Adoração dos Reis Magos

Na longa viagem empreendida pelos Magos, nada há de razões profanas ou mundanas. E, diante de um tirano de má fama como Herodes, é comovedora sua confiança penetrada de coragem. Sem dúvida, estavam sustentados por uma especial moção do Espírito Santo.

“Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do Oriente a Jerusalém. Perguntaram eles: ‘Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo’. Ouvindo isto, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele. Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e indagou deles onde havia de nascer o Cristo. Disseram-lhe: ‘Em Belém, na Judeia, porque assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo’ (Mq 5, 2). Herodes, então, chamou secretamente os magos e perguntou-lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse: ‘Ide e informai-vos bem a respeito do Menino. Quando O tiverdes encontrado, comunicai-me, para que eu também vá adorá-Lo’. Tendo eles ouvido as palavras do rei, partiram. E eis que a estrela, que tinham visto no Oriente, os foi precedendo até chegar sobre o lugar onde estava o Menino, e ali parou. A aparição daquela estrela os encheu de profunda alegria. Entrando na casa, acharam o Menino com Maria, Sua mãe. Prostrando-se diante dEle, O adoraram. Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-Lhe como presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonhos de não tornarem a Herodes, voltaram para sua terra por outro caminho” (Mt 2, 1-12).

I – Natal e Epifania
A festa da Epifania – também denominada pelos gregos de Teofania, ou seja, manifestação de Deus – era celebrada no Oriente já antes do século IV. É uma das mais antigas comemorações cristãs, bem como a Ressurreição de Nosso Senhor.

Não nos devemos esquecer que a Encarnação do Verbo se tornou efetiva logo após a Anunciação do Anjo; entretanto, apenas Maria, Isabel, José e, provavelmente, Zacarias tiveram conhecimento do grande mistério operado pelo Espírito Santo. O restante da humanidade não se deu conta do que se passava no período de gestação do Filho de Deus humanado. A Revelação feita pelos Profetas era envolta em certo mistério que só após o testemunho dos Apóstolos se tornou evidente.

A Liturgia do Tempo do Advento
Nas quatro semanas do Advento, a Liturgia nos recorda as profecias sobre os principais fatos ligados às manifestações graduais e sucessivas do Salvador e da Boa Nova trazida à Terra. Com muita ênfase é sublinhado o texto de Isaías: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará ‘Deus Conosco'” (Is 7, 14). Fica patente que o Messias pertenceria à nobre estirpe de Davi: “Um renovo sairá do tronco de Jessé, e um rebento brotará de suas raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor, Espírito de sabedoria e de entendimento, Espírito de prudência e de coragem, Espírito de ciência e de temor ao Senhor” (Is 11, 1-2).

A Liturgia vai num crescendo a ponto de tornar claro que vem o Salvador das nações, por isso roga que a terra O germine: “Rorate cæli desuper et nubes pluant iustum, aperiatur terra et germinet salvatorem et iustitia oriatur simul!” – “Que os céus, das alturas, derramem o seu orvalho, que as nuvens façam chover a vitória; abra-se a terra e brote a felicidade, e ao mesmo tempo faça germinar a justiça!” (Is 45, 8). Por fim, nasce o Redentor, como um simples bebê. Quem estivesse, porém, tomado por um dom do Espírito Santo, discerniria naquela adorável criança os resplendores dos raios de sua fulgurante divindade. Não se tratava de um ente puramente humano; àquela natureza se unia a própria Divindade na hipóstase da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Ali estava o Homem-Deus.

Epifania: público reconhecimento da divindade do Menino Jesus
Se, por assim dizer, no Natal Deus Se manifesta como Homem, na Epifania esse mesmo Homem se revela como Deus. Assim, nestas duas festas, quis Deus que o grande mistério da Encarnação fosse revelado com todo o brilho, tanto aos judeus como aos gentios, dado o seu caráter universal. No Ocidente, desde o princípio, celebrava- se o Natal a 25 de dezembro, e no Oriente, a Epifania a 6 de janeiro. Foi a Igreja de Antioquia, na época de São João Crisóstomo, que passou a comemorar as duas datas. Só a partir do século V é que no Ocidente começou a se celebrar a segunda festividade.

