Ainda a ordenação de mulheres

Em síntese: O artigo que se segue, refere-se à sagração de sete mulheres “ordenadas presbíteras” aos 19/06/02 e excomungadas em consequência. Pediram a revogação desta censura, que lhes foi recusada mediante o Decreto da Congregação para a Doutrina da Fé abaixo transcrito. O texto propõe o histórico da questão e justifica a recusa do pedido.

Aos 29/06/02 sete mulheres “receberam a ordenação sacerdotal” das mãos de um Bispo cismático. O rito foi inválido e as transgressoras da ordem foram excomungadas. Pediram revogação da penalidade, que lhes foi recusada por Decreto da Congregação para a Doutrina da Fé. O respectivo texto, que vai, a seguir, transcrito, refere o histórico da questão e as razões da recusa.

O Decreto de excomunhão foi publicado em PR 486/2002, pp. 522s.

Decreto

A 29 de Junho de 2002, o fundador de uma comunidade cismática, de nome Rômulo Antônio Braschi, obstinadamente conferiu a ordem sacerdotal às Senhoras católicas Christine Mayr-Lumetzberger, Adelinde  Theresia Roitinger, Gisela Forster, Iris Müller, Ida Raming, Pia Brunner e Dagmar Braun Celeste, que na ocasião se apresentou com o nome de Ângela White.

Referindo-se às precedentes intervenções do Bispo de Linz e da Conferência Episcopal Austríaca, a 10 de Julho de 2002, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma Declaração, com a qual se admoestavam as mencionadas pessoas que poderiam ser punidas com a excomunhão, se – até 22 de Julho de 2002 – não tivessem reconhecido a nulidade da “ordenação” recebida e pedido perdão pelo escândalo causado entre os fiéis. Dado que elas não manifestaram sinal algum de emenda, com Decreto de 5 de Agosto de 2002, esta Congregação – além de confirmar que o Bispo “ordenante”, enquanto cismático, já estava excomungado – infligiu a excomunhão, reservada à Sé Apostólica, às pessoas acima mencionadas, exprimindo ao mesmo tempo a esperança de que elas pudessem reencontrar o caminho da conversão.

Em seguida, as mesmas publicaram cartas e entrevistas, nas quais se declaravam convencidas da validade da “ordenação” recebida, pedindo que fosse mudada a doutrina definitiva segundo a qual a ordenação sacerdotal é reservada exclusivamente aos homens, e afirmavam celebrar a “missa” e outros “sacramentos” para pequenos grupos. Com carta de 14 de Agosto de 2002, elas pediram a revogação do Decreto de excomunhão, e com carta de 27 de Setembro de 2002, apelaram contra o mesmo Decreto, fazendo referência aos câns. 1732-1739 do CIC. A 21 de Outubro de 2002, foram informadas de que os seus pedidos tinham sido submetidos aos organismos competentes.

Nos dias 4 e 18 de Dezembro de 2002 o pedido de revogação e o recurso foram examinados pela Sessão Ordinária da Congregação, com a participação dos Membros da mesma residentes em Roma, isto é, dos Senhores Cardeais Joseph Ratzinger, Alfonso López Trujillo, Ignace Moussa I. Daoud, Giovanni Battista Re, Francis Arinze, Josef Tomko, Achille Silvestrini, Jorge Medina Estévez, James Francis Stafford, Zenon Grocholewski, Walter Kasper, Crescenzio Sepe, Mário Francesco Pompedda, D. Tarcisio Bertone, S.D.B. e D. Rino Fisichella. Nestas reuniões foi decidido colegialmente rejeitar o mencionado recurso. De fato, no caso em questão não é admissível um recurso hierárquico, tratando-se de um Decreto de excomunhão emanado por um Dicastério da Santa Sé, que atua em nome do Sumo Pontífice (cf. cân. 360 do CIC). Portanto, com a finalidade de dissipar qualquer dúvida em matéria, os Membros consideraram necessário recordar alguns pontos fundamentais.

