Antropologia e Generalidades – EB – Parte 8

3.1. João Batista e Elias

Mt 17,10-13: Os judeus julgavam que Elias não morrera,
mas fora arrebatado aos céus (cf. 2 Rs 2,11) e, por isto, voltaria à terra para
revelar e ungir o Messias. Ora, nos tempos de Cristo, politicamente agitados, o
profeta Elias era esperado em Israel
com particular insistência.  Pois bem;
Jesus respondeu que João Batista fizera as vezes de Elias por reproduzir as
atitudes fortes e destemidas do profeta (cf. 
Lc 1,17). O próprio João Batista negou peremptoriamente ser Elias,
quando os enviados dos judeus o interrogaram (cf.  Jo 1,21). 
A luz destas ponderações, entenda-se também o texto de Mt 11,14s.

Mais: no momento da Transfiguração apareceram a
Jesus, Moisés e Elias (cf. Mt 17,3). 
Ora, naquele tempo João já fora executado por Herodes ou já morrera. Por
conseguinte, deveria aparecer a Jesus João Batista e não Elias, conforme a
doutrina da reencarnação, pois esta ensina que, quando o espírito se
materializa, sempre se apresenta na forma da última encarnação – Donde se vê
que João Batista não era a reencarnação de Elias.

3.2. Jesus e Nicodemos

Jo 3,3: O advérbio grego iknothen, que por vezes é
traduzido por de novo, reaparece em Mt 27,51, para significar que, por ocasião
da morte de Jesus, o véu do Templo se cindiu iknothen, isto é, de cima a baixo
(não de novo).

Nicodemos não entendera as palavras de Jesus; fiel
aos ensinamentos judaicos, julgava impossível a reencarnação: “Como pode um homem nascer
sendo velho? Poderia entrar segunda vez no seio de sua mãe e voltar a
nascer?” (Jo 3,4). Jesus logo dissipou a dúvida, explicando que não se
tratava de renascer no sentido biológico, mas, sim, de nascer de outro modo, ou
seja, pela água e pelo Espírito: “Em verdade, em verdade te digo: quem não
nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo
3,5).  Positivamente, Jesus tinha em
vista o Batismo, que torna o homem filho de Deus.

3.3. Jesus e o cego de nascença

Jo 9,1s: Os judeus julgavam que todo mal é consequência
de um pecado.  Por conseguinte, no caso
de um cego de nascença, pensariam num pecado dos pais (que, segundo a
mentalidade, seria punido sobre os filhos), ou num pecado do próprio cego; esta
última hipótese deveria parecer-lhes absurda, pois sabiam que as crianças
nascem sem ter cometido previamente nem bem nem mal (cf.  Rm 9,1 1). 
Assim perplexos, largaram suas interrogações a Jesus, sem se dar ao
trabalho de procurar terceira solução para o caso. Ora, Jesus respondeu sem
abordar o aspecto especulativo da questão, elucidando diretamente a situação
concreta que Ihe apresentavam: nem uma hipótese nem outra, mas um desígnio
superior de Deus (“… para se manifestarem nele, cego, as obras de
Deus”).

De resto, a Escritura é diretamente contrária a reencarnação
quando, por exemplo, afirma: “Foi estabelecido, para os homens, morrer uma
só vez; depois do que -, há o julgamento” (Hb 9,27).  Notemos também as palavras de Jesus ao bom
ladrão: “Hoje mesmo estarás comigo no paraiso” (Lc 23,43).  Os textos muito enfáticos em que Jesus e os apóstolos
anunciam a ressurreição dos mortos, o céu e o inferno, são outros tantos
testemunhos que se opõem a reencarnação: vejam-se Mt 5,22; 13,50; 22,23-33; Mc
3,29; 9,43-48; Jo 5,28s; 6,54; lcor 15,13-19.

Sobre a reencarnação na Tradição da Igreja e a rejeição
da mesma por parte de escritores cristãos e Concílios, ver Curso de História da
Igreja por Correspondência, Módulo 11.

Conclusão:

Comparando entre si a tese da reencarnação e a
proposição cristã da ressurreição, verificamos que entre uma e outra há duas
diferenças de base ou estruturais.  Com
efeito:

1) A doutrina cristã da ressurreição supõe um Deus,
Pai Bondoso, que toma a iniciativa de criar e também de salvar a criatura.  Esta salvação, Deus a oferece ao homem no
decurso de uma vida passada na terra, vida durante a qual a graça do Salvador solicita a
criatura para a felicidade eterna.  Em
vista disto, a Sabedoria Divina provê para que nenhum auxílio falte ao homem no
decorrer de sua peregrinação terrestre. Em consequência, terminada esta vida, é
justo que a criatura humana entre na sua Sorte definitiva: a ressurreição da
carne permitirá que o ser humano, em sua identidade psicossomática, tenha a sua
justa sanção. – Tal concepção é profundamente religiosa, pois reconhece o
primado de Deus sobre a criatura e o caráter gratuito da salvação.

