Antropologia e Generalidades – EB – Parte 7

Ora, certa vez no Areópago, praça central de Atenas
de Sófocles, São Paulo
anunciou aos gregos o ideal do homem novo, mais forte do que a morte.  Escarneceram-no então, pois parecia tratar-se
de uma fábula ou de uma utopia.  Sim; eis
o que se lê em At 17,30-33:

Paulo disse: “Deus fixou um dia no qual julgará
o mundo com justiça por meio do homem a quem designou, dando-lhe crédito diante
de todos ao ressuscitá-lo dentre os mortos’.  Ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos,
alguns começaram a zombar, enquanto outros diziam: ‘A respeito disso vamos
ouvir-te outra vez’.  Foi assim qua Paulo
se retirou do meio deles.

Após esta experiência, Paulo dizia qua nada mais queria
saber senão a Jesus Cristo, a Jesus Cristo crucificado (cf. 1 Cor 2,1s).  A sabedoria meramente humana não atinge o
desígnio transcendental de Deus. Este é belo e grande demais para que o homem
por si só creia que é verdade!

Módulo 7: A Reencarnação

Reencarnação significa a volta
de um espírito ou elemento psiquico à carne ou ao corpo.  Supõe que determinado espírito tenha animado
um corpo em vida anterior; ter-se-à desencarnado e, após certo intervalo,
haverá retornado a terra assumindo outro corpo.  As reencarnações são regidas pela lei do
Karma, que, conforme os seus defensores, obriga todo indíviduo a pagar (expiar)
em encarnação posterior as falhas cometidas na vida presente; seria uma lei
cega.  Deixaria de se exercer desde que a
pessoa não tivesse mais pecado a expiar; isto Ihe permitiria desencarnar-se
definitivamente.

A tese da reencarnação luta corn a grande dificuldade
de, em estado psíquico normal, ninguem ter consciência ou reminiscência de já
haver existido no corpo em uma pré-vida.

Ora, para quem ignora o motivo pelo qual está
destinado a se purificar neste mundo (ou pelo qual se reencarnou), é vã a sanção
ou a reencarnação.  A justiça humana
exige que o réu castigado saiba por que é punido; o bom senso se revolta contra
uma punição que não tenha explicação. Para que
eu me possa emendar dos erros pelos quais sou punido, devo saber quais
foram.  Até mesmo o cão que é castigado
por ter sujado a casa, é instruído a respeito da falta que cometeu.

Não obstante, os reencarnacionistas julgam poder valer-se
de razões de ordem psicológica, filosófica e bíblica para firmar a sua tese. –
Examinemos, pois, tais argumentos.

1. Razões de Ordem Psicológica

Há pessoas que, em sono hipnótico ou em transe,
recebem a ordem de narrar sua vida pregressa e, de fato, relatam episódios ou
mesmo enredos de vida que bem parecem corresponder a uma encarnação
anterior.  Nisto parece haver uma prova
da reencarnação

Que dizer?

As pesquisas sobre as narrações de vida pregressa
feitas em sono hipnótico permitem dizer que se trata de fenômenos letárgicos,
assim explicáveis: habitualmente temos consciente apenas 1/8 dos conhecimentos
que adquirimos desde a infância; os 7/8 restantes ficam no inconsciente, como que ignorados.  Contudo, por efeito de um choque psicológico
forte, as noções latentes podem aflorar a mente e combinar-se de muitas
maneiras, dando ocasião a que o indivíduo fale e proceda como se houvesse mudado de personalidade. É o
que se verifica, por exemplo, quando alguém é colocado em estado de transe: um
hipnotizador que possua domínio sobre o seu paciente, pode sugerir-lhe que
experimente as situações mais estranhas e ridículas: o hipnotizado sentirá então
sucessivamente calor e frio com os sintomas típicos destas situações; fará
convictamente às vezes de soldado, de General e de Rei, de ricaço e de mendigo,
de acordo corn as sugestões que o operador Ihe quiser incutir; retroceder  no tempo, comportando-se como criança, tomando
voz infantil, mostrando-se tagarela e caprichoso; tentará engatinhar, escrever
com letra de aprendiz de escola primária. 
E, se o hipnotizador insistir, conseguirá que o seu paciente
“ultrapasse o limiar da vida presente”, contando episódios de uma
vida anterior a atual, episódios que, uma vez analisados, se evidenciam como
fatos ocorridos ao hipnotizado na existência atual, mas diversamente associados
entre si pela fantasia (…). Da mesma forma, o operador poderá fazer que o
paciente antecipe o futuro ou a velhice, tomando a voz rouca e trêmula de um
ancião.  Vale a pena registrar o seguinte:
o hipnotizador que em Shreveport
(Luisiana) conseguiu levar diversas pessoas a vidas pregressas, cometeu um
descuido ao enfrentar o quarto paciente: em vez de Ihe dizer: “Quero que
você retrocede (…) mais (…), e mais (…) através do tempo (…) até outro
lugar (…)”, disse mais (…) e mais até outro mundo”. O paciente
então anunciou imediatamente que era um ser estranho chamado “C”, que
vivia na Lua e que realizava viagens interplanetárias num disco voador!

