Alucinação?

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Os demônios e espíritos desencarnados não têm corpo nem boca para falar; por conseguinte as vozes consoladoras ou aterradoras não vêm da parte deles, como julgam muitas pessoas angustiadas, e tanto mais angustiadas quanto mais procuram comunicar-se com os bons e afastar os “espíritos maus”. Por que sou Católico? O demônio existe, sim, mas não é o autor de todos os fenômenos extraordinários que ocorrem ao homem. As vozes atribuídas aos demônios e espíritos desencarnados são portanto fenômenos meramente subjetivos ou alucinações.

Alucinação é a percepção do que não existe; é uma falsa percepção. Está associada ao estado de ânimo do indivíduo ou ao consumo de drogas. O cansaço, o tédio, a exaustão física e psíquica podem produzir alucinações visuais, auditivas, olfativas, gustativas e tácteis, de acordo com as preocupações ou aspirações do indivíduo. Há alucinações conscientes e outras semiconscientes. A pessoa que não tem noção de estar vendo o irreal, já se acha predisposta a um estado patológico.

Há pessoas que dizem ouvir vozes do além, que as atormentam ou consolam. Julgam tratar-se de demônios ou de espíritos desencarnados que acompanham ou infestam a vida dos mortais na terra. E pedem socorro! Mandaram celebrar Missas, fizeram novenas, trezenas… para se livrar de tais agressões, mas nada conseguiram; ao contrário, quanto mais rezaram, tanto mais se sentem perseguidas. Daí a pergunta: que será? Como explicar o fato?

Proporemos ao quesito uma resposta negativa, à qual se seguirá outra, de índole positiva.

1. A Resposta Negativa

As vozes que atormentam, não podem provir de espíritos desencarnados nem de demônios, pois estes não têm corpo nem boca para falar: não podem articular sons. Tais vozes, como diremos a seguir, são projeções subjetivas do inconsciente da pessoa “ouvinte”; nada têm de transobjetivo. Se, porém, a pessoa crê que se trata de maus espíritos e pede a Deus que a livre dos mesmos, ela se estará mais e mais persuadindo de que é infestada por maus espíritos e estará mais sujeita a projetar ou imaginar tais vozes a lhe falar. O que tal pessoa deve pedir a Deus, é paz, saúde, bom ânimo, não, porém, a expulsão de espíritos maus (que não são a causa do fenômeno).

Verdade é que na vida de Santa Joana d’Arc e de outros Santos se diz que ouviram vozes do além. Notemos, porém: eram vozes reconfortadoras e amigos, não hostis. Deus pode, em casos muito especiais, permitir que alguém faça a experiência subjetiva de vozes fraternais. a fim de estimular e levar a pessoa em foco à pratica do bem. Isto, porém, é raro. O fenômeno há de ser cuidadosamente examinado, para que não se confunda expressão do psiquismo humano com intervenção do além.

Positivamente falando, os casos analisados são os de alucinação auditiva. Vejamos, pois, o que se entende por alucinação.

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2. Alucinação: que é?

2.1. Significado e modalidades

Alucinação é uma percepção sem objeto ou meramente subjetiva. É uma falsa percepção ou ainda é uma projeção da fantasia, que representa como existente o que não existe.

A pessoa alucinada pode estar fortemente convencida de que está realmente percebendo como existente o que não existe, ou o que é apenas fruto da sua imaginação.

Se a alucinação desenvolve um enredo prolongado, chama-se delírio.

Todos os sentidos podem ser sujeitos de alucinação: existem alucinações visuais, auditivas, olfativas, gustativas e tácteis… As alucinações podem ser simples, como rumores, assovios, vozes aterradoras ou consoladoras, toque de sirene, barulho de carros que passam, de gente que desfila (…).

O conteúdo das alucinações depende muito do estado de ânimo do indivíduo, ou seja, liga-se às idéias, aos desejos, às preocupações da pessoa alucinada; por isto tanto podem servir para o reconforto como para o apavoramento.

