A Ressurreição, mito ou realidade?

A Ressurreição é o centro da fé cristã: o cristianismo mantém-se de pé ou desmorona completamente sobre este evento, já que a Ressurreição de Jesus crucificado é o ato decisivo que não somente revelou em toda a sua profundidade o mistério de Jesus de Nazaré como Messias e Filho de Deus e, de modo definitivo e insuperável, o Deus tripessoal, mas também inaugurou a conclusão da história e a plenitude de nossa salvação.

Diante deste ponto crítico, deste evento único, que escapa à nossa experiência, o homem se vê desafiado a fazer uma opção que decidirá toda a sua existência e seu modo de compreender-se a si e ao mundo: “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa esperança, vazia também é a vossa fé” (1Cor 15,14). Esta afirmação do Apóstolo é absoluta, definitiva, sem apelo!

Do ponto de vista da credibilidade de Jesus – ele é o Messias, ou apenas mais um iludido, como tantos na história? -, a Ressurreição constitui o sinal central dirigido por Deus ao homem para levá-lo ao reconhecimento e à proclamação da filiação divina de Jesus. No entanto, é necessário deixar claro que tal sinal deve ser acolhido na fé; se há sinais de credibilidade que fundamentam a fé na Ressurreição, por outro lado, não há uma “prova” irrefutável que destruiria qualquer dúvida sobre a pessoa de Cristo. E aqui é necessário dizer: esta relação claro-escuro, esta dialética de sinais que indicam e falta de provas que definam de modo irrefutável faz parte da estrutura da fé. Pense o meu Leitor: se a fé se fundamentasse numa evidência incontestável, já não seria mais fé nem deixaria espaço para o salto da liberdade; por outro lado, se não houvesse sinais de credibilidade em que o crente se apoiasse no seu ato de fé, então a fé seria superstição, seria arbitrariedade absurda, indigna do homem, com sua inteligência e liberdade dadas por Deus!

O racionalismo e os teólogos por ele influenciados negaram a objetividade da Ressurreição. Eis algumas de suas teorias, bem arbitrárias e gratuitas, motivadas pelo preconceito racionalista (que deseja enquadrar toda a realidade na gaiola da medida da razão humana) e imanentista (que de modo gratuito e arbitrário exclui toda ação de Deus no mundo):

1. Jesus não morrera na cruz; fora retirado dela ainda com vida, sepultado e reavivado no sepulcro e dele retirado.

Foi assim que apareceu aos seus discípulos. O Novo Testamento, porém, não tem nenhuma informação que apoie tal teoria. Ao contrário, afirma claramente que Jesus morreu realmente (cf. 1Cor 15,3b-5). Outras fontes, não-cristãs, confirmam esta realidade: Flávio Josefo, nas Antiguidades 18,63s, Tácito, historiador romano, em seus Anais 15,44 e até uma obscura passagem do Talmud babilônio afirma que Jesus foi apedrejado na véspera da Páscoa. Não há nenhuma entre os judeus que dê base a esta teoria. Além do mais, como poderia um semi-morto aparecer cheio de glória?

2. A Ressurreição de Jesus seria plágio dos mitos de deuses que morrem e ressuscitam, como Dionísio, Ísis, Osíris e o culto a Adônis.

Tal paralelismo não tem o menor sentido. Os deuses mitológicos em geral seguem o ciclo das estações; no caso de Adônis, seu mito em nada tem o significado da Ressurreição de Jesus: Adônis fora morto enquanto caçava um javali; cada ano permitia-se que subisse dos abismos e, por seis meses, procurasse sua amante. Nenhum devoto desse deus afirmou jamais que ele morreu por amor pela humanidade e que ressuscitou por nós e por nossa salvação! Seu retorno era o mito cíclico da vegetação, um assunto anual da natureza, não uma Ressurreição final de uma vez por todas entre os mortos.

3. A Ressurreição de Jesus reduzir-se-ia a uma mudança na percepção e na vida dos discípulos, sem nenhuma transformação real em Jesus: ele ressuscitara no coração de seus discípulos que o amaram e o sentiram próximo.

Ele ressuscita de novo, a cada dia, nos corações de todos os homens. Então, o que aconteceu após a crucificação seria somente a descoberta, por parte dos discípulos, do sentido, do significado de Jesus. Ora, não é nesta direção que os documentos do Novo Testamento apontam! Eles testemunham todo o tempo que o Pai ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos (cf. Gl 1,1).

4. O desastre da crucifixão causou tal impacto nos discípulos, que provocou neles alucinações.

Já Celso, no século II, defendia tal teoria. Tratar-se-iam, então, de visões simplesmente subjetivas. Ora, tal teoria não se sustenta: primeiro, os discípulos não creram logo nas aparições (cf. Mt 28,17; Lc 24,36s; Jo 20,24s); também o fato de que Jesus não era logo reconhecido pelos que o viram atesta contra a ideia de alucinação; além do mais, as aparições realizavam-se nas situações mais corriqueiras da vida. Falar, portanto, em alucinações, é gratuito!

5. Os apóstolos fraudaram, pura e simplesmente, roubando o corpo e inventando a ideia de Ressurreição.

Isto contraria totalmente o que sabemos dos apóstolos: eles não eram desonestos, não eram espertos e corajosos, estavam desalentados e confusos, eles não morreria para testemunhar uma fraude! Interessante também observar o cuidado das comunidades cristãs em preservar os textos intactos, apesar das discrepâncias em suas narrativas. Este dado revela o respeito dos primeiros cristãos por suas fontes: não eram nem visionários, nem exaltados, nem fraudadores!

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Fato histórico da Ressurreição de Jesus

É verdadeira a ressurreição de Jesus?