Em nossa atual fase histórica, a Liturgia comemora a Adoração dos Reis Magos ao Menino Jesus. Por outro lado, ainda permanecem alguns vestígios da antiga tradição oriental que incluía na Epifania, além da Adoração dos Reis, o milagre das Bodas de Caná e o Batismo do Senhor no Jordão. Hoje, em nossa Liturgia, as Bodas de Caná não são mais celebradas, e o Batismo do Senhor é festejado no domingo entre os dias 7 e 13 de janeiro. Em síntese, podemos afirmar que a Epifania, ou seja, a manifestação do Verbo Encarnado, não pode ser considerada desligada da adoração que Lhe prestaram os Reis do Oriente. Nesta cena está concernido um público reconhecimento da divindade do Menino Jesus unida à Sua humanidade.

A virtude de Religião
A adoração, segundo nos ensina o Doutor Angélico, “orienta-se à reverência daquele que é adorado”. Trata- se de uma virtude especial, chamada de religião, à qual “é próprio prestar reverência a Deus”.1

Para melhor entendermos, basta dizer que a religião tem seu fundamento em quem é Deus e o que somos nós; naquilo que Ele nos deu e no que Lhe devemos restituir. Deus é o ser por essência, a Perfeição, o Bem, a Verdade e a Beleza, ademais, absoluto e infinito; e nós, pelo contrário, somos criaturas contingentes: dEle recebemos tudo e, em nossa existência, necessitamos de Sua sustentação a cada instante.

Bem dizia o Revmo. Padre Antonio Royo Marín, OP, que se, por absurdo, Deus chegasse a cochilar, todas as criaturas retornariam ao nada; ao que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira respondeu: “E, em Sua onipotência, Ele recriaria tudo novamente, logo ao despertar”.

Portanto, o ser de toda e qualquer criatura é conferido por Deus, assim como os mais variados bens que haja em toda a ordem do universo. Na linha dos dons nada há, portanto, que não recebamos de Deus. Somos os eternos devedores do Criador. Debaixo deste ponto de vista, até a mais excelsa de todas as criaturas, Maria Santíssima, também o é, e Ela soube reconhecer isto em seu cântico diante de sua prima Santa Isabel: “Minha alma glorifica ao Senhor […] porque olhou o nada [a humildade] de Sua serva” (Lc 1, 46.48).

A virtude de religião é a essência da adoração que se concentra no reconhecimento destas duas realidades: quem é Deus, quais Seus direitos e benefícios; quem somos nós, nossa indigência, nosso nada. Por isso, “a religião é a principal entre as virtudes morais” – explica-nos São Tomás de Aquino -, porque “está mais próxima de Deus que as outras virtudes morais, enquanto suas ações diretas e imediatamente ordenam-se para a honra divina. Consequentemente, a religião é superior às outras virtudes morais”.2

Um convite a sermos gratos ao Senhor
Ora, o que movia o fundo da alma dos Reis Magos era o desejo de prestar culto de adoração Àquele que acabara de nascer. O significado da moção do Espírito Santo, levando-os a Belém, cifra-se no chamado universal de todas as nações à salvação e à participação nos bens da Redenção.

Se bem que os Profetas houvessem feito previsões sobre a universalidade dessa vocação, os judeus consideravam- na como um privilégio exclusivo do Povo Eleito. É curioso notar como o próprio Senhor em Sua vida pública, apesar de elogiar a fé do centurião romano – “Em verdade vos digo: não encontrei semelhante fé em ninguém de Israel” (Mt 8, 10) -, afirma não ter sido enviado pelo Pai senão para cuidar das “ovelhas dispersas da casa de Israel” (Mt 15, 24). Ou seja, não quis Ele chamar diretamente a gentilidade; essa tarefa seria reservada aos Apóstolos, em especial a São Paulo. Mas, com décadas de antecedência, os Santos Reis simbolizaram junto ao berço do Salvador esse Seu grande desejo de nos redimir também a nós todos da gentilidade, conforme as palavras da Oração do Dia: “Ó Deus, que hoje revelastes o Vosso Filho às nações, guiando-as pela estrela”; e mais claramente no Prefácio: “Revelastes, hoje, o mistério de Vosso Filho como luz para iluminar todos os povos no caminho da Salvação”.

