A questão do celibato sacerdotal

Jesus, o verdadeiro e único Sacerdote da Nova e eterna Aliança, optou pelo celibato, a fim de se consagrar inteiramente e indivisível ao serviço do Pai. A vontade do Pai era a sua vontade. Ele disse aos discípulos: “Eu tenho um alimento que vocês não conhecem; meu alimento é fazer a vontade do meu Pai” (Jo 4,34); “Eu desci do céu para fazer a vontade, mas a vontade do meu Pai” (Jo 5,30); e, na hora da Paixão do Horto das Oliveiras, Ele reafirma: “… mas não se faça a minha vontade…” (Lc 22,42).

Esse desejo permanece de “fazer a vontade do Pai” e salvar a humanidade fez Jesus assumir o celibato; e assim todo sacerdote, que participa do seu sacerdócio, deve ser como Jesus: livre, todo de Deus e a serviço da Igreja, sem dividir a sua vida.

Por outro lado, Jesus elogiou o celibato:

“Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso do matrimônio falso, e desposa uma outra, comete adultério. E aquele que desposa uma mulher rejeitada comete também adultério. Seus discípulos disseram-lhe: se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar! Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado. Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pela mãos dos homens e há eunucos que a si mesmo se fizeram eunucos por amor do Reino dos Céus. Quem puder compreender, compreenda” (Mt 19,9-12).

Jesus enfatizou o valor que existe em renunciar a tudo por causa dele, inclusive mulher e filhos (Lc 14,26; 18,29; Mc 10,29; Mt 10,37-39; 19,29); e explica que há quem renuncie voluntariamente à união carnal por causa do Reino dos Céus. E avisa que nem todos são capazes de compreender essa palavra. A alguns, porém, isso é concedido; aos que recebem, com a vocação, o dom e a capacidade para compreender e viver o celibato, não com a força humana, mas sim com a de Deus, para quem nada é impossível (Mt 19,26).

Esses que se fizeram eunucos (“castrados”) por amor do Reino de Deus são os celibatários de ambos os sexos, consagrados inteiramente ao serviço do Senhor; aceitaram não ter esposo ou esposa e filhos para se dedicarem totalmente a Deus.

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Alguns alegam que S. Pedro era casado, e que havia Bispos e Padres casados no início da Igreja; é verdade, mas o modelo do sacerdote é Jesus, e não S. Pedro, e logo a Igreja entendeu isso. São Paulo não era casado e recomendava o celibato.

“Aos solteiros e às viúvas, digo que lhes é bom se permanecerem assim, como eu. Mas, se não podem guardar a continência, casem-se. É melhor casar do que abrasar-se” (1Cor 7,8). “Quisera ver-vos livres de toda preocupação. O solteiro cuida das coisas que são do Senhor, de como agradar ao Senhor. O casado preocupa-se com as coisas do mundo, procurando agradar à sua esposa” (1Cor 7,32-33).

S. Timóteo, que S. Paulo sagrou Bispo e colocou em Éfeso, era celibatário. Esses exemplos são do primeiro século da Igreja e mostram que logo a Igreja percebeu o valor do celibato, e assim foi entendendo que o ideal para o sacerdote era mesmo o celibato. A primeira norma a esse respeito foi definida pelo Concílio regional de Elvira (Espanha), por volta do ano 307, proibindo aos ministros casados viverem maritalmente com suas mulheres. As demais Igrejas (inclusive as orientais) logo definiram normas semelhantes e cada vez mais restritivas.

As Igrejas orientais, embora continuem até hoje aceitando a ordenação de homens casados, apreciam e valorizam o celibato, e mantêm as restrições estabelecidas nos primeiros séculos, ou seja: os padres ordenados solteiros não podem mais casar-se, e os Bispos são sempre escolhidos entre os padres solteiros. Quanto ao Ocidente, foi o 1º Concílio de Latrão, em 1123, que pela primeira vez estabeleceu em âmbito geral e universal o celibato como lei para todos os padres, na Igreja latina. Os concílios seguintes confirmaram essas disposições, inclusive o de Trento, como também o Vaticano II.

Houve quedas e falhas no decorrer dos tempos, mas a legislação se manteve até hoje, dando testemunho de que a vida uma e indivisa não pode faltar na Igreja; ligada ao sacerdócio e a congregações religiosas, ela é um sinal de que o homem pode encontrar no infinito de Deus a sua plena satisfação. Torná-la hoje opcional para os clérigos seria o mesmo que aboli-la, pois o celibato é opcional para todos os homens, mas poucos são os que o abraçam.