Quando a alucinação é provocada por substâncias tóxicas, é possível identificar o tóxico através do tipo de alucinação, pois o álcool, a cocaína, a morfina, a mescalina produzem imagens específicas, que revelam o tipo do tóxico originante.

Eis um exemplo de alucinação provocada pelo ópio:

Um fumante de ópio imaginou estar dormindo; de repente ter-se-á acordado. Apalpando em torno de si na escuridão da noite, sentiu algo de fio e duro; era um cadáver. Sem se amedrontar, tomou o morto em seus braços e o levou para o quarto vizinho; fechou a porta, trancou-a à chave e voltou a deitar-se em sua cama. Mal havia adormecido, ouviu um rumor que o despertou. A porta se abriu e o cadáver tornou a entrar no quarto, cambaleando como se por trás da carne lhe faltasse a ossatura. Dirigiu-se para a cama do parceiro deitado e, sem dizer palavra, se estendeu com todo peso sobre o infeliz vidente; este sentiu passar pelo seu rosto a barba e os cabelos do morto como também o seu hálito cadavérico. Ver F. Salis-Seewis, Visioni e allucinazioni. Preto 1892, p. 111.

Este é um exemplo de alucinação visual e táctil.

2.2. Alucinações conscientes e inconscientes

Silvio Pellico (1789-1854) foi um patriota italiano que passou dez anos (1820-1830) num cárcere da fortaleza austríaca de Spielberg; sofreu horrivelmente, como ele mesmo descreve na obra Le Mie Prigioni (1832). Desgastado pelo cansaço e o tédio, teve também alucinações conscientes, que relata nos seguintes termos:

“Parecia-me, embora estivesse acordado, que ora ouvia gemidos no meu cárcere, ora ouvia risadas contidas. Desde a infância, nunca acreditei em bruxas e duendes, mas na prisão aqueles gemidos e aquelas risadas me apavoraram; eu não sabia como os explicar, de modo que eu era levado a perguntar se não estava sendo infestado por potências malignas desconhecidas. Muitas vezes acendi, tremendo, a lamparina e gritei indagando se não havia alguém debaixo da cama a caçoar de mim.

Sentado à mesa de leitura, parecia-me que alguém me estava puxando pela roupa ou que estavam empurrando um livro de modo a fazê-lo cair no chão ou ainda parecia-me que um indivíduo atrás de mim estava soprando no fogo da lamparina para apagá-lo. Então eu me levantava e pulava, olhava em torno de mim, circulava desconfiado pelo recinto e perguntava a mim mesmo se eu tinha enlouquecido ou se estava coma a mente lúcida” (Le Mie Prigioni, Torino Sel 1943, pp. 132s).

É de notar que Silvio Pellico não estava adormecido no caso, mas em vigília sofria veemente alucinação devida ao desgaste físico e psíquico.

Interessantes são também as alucinações de espelho, que podem ser reconhecidas como tais pelos videntes. Em tal caso, o alucinado vê a si mesmo como se fosse outra pessoa. Aliás, já o filósofo Aristóteles (+ 322 a.C.) referia o episódio de um homem que, ao sair a passeio, via diante de si a sua própria imagem. Eis dois outros episódios dignos de nota:

O poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) refere que, enquanto certa vez andava a cavalo levando na cabeça tristes pensamentos, teve a visão de outro cavaleiro que lhe vinha ao encontro e, coisa impossível, aquele estranho era ele mesmo. Então Goethe sacudiu a cabeça para dissipar tal imagem, mas imediatamente viu que essa mesma imagem, em vez de desaparecer, se lhe aproximava mais ainda. – Ao contar o fato mais tarde, Goethe reconheceu que não se tratava de algo posto fora dele, visto pelos olhos do seu corpo, mas sim de uma imagem mental; cf. Aus meinem Leben. Dichtung und Wahrheit, 1808.