As provas da Ressurreição de Jesus

Vejamos, agora, algumas reflexões sobre a credibilidade da Ressurreição:

1. Fato histórico incontrastável é a brusca e inexplicável mudança de atitude e comportamento dos discípulos.

Durante todo o ministério de Jesus, muitíssimas vezes os evangelhos dão testemunho da lentidão e da dificuldade dos Doze em compreender Jesus (cf. Mc 8,14-22; 8,31-33; 10,32-45); um dos Doze o traiu, os outros apóstolos não lhe foram solidários e até fugiram (cf. Mt 26,36-56), seu líder negou Jesus (cf. Mc 14,66-72). Tudo isto é historicamente irrefutável. O moral do grupo após a sexta-feira era o pior possível; ninguém esperava uma ressurreição de Jesus (cf. Lc 24,21-24). Ora, logo após, os apóstolos mudaram completamente de atitude, de ânimo, de vida! Passaram da depressão ao ânimo, da estupefação ao testemunho, da dispersão à comunhão em torno dos Doze. Resta a pergunta insistente: o que houve? Uma fraude poderia causar tal transformação? Certamente, não! Então, uma alucinação?

2. Os relatos dos evangelhos também não dão margem a uma teoria de alucinação.

Note-se que as manifestações do Ressuscitado dão-se no cotidiano, quando os apóstolos não esperavam e não estavam em estado de excitação místico-religiosa. Também é importante o fato de não reconhecerem logo a Jesus (cf. Lc 24,16; Jo 21,4) e mais importante ainda é a surpreendente informação que muitos duvidaram (cf. Mt 28,16; Mc 16,9-14; Jo 20,24-29). É impressionante a insistência dessa dúvida!

3. Há discrepâncias nos relatos evangélicos.

A Igreja não as harmonizou, num claríssimo sinal de respeito às fontes. Não são lendas ou frutos de imaginações excitadas! Também apontam para a historicidade (a) o fato de Jesus confiar o anúncio da Ressurreição a mulheres, (b) o fato de não ser reconhecido imediatamente e (c) o fato da incredulidade dos discípulos. Nada disso apareceria num texto fraudulento, pois deporia contra a veracidade da Ressurreição!

4. É digno de nota também que o túmulo vazio nunca foi contestado pelos judeus ou pelos romanos.

Se é exato que tal fato não garante nem prova o feto da Ressurreição, também é verdadeiro que deixa uma pergunta não respondida: onde está o corpo de Jesus? O que lhe aconteceu? Os discípulos respondem, decididos: “Ele ressuscitou! Nós o vimos!” Note-se que os cristãos nunca usaram o sepulcro vazio como argumento ou prova em favor da Ressurreição; foram os encontros com o Ressuscitado que primeiramente fundamentaram a fé na ressurreição. O sepulcro vazio apenas confirmou o fato! Ele fecha a porta para interpretar as manifestações como alucinações ou para uma interpretação “espiritualizada” da Ressurreição de Jesus!

5. É impressionante também a concordância da Ressurreição com a fé de Israel.

Se é verdade que ninguém em Israel esperava uma ressurreição antes do fim dos tempos – e neste sentido a Ressurreição de Jesus é algo absolutamente original e revolucionário -, não é menos verdadeiro que o Senhor Deus é sempre apresentado como o Deus da vida, da justiça, do poder e da fidelidade, de modo que conheciam o Deus de Israel, revelado nos textos sagrados, estavam preparados para compreender a Ressurreição de Jesus como ação culminante desse Deus! Aquele que foi obediente e fiel até a morte, não foi abandonado pelo Senhor Deus que, “segundo as Escrituras” o ressuscitou em sua fidelidade!

6. É interessante também o quanto a Ressurreição de Jesus dá uma chave potente e coerente para tudo quanto aconteceu na história de Israel e do próprio Jesus de Nazaré, sugerindo realmente a veracidade de tal evento!

A própria fé cristã somente pode explicar-se e articular-se à luz da Ressurreição: sem ela todo o edifício teológico cai e o próprio Antigo Testamento fica sem um final e sem sentido pleno…

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7. Não menos digno de nota é o testemunho dos discípulos: eles nunca falaram de aparições interiores nem de um cadáver reanimado; falaram de um Jesus totalmente transformado e glorioso!

Ora, crer neste testemunho é aceitar a palavra de pessoas que se encontraram com Jesus ressuscitado através de um tipo especial de experiência exclusiva deles. Desde Orígenes e dos Padres da Igreja, chama-se atenção para a coerência dos apóstolos e sua vida heroica, exatamente por causa de sua experiência com o Ressuscitado.

Pode-se concluir esta apresentação com o raciocínio lúcido de São Tomás de Aquino: Nenhuma razão particular, em si mesma, pode provar a Ressurreição: os argumentos individuais tomados em si mesmos não são prova suficiente da Ressurreição de Cristo, porém tomados em conjunto, de um modo cumulativo, manifestam-na de um modo perfeito. A Ressurreição, por um lado, exige sempre o salto da fé; por outro lado, uma fé esclarecida e racionalmente justificável. Por quanto sejam louváveis, os seguintes versos fideístas não são suficientes para uma adesão humanamente responsável: “Vive, vive Jesus Cristo vive hoje:/ Passeia comigo e me fala/ Ao largo do estreito caminho da vida./ Vive, vive para nos salvar;/ tu me perguntas como sei que vive…/ Vive dentro do meu coração!” Se Jesus vive simplesmente porque vive no meu coração, então eu o ressuscito e não ele a mim; eu o salvo da morte e do esquecimento do nada e não ele a mim!

É muito mais lúcida, humana, responsável, madura e católica a observação de Tomás de Aquino: Não devemos crer se não tivermos razões para crer!

Dom Henrique Soares da Costa

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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