Absolvição coletiva: Abusos

Em síntese: Vai aqui transcrita uma Carta da S. Congregação para os Sacramentos e o Culto Divino enviado aos Srs. Bispos do Brasil a fim de recomendar a fiel observância das normas da Santa Sé relativas à concessão de absolvição coletiva. Esta não pode ser outorgada senão em dias previamente estipulados pelo Sr. Bispo diocesano (que pode também julgá-la desnecessária em sua diocese) dentro de determinadas condições e com a obrigação, para os fiéis, de confessarem oportunamente (no máximo, dentro do prazo de um ano) os pecados já absolvidos. Cabe aos sacerdotes ter exato conhecimento de tais normas e instruir a respeito os fiéis na parte que lhes diz respeito.

Comentário:

A Santa Sé, mediante a S. Congregação para os Sacramentos e o Culto Divino, tem acompanhado a praxe concernente à absolvição coletiva em várias partes do Brasil, onde se têm verificado abusos ou o recurso indiscriminado a tal faculdade. Eis porque a mesma S. Congregação houve por bem enviar a respeito uma carta ao Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil solicitando sejam as normas da Igreja devidamente postas em prática aonde vêm sendo preteridas. O documento, em sua simplicidade, é de alto significado, pois supõe graves abusos em matéria importante, que toca de perto a fé mesma do povo de Deus. Este, não sendo devidamente instruído pelos seus ministros, pode ir concebendo noções heterodoxas referentes à remissão dos pecados. Visto que os Bispos são os “doctores fidei” ou os mestres da fé instituídos por Cristo, a estes toca zelar para que nas paróquias e capelas de suas dioceses não se cometam os males apontados.

O teor da carta interessa não só ao clero, mas a todo o povo de Deus, pois este precisa conhecer com exatidão o pensamento oficial da Igreja, para que possa exercer a sua corresponsabilidade na guarda intacta da reta fé e da praxe sacramentaria.

A carta em foco foi publicada em italiano na revista “Comunicado Mensal” da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dezembro de 1979, nº 327, pp.  1186-1190. Traduzido para o português, esse documento foi divulgado por mais de um periódico de circulação diocesana, por ordem do respectivo Bispo.

Tais observações justificam a reprodução do importante documento neste número de PR. Roma, 22 de novembro de 1979.

Prot. Nº 1796/79

A Sua Excelência Revma. Dom Ivo José Lorscheiter

Presidente da CNBB

Excelência Reverendíssima

Novamente, tivemos notícia de certos abusos que se estariam difundindo nalgumas regiões do Brasil, concernentes a matérias que interessam a esta Congregação, entre os quais ressalta a absolvição coletiva, que se daria sem ter em conta as devidas condições.

Em primeiro lugar, se deve recordar que “a íntegra confissão individual e a absolvição continuam sendo a única forma ordinária de reconciliação dos fiéis com Deus e a Igreja, a não ser que uma impossibilidade física ou moral dispense desta confissão” (cf. “Normae pastorales circa absolutionem sacramentalem generali modo impertiendam”  de 16 de junho de 1972, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, N. I.).

No que respeita a absolvição coletiva, no mesmo documento supra citado, nos respectivos NN. II e III se diz textualmente:

N. II. “Pode suceder, com efeito, que circunstâncias particulares tornem lícito, e até necessário, conceder a absolvição geral a vários penitentes sem prévia confissão individual.

Isto pode acontecer principalmente quando existe perigo de morte iminente e não há tempo para que o sacerdote ou os sacerdotes, mesmo presentes, ouçam a confissão de cada um dos fiéis. Neste caso, qualquer sacerdote tem a faculdade de absolver coletivamente, depois de brevíssima exortação, caso o tempo o permita, para que cada um faça o ato de contrição.

N. III. Fora os casos de perigo de morte, é lítico dar coletivamente a absolvição sacramental aos fiéis que se confessaram somente de modo geral, mas foram convenientemente exortados ao arrependimento, desde que haja grave necessidade, a saber: quando, por causa do grande número de penitentes, não há confessores suficientes para ouvir as confissões de cada um dentro de espaço de tempo razoável, de tal modo que os penitentes, sem culpa própria ficariam forçados a ficar sem a graça sacramental ou sem a Sagrada Comunhão por muito tempo. Isto pode acontecer principalmente em terras de missões, mas também em outros lugares e por ocasião de grandes assembleias sujeitas às condições atrás descritas.