Coisa semelhante aconteceu a Guy de Maupassant (1850-1893), romancista francês. Era genial, mas tinha momentos de patologia mental. Um dia, quando se achava sentado à mesa de trabalho, num quarto silencioso em que não havia pessoa estranha, Maupassant ouviu a porta abrir-se e virou-se para ela angustiado. Qual não foi a sua surpresa ao ver a cópia dele mesmo! Esse personagem sentou-se diante de Maupassant e lhe ditou, a quanto parece, tudo o que ele devia dizer. Cf. ª Munthe, citado por J. Lhermitte, Les hallucinations. Clinique et Physio-pathologie, 1951.

Ainda outros episódios desse tipo se encontram na literatura respectiva.

Verdade é que muitas vezes as pessoas alucinadas não se dão conta imediatamente da inconsistência de suas percepções; dificilmente acreditam em que lhes chama a atenção para as conclusões da moderna ciência parapsicológica.

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2.3. Alucinações coletivas

Em períodos de intenso sofrimento ou de exaltação de ânimos em grupos fanáticos, podem correr alucinações coletivas ou epidemias alucinatórias. Exemplo típico é o seguinte:

Certa vez, numa nave inglesa um marujo viu uma prancha de madeira flutuar sobre as águas do mar. I
maginou logo que fosse o fantasma de um companheiro morto e jogado ao mar havia poucos dias. Pôs-se então a descrever com vivacidade o que vira, de modo que os colegas de tripulação acudiram para ver o fantasma descrito. Eis, porém, que, quando se aproximaram da tábua flutuante, perderam qualquer ilusão a respeito, pois perceberam que nada de extraordinário havia aí.

Pode-se crer que na Idade Média quando os homens viam bruxas ou “mulheres infestadas pelo demônio”, havia alucinação coletiva.

Após a Segunda guerra mundial (1939-1945), violenta como foi, deixando enormes danos materiais e morais, foram freqüentes os casos de alucinação coletiva. As pessoas traumatizadas viam coisas alvissareiras, que respondiam aos seus anseios; melhor dizendo:… projetavam, como se estivessem vendo, mensagens de consolo e reconstrução… Tornou-se famoso o caso de Marta de Bolsena (Itália), que dizia Ter visões de Nossa Senhora em determinada gruta; as suas narrativas encontraram crédito em cerca de trinta pessoas, que julgavam, também elas, Ter visões e, quando o imaginavam, entravam em êxtase; esse êxtase podia ocorrer quando caminhavam pelas estradas; então iam, como se fossem sonâmbulas, para a gruta das aparições. O seu semblante ficava tenso, apavorado; não pronunciavam frases completas, mas exclamações. Agitavam-se violentamente, batendo com o rosto por terra, sacudiam os braços, emitiam sons estranhos… O fenômeno foi observado por psicólogos e profissionais especializados, que chegaram à suspeita de que os fatos eram, ao menos em parte, dirigidos e comandados como peça teatral. Como quer que seja, a sugestão ou a persuasão subjetiva e profundos transtornos psicológicos nas pessoas afetadas.

Estas observações estão longe de significar que todas as narrativas de aparição sejam falsas; apenas contribuem para recomendar cautela e prudência diante de casos portentosos.

Os especialistas, em seu diagnóstico e sua experiência, acreditam que as alucinações permanentes e resistentes a qualquer terapia ou psicoterapia são sintomas de estado mental doentio. Com efeito, as pessoas sadias, cedo ou tarde, se dão conta do caráter subjetivo das suas alucinações. Quem não se torna consciente disto, vive num estado de delírio contínuo e anormal. A causa desse estado pode ser uma doença nervosa, como a histeria, a epilepsia, a encefalite crônica, o uso de drogas e o recurso a narcóticos.

Também se observa que as alucinações provêm muitas vezes de forte sugestionamento ou de grande expectativa, que deixa os ânimos excitados; essa expectativa gera a imagem ou o som que a pessoa espera. Uma pessoa alucinada pode contagiar outras, dando origem a alucinação coletiva.

Estes dados de psicologia e parapsicologia são úteis para a explicação dos fenômenos espíritas de materialização dos espíritos, aparições de defuntos, visão extracorpórea (alma “que sai do corpo” e tudo vê “lá de cima”), etc.

D. Estevão Bettencourt, osb
Revista “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

Nº 460 – Ano 2000 – p. 391

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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