Se aos Reis Magos Deus os chamou por meio da estrela, a nós Ele nos chama através de Sua Igreja, com sua pregação, doutrina, governo e Liturgia. Logo, a Epifania é a festa que nos convida a agradecermos ao Senhor, como também a Lhe implorar a graça de sermos guiados sempre e por toda parte através de Sua luz celeste, bem como de acolhermos com fé e vivermos com amor todos os dons que a Santa Igreja nos dá (cf. Oração depois da Comunhão).

II – Belém, os Magos e Herodes
“Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que Magos vieram do Oriente a Jerusalém”.

Como nos diz São Paulo: “Se a tivessem conhecido [a misteriosa sabedoria de Deus], nunca teriam crucificado o Senhor da glória” (I Cor 2, 8). Não era dos desígnios de Deus que o nascimento de Jesus Menino fosse manifestado a toda a humanidade, pois isso provavelmente impediria que se realizasse a Redenção. Por outro lado, se Sua vinda ao mundo fosse acompanhada por sinais fulgurantes e grandiosos, seriam anulados os méritos da fé.

O nascimento, sinal prévio da segunda e plena manifestação
Por estes e outros motivos, nos explica São Tomás de Aquino: “É inerente à ordem da sabedoria divina que os dons de Deus e os segredos de sua sabedoria não cheguem da mesma forma a todos, mas que cheguem imediatamente a alguns e, por meio deles, se estendam aos outros. Assim, no que concerne ao mistério da Ressurreição, diz o livro dos Atos: ‘Deus ressuscitou Cristo ao terceiro dia e Lhe concedeu manifestar a sua presença, não ao povo em geral, mas às testemunhas designadas de antemão por Deus’. O mesmo devia ser observado em relação a Seu nascimento: que Cristo não Se manifestasse a todos, mas a alguns, por meio dos quais poderia chegar aos outros”.3

Várias também são as razões pelas quais a Providência Divina escolheu primeiro os judeus, e só depois os gentios, para manifestar o nascimento de Jesus. Claro está que tendo Deus um especial apreço pelo princípio de hierarquia, deveria preferir iniciar Sua grande obra pelo Povo Eleito. Daí continuar a discorrer sobre esse pormenor o mesmo Doutor Angélico:

“A manifestação do nascimento de Cristo foi uma antecipação da manifestação plena que haveria de vir. E assim como na segunda manifestação a graça de Cristo foi anunciada por Cristo e por Seus Apóstolos, primeiro aos judeus, e depois aos pagãos, assim também, os primeiros a aproximar-se de Cristo foram os pastores, que eram as primícias dos judeus e estavam perto; depois vieram os Magos, de longe, como ‘primícias dos pagãos’, na expressão de Agostinho”.4

Considerações e profecias
Quanto à referência à cidade de Belém de Judá neste versículo, devemos considerar a afirmação feita pelo próprio Salvador, décadas mais tarde: “Eu sou o pão vivo que desceu do Céu” (Jo 6, 41). Por isso fazem os comentaristas uma aproximação entre o significado do nome Belém – ou seja, “casa do pão” – e a instituição do Sacramento da Eucaristia, Pão dos Anjos. Havia uma outra Belém, ao norte, na terra de Zabulon, daí procurar o Evangelista especificar a tribo de Judá.

O rei Herodes, na realidade, não pertencia à raça dos judeus, pois era idumeu. Chegou ao trono por apoio dos romanos, devido a lhe serem contrários os judeus, por se tratar de um estrangeiro. Foi muito habilidoso, restaurando com esmero o Templo de Jerusalém, no intuito de que se esquecessem de suas origens. Porém, sua fama perpetuou-se pelas grandes máculas de seus costumes dissolutos e de sua crueldade.

