem
princípio, porque ele é a origem de tudo.
Por isso é que há três substâncias: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Deus,
que é justamente causa de todos os seres, é de maneira absoluta o único sem
princípio. O Filho, gerado pelo Pai fora do tempo, criado e fundado antes dos
séculos, não era antes de ser gerado, mas, gerado fora do tempo antes de todas
as coisas, semente ele foi criado pelo Pai único. Ele não é eterno, nem
coeterno e não partilha o fato de não ser gerado como e com o Pai. Ele não tem
a existência com o Pai, como dizem alguns de um e de outro, afirmando dois
princípios não gerados. Mas como unidade e princípio de tudo, Deus é antes de
todas as coisas. Por isso ele também é antes de Cristo… Na medida, pois, em
que seu ser, sua vida e sua glória, e tudo o que lhe foi conferido lhe vêm de
Deus, Deus é o seu princípio. Ele lhe é superior como seu Deus e tem seu ser
antes dele; ele o recebe de Deus.”

O apelo à escritura contra
Ário

Antes do Concílio de Nicéia,
em uma carta encíclica ao episcopado, o bispo Alexandre de Alexandria refuta as
teses de Ário mediante a Escritura:

“Quem ouviu, alguma
vez, semelhantes coisas? Quem, agora que as ouve, não tapará os ouvidos para
impedir que essas ignóbeis palavras cheguem até eles? Quem, ouvindo João dizer:
‘No princípio era o Verbo’ (Jo 1,1), não condenará os que dizem: ‘Houve um
tempo em que ele não era’? Quem, ainda, ouvindo estas palavras do Evangelho:
‘Filho único de Deus’ (Jo 1,18) e ‘Tudo foi feito por meio dele’ (Jo 1,3), não
detestará os que afirmam que o Filho é uma das criaturas? Como pode ele ser
igual ao que foi feito por ele? Como pode ser Filho único aquele que elencamos
com todas as coisas, na categoria destas? Como viria ele do nada, ao passo que
o Pai diz: ‘De meu seio, antes da aurora, eu te gerei?’ (Sl 109,3)? Como seria
ele, em sua substância, diferente do Pai, ele que é a imagem perfeita e o
esplendor do Pai (2Cor 4,4; Hb 1,3) e que diz: ‘Quem me vê, vê o Pai’ (Jo
14,9)? Se o Filho é o Verbo e a Sabedoria do Pai, como teria havido um tempo em
que ele não existia? É como se dissessem que houve um tempo em que Deus não tinha
Palavra nem Sabedoria. Como está sujeito à transformação e à alteração aquele
que diz de si mesmo: ‘Eu estou no Pai e o Pai está em mim’ (Jo 10,38) e ‘Eu e o
Pai somos um’ (Jo 10,30), e que disse pelo profeta: ‘Vede-me; eu sou e não
mudo’ (Ml 3,6)? Mesmo que se pense que essa palavra pode ser dita pelo próprio
Pai, seria agora, no entanto, mais oportuno, julgá-la dita por Cristo, porque,
tornado homem, ele não muda, mas, como diz o Apóstolo, “Jesus Cristo é o
mesmo, ontem, hoje e pela eternidade’ (Hb 13,8). Quem os leva a dizer que é por
nós que ele foi feito, enquanto São Paulo diz: ‘Para ele e por ele todas as
coisas existem’ (Hb 2,10)? Quanto à sua afirmação blasfema de que o Filho não
conhece perfeitamente o Pai, não seria de causar surpresa, pois, uma vez que
eles decidiram a combater Cristo, desprezam também as palavras do próprio
Senhor que diz: ‘Como o Pai me conhece, eu também conheço o Pai’ (Jo
10,15)”.

A fé segundo Niceia

O símbolo de nicéia,
comparado ao símbolo batismal de Cesaréia da Palestina, que serviu de base à
sua redação (as fórmulas em itálico são as que foram introduzidas contra Ário):

Credo de Cesaréia:

Cremos em um só Deus, Pai
todo-poderoso,
criador de todas as coisas visíveis e Deus nascido de Deus, luz nascida da luz,
vida nascida da vida.
Filho único, unigênito de toda criatura,
gerado pelo Pai antes de todos os séculos, por quem tudo foi feito.

Por nossa salvação,
ele se encarnou e habitou entre nós.
Sofreu a Paixão,
ressuscitou ao terceiro dia,
subiu ao Pai
e voltará na sua glória para julgar os vivos e os mortos.
Cremos também em um só Espírito Santo…

Credo de Niceia:

Cremos em um só Deus, Pai
todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, e em um só
Senhor Jesus Cristo, Filho único gerado pelo Pai, isto é, da substância do Pai,
Deus nascido de Deus, luz nascida da luz,
Deus verdadeiro nascido de Deus verdadeiro,
gerado, não criado,
consubstancial ao Pai,

por quem tudo foi feito no
céu e na terra.

Por nós, homens, e por nossa
salvação,
ele desceu, ele se fez carne e se fez homem.
Sofreu a Paixão,
ressuscitou ao terceiro dia,
subiu ao céu,
de onde voltará para julgar os vivos e os mortos.
E [cremos] no Espírito Santo.

Quanto aos que dizem: houve
um tempo em que ele não era; ou: ele não era antes de ser gerado; ou então: ele
saiu do nada; ou que o que ele não era; ou: ele não era antes de ser gerado; ou
então: ele saiu do nada; ou que o Filhi de Deus é de uma outra substância ou
essência; ou que ele foi criado; ou que não é imutável, mas sujeito à mudança –
a Igreja os anatemiza.

 

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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