O mesmo não se pode dizer da mentalidade
reencarnacionista.  Com efeito; esta
atribui ao homem o poder de se remir, de se tornar perfeito por seus esforços,
fazendo praticamente abstração do auxílio divino.  Pouco ou nada entra em linha de conta de um
reencarnacionista a noção de Deus, Pai bondoso e providente, que deu existência
aos homens, quis compartilhar e consagrar o sofrimento e a morte do homem, e
sem o qual a criatura nada absolutamente pode. 
Não admira, pois, que a reencarnação tenha sido outrora, e ainda hoje
seja, frequentemente professada dentro de uma filosofia panteísta ou
monista.  Sim, as crenças hindus, que
inspiram muitos reencarnacionistas, cancelam a distinção entre o Divino e o
humano, entre o Infinito e o finito, ensinando que a Divindade “se realiza”
no homem, “vai tomando consciência de si” no homem, a medida que este
evolui ou se aperfeiçoa.  Esta tese
parece explicar que a criatura possa por si chegar a união com a divindade;
todavia é ilógica, pois coloca o finito e o Infinito na mesma linha; ora Deus,
que por si só é o ilimitado, não pode vir a identificar-se com o finito e o
contingente.

2) A cosmovisão suposta pelo reencarnacionismo é
pessimista em relação a matéria, tida como
ccircere ou sepulcro da alma (soma = sema, em grego).  A grande aspiração de muitos grupos
reencarnacionistas é libertar-se do corpo e, consequentemente, deste mundo
material e de sua história; por isto, muitos povos que professam a reencarnação,
não evoluiram em sua civilização, mas vivem em condições de miséria, porque não
Ihes interessa vincular-se aos bens materiais.

Ao contrário, a tese da ressurreição dos corpos é
otimista em relação a matéria, tida como
criatura de Deus e parte integrante do ser humano.  A este título, o corpo humano deverá
ressuscitar e participar da sorte definitiva da alma humana.  Por isto também o cristão se sente impelido a
trabalhar neste mundo material que Deus lhe deu, a fim de o configurar ao
desígnio do Criador. O cristão julga que a história tem um sentido dinâmico e
caminha para a sua plenitude, que será o Reino de Deus; está longe de ser uma
cadeia de ciclos monótonos e repetitivos, dos quais é preciso escapar.

Na base destas considerações, pode-se afirmar que a
doutrina da reencarnação, apesar dos seus aspectos místicos, não se sustenta
nem aos olhos da razão nem diante da psicologia e das experiências humanas.

Módulo 8: O Juízo Particular

O fato de que a morte coloca o homem num estado
definitivo, implica um julgamento, logo após a morte, qua assinale ao individuo
a respectiva sorte. É o que realmente se dá no chamado “juízo
particular”.

Lição 1: Fundamentação
Bíblica e Tradição

1.1. Fundamentação Bíblica

A Sagrada Escritura, embora, ao falar de juízo,
geralmente se refira ao juízo universal, am algumas passagens dá a entender
que, logo após a morte, há a determinação da sorte de cada indivíduo.

1) Em Lc 16,19-31, a parábola do ricaço e a de Lázaro leva a
concluir qua cada qual, ao deixar este mundo, recebe a devida sanção.  Lázaro é levado ao seio de Abraão, ao passo
que o avarento sofre a grande decepção. 
Isto pressupõe uma sentença de Deus sucessiva a morte; a sentença
definitiva, pois, conforme a parábola, o mau não pode passar para o lugar do
justo, e vice-versa; sentença anterior ao juízo final, pois os irmãos do ricaço
ainda vivem na terra.

2) Em Lc 23,43 as palavras do Senhor ao bom ladrão:
“Hoje estarás comigo no paraíso” insinuam que, logo após a morte, o
indivíduo, julgado e isento de culpa, goza da bem-aventurança destinada aos
justos.

3) Muito expressiva é o texto de São Paulo em 2 Cor 5,6s: “Bem sabemos
que residir neste corpo é viver em exílio, longe do Senhor, pois é a fé que
guia nossa caminhada, não a visão clara. 
Por isto enchemo-nos de coragem a preferirmos exilar-nos do corpo para
residir junto ao Senhor”.

O apóstolo associa, de um lado, residir no corpo,
estar em exílio longe do Senhor a caminhar (viver) na fé; doutro lado,
exilar-se do corpo (morrer), residir junto ao Senhor e caminhar na visão (de
Deus).  Donde se depreende que, logo após
a morte, antes mesmo da ressurreição dos corpos, os justos gozam do prêmio definitivo
ou da visão de Deus – o que não deve ocorrer sem um julgamento prévio.  Da mesma forma se deve entender a passagem de
Fl 1,23, em que o apóstolo identifica morrer é estar corn Cristo.

1.2. A Tradição

A existência do juízo particular estava associada, na
mente dos antigos, a outra questão: antes do juízo universal (no fim dos
tempos), pode-se crer qua os falecidos entram na sua sorte definitiva? Ou
deveremos admitir que ficam em estado de sonolência, enquanto a história vai
correndo, até a consumação dos séculos?

As hesitações a respeito foram sendo superadas na
base do próprio testemunho bíblico em favor da tese da retribuição
imediata.  Eis significativos dizeres de
São Cipriano (+ 258) bispo de Cartago e mártir:

‘Consideremos, irmãos caríssimos, que renunciamos ao
mundo e provisoriamente habitamos aqui como
hóspedes e estrangeiros.  Abracemos o dia
que endereça cada qual ao seu domicílio, dia que, libertados desta vida a
soltos dos lagos do século, nos restituirá ao paraiso e ao reino (…). Espera-nos  ali grande número de parentes, irmãos,
filhos; anseia por nós uma família avultada e numerosa, a carta da sua salvação
e ainda solicita da nossa’ (De mortalitate 26).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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