Sobre este particular, pondera Teodoro de Mopsuéstia: “O patriarca Jacó havia já discernido com exatidão esse momento, ao dizer: ‘Não se apartará o cetro de Judá, nem o bastão de comando dentre seus pés, até que venha aquele a quem pertence por direito, e a quem devem obediência os povos’ (Gn 49, 10). Mateus apresenta esses dados para, por meio deles, pôr em evidência que tudo estava correndo de acordo com as palavras proféticas. Por um lado, o profeta tinha dito que nasceria em Belém (cf. Mq 5, 1); por outro, o fato de ocorrer isso no tempo de Herodes cumpria, ademais, a predição de Jacó. Primeiro reinou sobre eles a estirpe de Davi, da tribo de Judá, irmão de Levi, mas a descendência provinha da estirpe de Judá, que se mesclara com a tribo levítica, especialmente com sumos sacerdotes, e tinham prerrogativas reais. Em seguida – depois que os irmãos Aristóbulo e Hircano disputaram entre si o poder – a dignidade real passou finalmente para Herodes, o qual não era judeu de raça, por ser filho de Antípatro, o idumeu. Foi então, no tempo desse reinado, que apareceu Cristo Senhor, não havendo mais reis e governantes do povo judeu”.5
Mateus se cala sobre maiores detalhes a respeito dos Magos; daí a multiplicidade de hipóteses e a não pouca divergência entre os autores sobre este particular. Entretanto, podemos afirmar que o nome Magos não deve ser tomado com as conotações próprias aos nossos tempos. Naquela época, significava pessoas de certo poder e muito distintas, em especial pelos conhecimentos científicos, sobretudo de astronomia. Além disso, a tradição nolos apresenta como reis. É também por tradição que consta serem três, terem sido batizados mais tarde por São Tomé Apóstolo e, tempos depois, martirizados. As relíquias dos Reis Magos foram veneradas recentemente por um Papa. Nosso Pontífice Bento XVI, felizmente reinante, visitou a catedral de Colônia para diante delas rezar, em 18 de agosto de 2005, por ocasião da XX Jornada Mundial da Juventude.

Sobre o país de origem – Caldeia, Arábia ou Pérsia -, o que consta são puras hipóteses; como também quanto ao momento da chegada deles a Jerusalém e a Belém, que parece ter se dado depois da Apresentação do Menino Jesus.
O certo e admitido por todos é que, sendo a Redenção de âmbito universal, deveria ser anunciada a todos.6

III – Os Reis perante Herodes
“Perguntaram eles: ‘Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo'”.

Torna-se claro, por este versículo, o real e profundo motivo da longa viagem empreendida por eles; nada houve de pura curiosidade, razões profanas, ou até mundanas. Ademais, demonstram possuir grande fé, e não pouca intrepidez, ao formularem uma pergunta tão incisiva, tanto mais que poderia ser interpretada por Herodes como sendo uma negação de seu título e de seu poder, conquistados com tantos esforços.

A estrela que guiava os Magos
Sobre a estrela, comenta o Revmo. Padre Manuel de Tuya, OP: “Os magos alegam, para terem vindo adorar o Rei dos judeus recém-nascido, que viram ‘sua estrela no Oriente’. De maneira muito acentuada, fala-se precisamente da estrela do Rei dos judeus. No mundo da astrologia, os homens se consideram governados pelos astros. Mas também na Antiguidade estava difundida a crença de que o nascimento dos homens de grande importância era precedido de algum sinal do céu. Isto se refletia até nos escritos cuneiformes. Surgiram várias teorias a respeito dessa ‘estrela vista pelos Magos'”.7

Também o Doutor Angélico não deixou de exprimir seu pensamento a respeito desta passagem. Depois de discorrer sobre as razões pelas quais aos judeus revelou Deus Seu nascimento através de Anjos e, aos gentios, por sinais, cita Santo Agostinho: “Os Anjos moram nos céus que são adornados pelas estrelas”.8 E a partir daí, passa a analisar a estrela em si mesma, mostrando como ela “não era uma das estrelas do céu”, mas sim um astro inteiramente sui generis.9

Jerusalém ficou perturbada
“Ouvindo isto, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele”
É de fácil compreensão esse temor de Herodes, dada sua irrefreável ambição, inveja e crueldade. Sua esposa e seus três filhos puderam experimentar a violência de seu péssimo e impetuoso temperamento, pois foram mortos por uma determinação tirânica sua, nascida do medo de que o destronassem.