Também é significativo este particular: em geral, as
pessoas que dizem recordar-se de suas existências passadas, apresentam-se como personagens
importantes. O observador Douglas Home declarava que já tivera a honra de
encontrar ao menos doze Maria Antonieta, rainha da França, seis ou sete Maria
Stuart, rainha da Inglaterra, multidão de São Luis e outros reis, uns vinte
Alexandres e Césares, nunca, porém, se defrontara com personagens
insignificantes (…) Ora quem entra numa clínica de doentes mentais tem fácil
oportunidade de conversar com muitos “vultos eminentes” da história
passada.  As pretensas afirmações de
reencarnação não serão, pois, em vários casos, expressões requintadas da
megalomania de individuos psicopatas?

1.2. O fenômeno de paramnésia

Muitas pessoas que vão, pela primeira vez, a
determinado lugar, têm a impressão de já haver estado aí, reconhecendo o ambiente
corn suas caracteristicas. Pergunta-se: como
explicar tal fenômeno, dito de paramnesia, senão pela reencarnação?  Em vida pregressa, a pessoa já teria visitado
tal lugar.

A propósito, podem-se fazer quatro ponderações, que
dispensam a reencarnação:

a) As vezes a pessoa não esteve conscientemente no
lugar, mas Iá esteve inconscientemente; ora o inconsciente (mesmo o de uma
criança de colo) colhe impressões e as guarda latentes.  Digamos, pois, que uma criança seja levada a
uma praça pública ou a um cemitério; trinta anos mais tarde supostamente, essa
pessoa volta a tal ambiente; compreende-se que
o reconheça imediatamente (…). Afirmará conscientemente jd ter visitado o lugar
– o que será verdade, não, porém, numa encarnação anterior.

b) Pode acontecer também que a pessoa tenha visto
imagens do lugar em fotografias de livros ou filmes – o que leva a crer que já
tenha estado no lugar.

c) Existe também a explicação pela hiperestesia.  Há pessoas cujo inconsciente é capaz de ler o
inconsciente de outrem.  Ora, se vou ao
Japão pela primeira vez e tenho a impressão de já ter estado Iá, posso
perguntar-me se nunca me achei ao lado de uma pessoa que já tivesse estado no
Japão.  Caso positivo (o que é
plausivel), eu terei percebido inconscientemente o que o amigo vira
conscientemente e trazia no seu inconsciente.

d) Acontece também que há muitos objetos semelhantes,
de modo que, ao dizermos que já vimos algo, podemos estar confundindo esse algo
corn algum semelhante.

 

Em suma, há várias explicações para o fenômeno da
paramnésia dotadas de base científica; a única destituída de fundamentos seria
o recurso da reencarnação.

2. Razões de ordem filosófico-religiosa

2.1. A desigualdade de
sortes

Um dos mais frequentes argumentos filosóficos é o das
desigualdades.  Uns nascem ricos, sadios
e muito prendados, ao passo que outros vem ao mundo doentes, aleijados e pobres
(…). Ora, dizem-nos, isto só se pode explicar pelo fato de que uns e outros
viveram encarnações anteriores; então, por seus méritos ou deméritos
(sancionados pela lei do Karma), obtiveram sorte feliz ou desgraçada para a sua
presente encarnação.  Com efeito, a lei
do Karma ensina que todo ato mau cometido é uma dívida contraída que deverá ser
paga; se não o for nesta existência mesma, será paga na seguinte ou nas
seguintes.