1. Antes de mais, é necessário esclarecer que no caso em questão não se trata de uma pena latae sententiae, na qual se incorre pelo próprio fato de ter cometido um delito expressamente estabelecido pela lei, mas de uma pena ferendae sententiae, infligida depois da necessária advertência aos réus (cf. câns. 1314; 1347, § 1 do CIC). Por força do cân. 1319, § 1 do CIC, esta Congregação tem, de fato, o poder de cominar, com um preceito, penas determinadas.

2. É evidente a particular gravidade dos atos realizados, que se articula sob aspectos diversos.

a) O primeiro aspecto é o cismático: as mulheres acima mencionadas fizeram-se “ordenar” por um bispo cismático e – mesmo não aderindo formalmente ao seu cisma – entraram em cumplicidade com o cisma.

b) O segundo aspecto é de natureza doutrinal: elas recusam formalmente e com pertinácia a doutrina, sempre ensinada e vivida pela Igreja e proposta de maneira definitiva por João Paulo II, isto é, que “a Igreja não tem de modo algum a faculdade de conferir às mulheres a ordenação sacerdotal” (Carta Apostólica Ordinatio sacerdotalis, 4). A negação desta doutrina merece a qualificação de recusa de uma verdade pertencente à fé católica, e exige por conseguinte uma justa pena (cf. câns. 750 § 2; 1371, n. 1 do CIC; João Paulo II, Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio Ad tuendam fidem, n. 4A).

Além disso, ao negar a mencionada doutrina, as pessoas em questão defendem que o Magistério do Romano Pontífice seria vinculante unicamente se estivesse baseado numa decisão do Colégio Episcopal, apoiado pelo sensus fidelium  e aceite pelos maiores teólogos. Desta forma, opõem-se à doutrina sobre o Magistério do Sucessor de Pedro, proposta pelos Concílios Vaticano I e II, e, fato, não reconhecem a irreformabilidade do ensinamento do Sumo Pontífice sobre doutrinas que devem ser consideradas definitivas por todos os fiéis.

3. A recusa de obedecer ao preceito penal cominado por esta Congregação agravou-se ulteriormente pelo fato de que algumas delas estão a criar círculos de fiéis, numa aberta e de fato sectária desobediência ao Romano Pontífice e aos Bispos diocesanos. Devido à gravidade desta costumácia (cf. cân. 1347 do CIC), a pena infligida não só é justa, mas também necessária, com a finalidade de tutelar a reta doutrina, de salvaguardar a comunhão e a unidade da Igreja e de orientar a consciência dos fiéis.

4. Por conseguinte, os acima mencionados Membros da Congregação para a Doutrina da Fé confirmam o Decreto de excomunhão emanado no dia 5 de Agosto de 2002, esclarecendo mais uma vez que a atentada ordenação sacerdotal das mencionadas mulheres é nula e inválida (cf. cân. 1024 do CIC) e que, por isso, todos os atos próprios da Ordem sacerdotal por elas realizadas, são também nulos e inválidos (cf. Câns. 124; 841 do CIC). Como consequência da excomunhão, elas estão proibidas de celebrar sacramentos ou sacramentais, de receber os sacramentos e de exercer qualquer função em repartições, ministérios ou cargos eclesiásticos (cf. cân. 1331 § 1 do CIC).

5. Entretanto, confirma-se a esperança de que, amparadas pela graça do Espírito Santo, elas possam reencontrar o caminho da conversão para o regresso à unidade da fé e à comunhão com a Igreja infringidas com o seu gesto.

O Sumo Pontífice João Paulo II, na Audiência concedida no dia 20 de Dezembro de 2002 ao abaixo assinado Cardeal Prefeito, deu a sua aprovação ao presente Decreto, decidido na Sessão Ordinária desta Congregação, aprovou de forma específica o n. 4, e ordenou a sua publicação.

Roma, sede da Congregação para a doutrina da Fé, 21 de Dezembro de 2002.

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Joseph Card. Ratzinger
Prefeito

Tarcísio Bertone, S.D.B.
Arcebispo eleito de Gênova
Secretário

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 492 –  Ano 2003 – p. 263

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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