Para um homem com essa moral desregrada e tão mau caráter, o anúncio do surgimento miraculoso de um novo rei só poderia causar perturbação; tanto mais que “havia-se difundido então por todas as partes do Império Romano, no Oriente mais do que em qualquer outra, certo pressentimento – às vezes vago, às vezes mais preciso – de uma nova era que se abriria para a humanidade”.10

E qual a causa da perturbação dos habitantes de Jerusalém? Era-lhes anunciado o nascimento de um Rei judeu: não seria esta uma alvissareira notícia? E não deveriam eles acompanhar os Magos para, com alegria, comprovar os fatos? Não causaria estranheza que o povo, a essas alturas, já estivesse acomodado e relaxadamente complacente com o criminoso tirano. Quiçá pudesse concorrer para essa perturbação o receio de represálias e vinganças. Ou ainda o amor próprio ferido, o orgulho pisado, o desprezo de uma graça, pois esperavam um Messias com maior esplendor e, ademais, anunciado a eles diretamente, e não a estrangeiros.

A esse propósito, comenta São João Crisóstomo: “Porque continuavam na mesma disposição de seus antepassados – os quais, apesar de todos os benefícios recebidos, afastaram-se de Deus – e gozavam de plena liberdade, recordavam-se das carnes do Egito”.11

Iniquidade fraudulenta de Herodes
“Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e deles indagou onde havia de nascer o Cristo”.
Péssimo, mas habilidoso, Herodes dissimula seu satânico plano de matar o Messias e procura saber quais são os desígnios de Deus para, com eficácia, impedi-los. Com ares de hipócrita piedade, convoca o Sinédrio. Sua pergunta demonstra o quanto todos eram conhecedores da possibilidade de que aquele recém-nascido bem poderia ser o Cristo. Daí também a maldade do Sinédrio e do próprio povo.

“Disseram-lhe: ‘Em Belém de Judá, porque assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo'” (Mq 5, 2).

Os doutores da Lei não temem dizer a Herodes que, segundo Miqueias, o Cristo deveria nascer na cidade de Belém de Judá. Entretanto, suprimem da profecia oficial a frase subsequente, que clarissimamente insinuava a origem divina de Cristo: “Et egressus eius a temporibus antiquis, a diebus æternitatis” – “Suas origens remontam aos tempos antigos, aos dias da eternidade” (Mq 5, 1). Talvez por malícia, ou por orgulho, não possuíam suficiente fé para crer nessa revelação. Ou, ainda, quiçá por amolecimento de caráter. Essa péssima atitude levou São João Crisóstomo a associá-los na culpabilidade pela morte dos Santos Inocentes, pois Herodes não se enfureceria se soubesse que se tratava de um Rei da eternidade, portanto, não de um rival terrestre.

“Herodes, então, chamou secretamente os Magos e perguntou- lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido”.

Chama-nos a atenção o emprego do advérbio secretamente. Segundo um famoso historiador daqueles tempos, Flávio Josefo, era muito comum Herodes vestir-se como um qualquer e imiscuir- se em meio às gentes para sondar de modo direto o que pensavam sobre seu reinado.12 Era o seu habilidoso modo de proceder. Estando já seguro quanto à cidade onde teria nascido seu inimigo Messias, desejava agora conjecturar sua idade, pois aproximava a data do nascimento do Menino ao dia do aparecimento da estrela.

“E, enviando-os a Belém, disse: ‘Ide e informai-vos bem a respeito do Menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai- me, para que eu também vá adorá-lo'”.