Todavia a absolvição coletiva não é lícita, desde que possa haver confessores disponíveis, somente pelo fato de haver grande concurso de penitentes, como acontece, por exemplo, nas grandes festividades ou nas peregrinações”.

A absolvição coletiva, portanto, não é lícita se não se verificam simultaneamente as três condições: 1) grande afluência de penitentes; 2) número insuficiente de sacerdotes confessores presentes; 3) os penitentes deveriam, sem culpa própria, permanecer privados, por longo tempo, da graça sacramental ou da Santa Comunhão.

Também se deve recordar que, quando se administra licitamente a absolvição coletiva, é necessário advertir os fiéis sobre a obrigação de confessar privadamente os pecados graves absolvidos, antes de receber uma segunda absolvição geral.

Merece ser recordado ainda o Nº IV das supramencionadas “Normas Pastorais”

“Os Ordinários e, na parte que lhes toca, os sacerdotes devem acautelar-se a fim de que não diminua o número de confessores por motivo de alguns sacerdotes se omitirem neste insigne ministério, seja porque se entregam aos afazeres temporais, seja porque se dão a outros ministérios menos necessários, que possam ser desempenhados por diáconos ou leigos idôneos”.

Vejam, pois, os Bispos dessa Nação o modo de suscitar prudentemente o zelo pastoral nos seus sacerdotes para que, de uma parte, a absolvição coletiva seja dada nos casos previstos pela Santa Sé através de suas disposições oficiais, e só naqueles, e de outra parte a confissão sacramental individual, que tanto bem continua a fazer aos fiéis, recupere a posição tradicional.

Chegou-nos, ademais, ao conhecimento que são muitos os que comungam e poucos os que procuram o Sacramento da Penitência, e que recebem a Eucaristia também pessoas conhecidas como casadas (só) civilmente, concubinos ou outras espécies de pecadores públicos.

Portanto, este Dicastério, ao qual incumbe o dever de vigiar pela reta administração dos Sacramentos, pede aos Exmos. Bispos do Brasil procurem que sejam eliminados os escândalos também neste setor e que esclareçam os fiéis para que se aproximem do Banquete Eucarístico com as devidas disposições, recordando-lhes os ensinamentos da Igreja a respeito.

Bem sabe Vossa Excelência que a Instrução “Eucharisticum Mysterium” emanada da Sagrada Congregação dos Ritos a 25 de maio de 1967, em seu nº 35 comenta a conhecida expressão de São Paulo: “Examine-se a si mesmo” (1 Cor 11,28), referindo a palavra do Concílio de Trento, sessão XIII, capítulo 7:

“A Tradição da Igreja declara que aquele exame é necessário para que ninguém, consciente do seu pecado mortal, ainda que se julgue arrependido ouse aproximar-se da Sagrada Eucaristia, sem antes se ter confessado”.

Com a esperança de haver ajudado fraternalmente os Bispos do Brasil a restaurar muito em breve a vida sacramental conforme as disposições oficiais da Santa Sé, aguardamos também saber quanto antes os frutos obtidos.

Valho-me da circunstância para confirmar-me com sentimentos de distinta estima

De V. Excia. Revma.

Devotíssimo

James Card. Knox,

Prefeito

Dada a clareza do documento acima, não lhe acrescentamos comentário. Apenas parece oportuno ainda observar que os casos previstos pelo nº III de “Normae pastorales…” atrás transcrito são casos que cada Bispo diocesano deve identificar e definir dentro das circunstâncias próprias de sua diocese; não cabe, pois, aos sacerdotes dar absolvição sacramental coletiva em algum domingo ou solenidade por julgarem que em tal dia há grande afluência de fiéis sem possibilidade de atendimento pessoal e com o perigo de ficarem muito tempo privados dos sacramentos. Quem deve de antemão prever tais ocasiões, é o Bispo diocesano, precisamente a fim de evitar abusos e improvisações. Note-se também que em algumas dioceses pode não haver necessidade de conceder absolvição coletiva por penúria de sacerdotes confessores. Em outras tal indigência verificar-se-á talvez na Semana Santa, talvez no Natal e / ou em outras ocasiões que a configuração local aponte.

Não se pode deixar ainda de sublinhar que, ao conceder a absolvição coletiva, o sacerdote deve instruir os fiéis a respeito da necessidade de confessarem pessoalmente os pecados graves assim remetidos dentro do prazo máximo de um ano (o porquê desta exigência é exposto no primeiro artigo abaixo citado).

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, Osb
Nº 245, Ano 1980, p. 204

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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