Respondemos:

a) É gratuito o pressuposto de que todos os homens
devem ter começado a existir em iguais condições fisicas e psíquicas.  Deus é soberanamente livre para criar quem
Ele queira e como
Ele queira. O mundo inteiro está cheio de criatures variegadas; não há sequer
duas folhas ou duas flores absolutamente
iguais entre si. É precisamente esta variedade qua faz a beleza e a harmonia do
universo. – O que a justiça divina nos assegura, é que cada criatura, dentro da
sua própria realidade, recebe as gragas necessirias para chegar a plenitude da
perfeição; sem dúvida, o Senhor Deus chama cada ser humano a perfeição e  lhe oferece os subsídios necessários para
atingi-la.

b) É falso fazer coincidir a felicidade corn saúde,
dinheiro e sucesso temporal (…).

Muitos daqueles qua possuem tais bens, são inquietos
e sofrem não raro dolorosos dramas íntimos ou públicos: ao contrário, muitos
daqueles qua não os possuem, são tranquilos e serenos e comunicam aos outros
paz, magnanimidade e valores morais, Em última análise, a grandeza de alguém
não está no ter, mas no ser; pode alguém ter muitos bens materiais, mas ser um
monstro, como
também pode alguém não ter muitos bens materiais, e ser uma grande personalidade.  Ora a grande personalidade é herdeira da
felicidade máxima, qua é a vida eterna.

De resto, é-nos muito dificil aquilatar a felicidade
dos homens, pois é certo qua não há quem não tenha sua cruz a carregar.  A cruz é escola ou instrumento de purificação
ou engrandecimento, como
 ensinavam os antigos gregos mediante o
trocadilho pethos mitthos (sofrimento é escola ou educação); cf.  Hb 5,8. É certo, porém, que, ao permitir seja
cada um tentado, o Senhor Deus se encarrega de lhe dar a graça necessária para
superar o mal e dele tirar o proveito respectivo (cf. 1 Cor 10,13).

c) A Lei do Karma é a aplicação da lei da causalidade
fisica ao mundo moral: “É lei sem exceção, que rege o universo inteiro, desde
o átomo invísivel e imponderável até os astros; consiste am que toda causa
produz o seu efeito, sem que nada possa impedir ou desviar o efeito, uma vez
Rosta a causa” (ver F.M. PALMES, Metapsiquica y Espiritismo, Barcelona
1950, p. 482).  E cega, automática e não
inteligente, exatamente como
as leis fisicas. O que se faz terá inevitavelmente as suas consequências, sem
possibilidade de perdão.

Ora, não há prova de que exista a lei do Karma, como não há prova da
reencarnação. Trata-se de lei fatalista, mecanicista, que não se coaduna com a
bondade de Deus nem com a liberdade do homem; no Evangelho Deus aparece como Pai (….), o Pai
que, conforme a parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), perdoa imediatamente
ao filho que se mostra arrependido. Pode-se mesmo dizer que tal lei leva ao
absurdo; corn efeito, segundo o Karma, toda pessoa sofredora nesta vida deveria
estar pagando graves pecados de encarnação anterior; seria um grande pecador
reencarnado, ao passo que todo indivíduo sadio e rico deveria estar colhendo os
frutos positivos das virtudes praticadas em existência pregressa (seria uma pessoa
muito benemérita) – o que é contraditado pela experiência.

d) Ainda a respeito do sofrimento, não podemos
apontar a causa precisa pela qual cada criatura sofre (…), tais a tais males;
aliás, nenhum sistema filosófico ou religioso o pode explicar de maneira
cabal.  Apenas podemos afirmar, segundo a
doutrina católica, que Deus, em seu plano
sumamente sábio, não se engana nem comete injustiça; um dia, todos saberemos o
porquê dos desígnios do Senhor. 
Entrementes pode-se dizer que o sofrimento nem sempre é punição de
pecados pessoais, mas é sempre providencial; vem a ser ocasião de crescimento
interior, de modo que quem não sofre, se amesquinha ou se fecha no egoísmo; a
natureza humana é tal que ela se beneficia enormemente no cadinho do
sofrimento. A justiça de Deus consiste em ministrar a todo homem os subsídios
necessários para carregar a sua cruz com grandeza de alma, de modo que adquira
méritos.

