Revista: “PERGUNTE E
RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 266 – Ano 1983 – p. 1
Na sua obra “O Grande
Inquisidor”, escreve Dostoievski: “Não há para o homem, enquanto livre,
preocupação mais constante e mais aguda do que encontrar um ser diante do qual
possa inclinar-se”.
Tal afirmativa encerra um
paradoxo, que parece ser também o do homem de nossos dias. Com efeito, este se
proclama livre, (…) livre de tabus e determinismos; não obstante, deixa-se muitas
vezes dominar cegamente por alguma mensagem que lhe prometa garantias e
certezas. Cultor da razão, o homem contemporâneo assume frequentemente atitudes
irracionais, atendendo a crendices e superstições. Em síntese, o homem de hoje
oscila num movimento pendular (…).
Em última instância, tal
realidade parece revelar profunda insegurança. O cidadão do século XX, que
domina a matéria mediante as invenções da ciência e da técnica, procura uma
resposta para questões fundamentais: “Por que viver? Por que morrer? Será o homem
realmente maior do que a máquina que ele cria para seu serviço?”
A solução para tais quesitos
só pode ser encontrada no Transcendental, no Absoluto, único Valor capaz de
saciar plenamente os anseios da criatura racional. “Tu nos fizeste para Ti, e
inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti”, afirmava e afirma S.
Agostinho na base de experiência própria.
Tendo abandonado a Deus,
muitos dos nossos contemporâneos sentem-se vazios. Deixam-se então impressionar
facilmente por novas seitas, que prometem o que a ciência não pode dar, ou por
profecias, que apregoam o fim do mundo e uma nova fase da história, isenta dos
males que hoje afligem a sociedade. A multiplicação e a rápida expansão das
seitas, que geralmente são anti-intelectuais e emotivas, é sintoma
característico de nossa época, marcada pelo racionalismo e o pregão da
liberdade. Parece ressoar de novo aos nossos ouvidos a palavra do Senhor
transmitida pelo Profeta Jeremias: “O meu povo cometeu um duplo crime:
abandonou-me a Mim, fonte de águas vivas, para cavar cisternas, cisternas
rotas, que não podem reter as águas” (Jr 2,13). As novas correntes “místicas”
não podem oferecer o que a fé apresenta. A fé sempre mobiliza a inteligência do
homem, ao mesmo tempo que interpela a vontade consciente e viril na demanda
heróica do Infinito.
Possa este começo de ano,
bombardeado por “revelações” e predições (que exprimem a insegurança do homem),
levar os cristãos a viver mais coerentemente a sua fé, à guisa de resposta para
a sociedade contemporânea!