Hipócrita, se faz de piedoso e suave para enganar a simplicidade, candura e inocência dos Magos. Não sem fundamento, alguns autores denominam essa atitude de “iniquidade fraudulenta”.

Não foi uma das estrelas do céu
Segundo Crisóstomo, existem muitos indícios que manifestam que aquela estrela que apareceu aos Magos não era uma das estrelas do céu.

1º – Porque nenhuma outra estrela seguiu este caminho, pois esta se movia de norte a sul; tal é a situação da Judeia com relação à Pérsia, donde vieram os Magos. 2º – Pelo tempo em que aparece, pois não aparecia só de noite, mas também em pleno dia; o que não está no poder de uma estrela, nem mesmo da Lua. 3º – Porque às vezes aparecia e outras vezes se ocultava; quando entraram em Jerusalém se escondeu, para aparecer depois que deixaram Herodes. 4º – Porque não tinha um movimento contínuo: andava quando era preciso que os Magos caminhassem, e se detinha quando eles deviam se deter, como a coluna de nuvem no deserto. 5º – Porque mostrou o parto da Virgem não só permanecendo no alto, mas também descendo, como diz o Evangelho de Mateus: “A estrela que tinham visto no Oriente ia à sua frente até parar em cima do lugar onde estava o Menino”. Daí se deduz claramente que a palavra dos Magos, “vimos sua estrela no Oriente”, não deve ser entendida como se, encontrando-se eles no Oriente, lhes tivesse aparecido uma estrela que estava na Judeia, mas que viram uma estrela situada no Oriente e que os precedeu até a Judeia (embora alguns duvidem disto). Mas não teria podido indicar claramente a casa se não estivesse próxima da terra. E, como diz o mesmo Crisóstomo, isso não parece próprio de uma estrela, mas de “algum poder racional”. “Parece, pois, que esta estrela era um poder invisível transformado na aparência de uma estrela”.

Por isso alguns afirmam que, assim como o Espírito Santo desceu sobre o Senhor batizado sob a forma de pomba, apareceu também aos Magos sob a forma de estrela. – Outros, porém, dizem que o Anjo que apareceu aos pastores sob forma humana apareceu aos Magos na forma de estrela. – É, contudo, mais provável que se tratasse de uma estrela criada de novo, não no céu, mas na atmosfera próxima à terra, e que se movia segundo a vontade de Deus. É por isso que afirma o Papa Leão (Sermão 31, sobre a Epifania): “Apareceu aos três Magos, na região do Oriente, uma estrela de uma nova claridade, mais brilhante e formosa do que os outros astros, que atraía os olhos e os corações dos que a olhavam, para que compreendessem imediatamente que não carecia de significação o que parecia tão insólito”.
(AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 36, a.7 resp).

Malícia de Herodes
Herodes maquina sua morte [do Messias] com dolosa malícia. O homem mau é capaz de compreender as coisas de Deus; não pode, porém, realizá-las, pois a inteligência do homem foi criada por Deus, mas a ação depende da vontade.
Herodes viu certamente o grande fervor dos Magos em relação a Cristo. E como não podia contar com a cumplicidade deles para matar o futuro rei por meio de bajulações que os amolecessem, nem de ameaças que os atemorizassem, nem de dinheiro que os corrompesse, ocorreu-lhe enganá-los. De modo algum conseguiria seduzi-los com adulações para traírem Aquele pelo qual fizeram uma tão fatigante viagem. Tampouco poderiam ter medo, a ponto de atraiçoarem Cristo, aqueles que não tinham interesse algum em Herodes nem em César, pois haviam entrado em seu reino anunciando a vinda de outro rei. Nem poderiam ambicionar coisa alguma senão Cristo, aqueles que Lhe traziam preciosos presentes de uma terra tão distante.

E quando percebeu que não conseguiria outra coisa, Herodes começou a tomar ares de devoção enquanto afiava a espada e pintava com cores de humildade a perversidade de seu coração. Assim procedem todos os perversos: quando querem causar ocultamente algum dano muito grave a alguém, mostram-se humildes e amigos em relação a ele.

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Mons. João Clá Dias, EP
 

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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