 

2.2. O inferno

O conceito
cristão de inferno, dizem, é contrário ao conceito de um Deus bom e perfeito. Ora,
a tese da reencarnação o evita.

Na verdade, a doutrina
concernente ao inferno não derroga em absoluto a Bondade de Deus. 0 que torna o
inferno inaceitável a muitos dos nossos contempordneos, é a concepção falsa que
dele tem. É o que se depreenderá das explanações abaixo.

Jesus deu claramente a entender que, após a peregrinação
terrestre, duas são as formas de vida possíveis para o homem: uma
bem-aventurada; a outra, infeliz.  Assim,
por exemplo, falam as parábolas do joio e do trigo (Mt 13,24-30), da rede do
pescador (Mt 13,37-40), dos convidados e ceia (Lc 14,16-24), das dez virgens
(Mt 25,1-12). Na história do mau rico e do pobre Lcizaro (Lc 16,19-31), o contraste
é inculcado corn a máxima veemência: na vida póstuma poderão inverter-se os
papéis que atualmente cabem aos indivíduos. As duas sortes são também
apresentadas corn muita ênfase no quadro do juízo universal, em Mt 25,33-46.

O inferno nada tem a ver corn imagens populares de tanque
de enxofre fumegante, nem é algo criado por Deus. Vem a ser a frustração total
ou a separação de Deus resultante de livre opção da criatura na terra.

Com outras palavras: todo ser humano foi naturalmente
feito para o bem (…) e para o Bem que não acabe ou o Bem Infinito – Deus.
Este, explícita ou implicitamente, exerce atração sobre todo homem, a semelhança
do Norte que atrai a agulha magnética da bússola.  Se alguém, usando da sua livre vontade, diz
Sim a esse Norte (=Deus), encontra repouso e plenitude (a bem-aventurança
celeste) (…). Se, porém, voluntariamente lhe diz não e no dia da morte é
encontrado pelo Senhor nessa atitude de repulsa consciente e voluntária, terá o
definitivo distanciamento de Deus; o Senhor respeitará a sua opção negativa e
não o forçará a voltar para Deus. É este estado que se chama inferno; a própria
criatura a ele se condena, sem que o Senhor Deus necessite de proferir alguma
sentença. Além desta dolorosa frustração, há no inferno o que a Sagrada
Escritura chama fogo (….) fogo, porém, que não é o da terra.

Tal estado é definitivo e sem fim, porque a alma humana é, por si
mesma, imortal. O mesmo só terminaria:

– se o Senhor aniquilasse a criatura (o que seria
contrário a Sabedoria do Criador; Deus não destrói o que Ele faz);

– se o Senhor forçasse a vontade da criatura a
dizer-lhe um Sim póstumo, contrário a livre opção da mesma (ora, o Senhor, que
deu a liberdade ao homem, não lhe retira);

– se o Senhor cessasse de amar a criatura e deixasse
de Ihe aparecer como
o Sumo Bem; então o pecador se fecharia em si mesmo ou no seu egoísmo, sem
experimentar a atração de Deus; ele não sofreria inferno.  Eis, porém, que o Senhor não pode deixar de
amar o homem, porque Ele é incapaz de se contradizer; Ele não pode dizer Não
após ter dito Sim; o seu amor é irreversível.

Eis o que se entende por inferno numa lúcida concepção.
Vê-se que tal estado, longe de ser incompatível com a santidade de Deus,
resulta precisamente do fato de que Deus ama a criatura (…) e a ama
divinamente, isto é, sem se poder desdizer e sem poder retirar-lhe o seu amor;
cf. 2Tm 2,11-13.

Vê-se, pois, que não há necessidade de reencarnação
para remover o “inferno indigno de Deus”.  Importa frisar que, no decorrer da sua
peregrinação terrestre, o homem recebe do Senhor todas as graças necessárias
para se santificar e chegar à plenitude da vida.

3. Razões de ordem bíblica

Os escritos do Novo Testamento estão intimamente associados
ao pensamento judaico pré-cristão.  Ora,
este não admitia a reencarnação das almas.  Sendo esta doutrina professada por filósofos
gregos, os judeus se fecharam a ela, pois eram infensos a qualquer tipo de
sincretismo religioso. – Foi nesse ambiente que Jesus pregou o seu Evangelho.

Feita esta observação, passemos ao exame sucinto dos
textos bíblicos geralmente citados em favor da reencarnação.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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