A uva dos mendigos

Três mendigos encontraram uma moedinha no chão. Imediatamente surgiu uma disputa para decidir como gastá-la. O primeiro disse:

– Eu quero alguma coisa doce. Sou louco por doces!
– Nem pensar – gritou o segundo – eu estou morrendo de fome. Preciso de alguma coisa para encher o meu estomago.
– E eu? Tenho uma sede medonha, a minha garganta está seca – afirmou o terceiro.
Um desconhecido que estava passando ouviu toda a confusão e vendo as condições miseráveis dos três interveio e disse:
– Se entregarem a moedinha para mim satisfarei os desejos dos três. Só peço-lhes de ter um pouco de paciência; voltarei daqui a…uns quinze minutos.

Os três se entreolharam, mas, apesar da desconfiança concordaram com a proposta do homem. Este foi até uma vinha que existia ali por perto e depois de poucos minutos voltou com três grandes e bonitos cachos de uva. Ofereceu um cacho ao primeiro e disse:

– Tome, você que é guloso, essa uva é muito doce. Pode se dar por satisfeito.
Apresentando outro cacho de uva ao segundo disse:
– Coma, você que está com fome. A uva é nutriente, por algum tempo vai ficar alegre.
Enfim, ao terceiro ofereceu o cacho de uva e falou:
– A uva satisfaz também a sede, tome e fique contente.

Os três ficaram muito felizes também porque o homem lhes devolveu a moedinha, convidando-os a doá-la a alguém mais pobre do que eles. Com efeito, esse homem não somente fazia o bem, mas sabia fazê-lo bem.

Encontrei essa simples historinha na tradição hebraica. Nada de extraordinário se comparada com a página do evangelho da multiplicação dos pães e dos peixes. Lá foram cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, que “comeram e ficaram satisfeitos”. Algo de maravilhoso deve ter acontecido, porque todos os evangelistas fizeram questão de contar o fato. Jesus, porém, não estava a fim de se projetar e nem de ser aclamado rei (cfr. Jo 6,15), talvez, simplesmente, apontou um caminho para que os seus discípulos pudessem, eles mesmos, dar de comer ao povo, aos famintos e aos pobres da história da humanidade. Nesse sentido, não tenho dúvida de que este caminho inicia pela compaixão e se concretiza através da partilha e da justiça.

Somente a compaixão permite enxergar e perceber os problemas dos outros. No entanto o egoísmo se multiplica facilmente. “Se o outro não dá nada, porque eu deveria dar?”- pensamos. “Todos deveriam dar alguma coisa” – raciocinamos. Assim justificamos o nosso desinteresse e a nossa inatividade. Se alguém, famoso ou conhecido, faz algum gesto de generosidade e a notícia se espalha, pensamos: “Ele é rico, ele pode, eu não”. E acabamos por nos esconder atrás das nossas necessidades para não socorrer a carência dos outros. Se não nos deixamos envolver pela fome e as dificuldades do outro, dificilmente esqueceremos as nossas.

Nenhuma lei pode nos obrigar à partilha. Somente a compaixão e a generosidade nos motivam para a solidariedade e, pelo visto, essas não se multiplicam tão facilmente. A justiça humana também pode ser enganada com certa facilidade. Laranjas, testa de ferro, notas “frias”, contas “fantasmas”, paraísos fiscais, existem para burlar as leis, para fazer desaparecer fortunas num piscar de olhos. Desse jeito, muitas vezes, quem tem consegue escondê-lo tão bem que só lhe falta pedir esmola.

Com tudo isso, quero dizer que, como cristãos, precisamos sair das desculpas e agir sem medo. Devemos fazer gestos de compaixão, partilha e justiça, sem querer aparecer, sem esperar pela honestidade dos outros, sem buscar desculpas, sem exigir impostos compulsórios ou planos milagrosos de combate à fome e à miséria, também sem aguardar demais que a generosidade brote espontânea no nosso coração. Simplesmente devemos fazer o bem pela alegria de praticar a caridade, de ver os outros “satisfeitos” pela nossa solidariedade. Não escondemos, porém, que, junto com o egoísmo, a bondade está acontecendo no mundo; sempre aconteceu e, não tenho dúvida, sempre acontecerá. Gestos de amor se multiplicam e são incontáveis. Não fazem barulho e raramente chamam atenção. Talvez falte o nosso compromisso para diminuir, mais ainda, o tamanho da miséria, da fome e do sofrimento perto de nós e no mundo afora.

A respeito do fato de que “todos ficaram satisfeitos”, parece que, naquele dia, ninguém reclamou da pobreza do cardápio. Todos ficaram contentes e ainda sobrou. Um pouco como a humilde uva que fez a alegria dos três mendigos. Com certeza para nós também uma vida com menos pretensões e gostos mais simples nos educaria mais à compaixão, à partilha e à justiça.

Tudo isso para que o milagre do amor continue a acontecer.

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Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá (AP)

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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