Mesmo sem ser imposto como norma, o celibato sacerdotal foi sendo cada vez mais valorizado e recomendado, como atestam diversos Padres da Igreja: Tertuliano, S. Cipriano, S. Clemente de Alexandria, Orígenes. No século III, as Igrejas do Egito, África e Síria davam preferência à ordenação de Presbíteros celibatários (os quais, uma vez ordenados, não podiam mais casar-se). Os Presbíteros casados eram aconselhados a viver como irmãos com suas esposas. São Cirício, em 385, escrevia a alguns padres que eram casados: Nós somos obrigados à sobriedade e à castidade desde o dia de nossa ordenação, para sermos agradáveis a Deus nos sacrifícios cotidianos, como diz o vazo de eleição. Os que estão na carne não podem agradar a Deus (Rm 8,8).

Os sucessores imediatos dos Santos Apóstolos, e depois, todos os Padres e Doutores da Igreja foram fervorosos pregadores do celibato e escreveram livros inteiros para exortar os fiéis a abraçarem esta virtude: São Cipriano de Cartago (†258), São Gregório Nazianzeno (†379), Santo Atanásio (†373), São João Crisóstomo (†407), Santo Ambrósio (†397), São Jerônimo (†420), entre outros. Apenas na pequena cidade de Oxirinca do Egito, nos primeiros séculos da Igreja, havia vinte mil virgens e dez mil monges, tal era o amor à castidade.

O mundo hoje se assusta diante da possibilidade de alguém viver a vida celibatária porque acha impossível alguém guardar a castidade nesta sociedade secularizada e tão sexualizada. Isto acontece porque se esquecem da ação e do auxílio da graça de Deus, mas os cristãos conhecem a força da graça que torna possível aquilo que parece impossível à natureza. Os milhares de padres e Bispos, irmãs e irmãos consagrados, que vivem plenamente o seu celibato, mostram que é uma realidade bela e possível, com a graça de Deus como uma oferta a Deus.

Não é verdade que, sem o celibato, haveria mais padres. Os números mostram que, entre os ortodoxos, onde há a ordenação de homens casados, a falta de vocações ao ministério pastoral é maior do que entre os católicos. Períodos de crise são normais, mas já se nota hoje um significativo aumento no número e na qualidade das vocações sacerdotais na Igreja. Os seminários estão se enchendo novamente, porque uma renovação espiritual está em curso na Igreja.

Não é verdade que tenha havido insucesso do celibato. Se muitos padres abandonam o ministério, não é tanto por causa do celibato em si, mas é muito mais uma questão de fidelidade a Deus e de perseverança na oração e nas virtudes, e de uma vida verdadeiramente santa e consagrada a Deus. Também o matrimônio tem sido igualmente ou mais desrespeitado através dos séculos. Não basta ter uma esposa, ou uma mulher ao lado para ter todos os problemas resolvidos. Há tantos problemas hoje com os casados! Mas nem por isso se deve abolir o matrimônio.

O grande Mahatma Gandhi, da Índia, disse uma vez que ele acreditava que a força da Igreja católica estava no celibato dos seus sacerdotes.

Na verdade, a aceitação do celibato é uma prova de fogo para aquele que deseja ser sacerdote do Senhor, imitar os seus passos e estar inteiramente no egoísmo, no consumismo e no prazer, isto pode parecer loucura e insensatez, mas, para os que amam a Deus e querem lhe entregar a vida de maneira radical, é uma alegria.

Isso não significa que o matrimônio não seja bom e santo, mas sim que é necessário haver também, no mundo, sinais que nos lembrem a plenitude divina à qual todos somos chamados. O celibato dos padres e religiosos é um carisma da Igreja que nos lembra que Deus deve estar acima de tudo em nossa vida, e que o seu amor é capaz de saciar-nos e completar-nos mais e melhor do que qualquer amor físico. Com isso, não se nega o valor da afetividade humana, que é reflexo do amor de Deus e também é vivida pelos consagrados, embora de uma forma mais livre e menos exclusiva, mais espiritual e menos carnal, como a maneira pela qual Jesus nos ama.

Na origem desse crescente valorização do celibato também está, é claro, o Evangelho e o testemunho dos Apóstolos, como alias acontece com todas as posições defendidas pela Igreja. Jesus não era casado, contrariamente ao costume Judeu, e em muitas passagens ele ressalta o valor de busca a perfeição, seguindo seus passos. O matrimônio é uma realidade importante e indispensável na terra, mas que não existe no Reino dos Céus, como diz Jesus em Mt 22,30: depois da ressurreição, ninguém se casará, mas todos serão como anjos.

Assim, os sacerdotes são chamados a ser, no mundo o primeiro sinal dessa realidade futura mais perfeita. Pelo chamado especial de Jesus, os Apóstolos deixam de pertencer ao mundo, embora estejam no mundo (Jo 15,19;17,6). Para ser sinal de Jesus, eles precisam ser diferentes, não se confundindo com o mundo. Como disse o Papa João Paulo II numa homilia aos sacerdotes: “A força do sinal não está no conformismo, mas na distinção. A luz é diversa das trevas para poder iluminar o caminho de quem anda no escuro. O sal é diverso do gelo para aquecer os membros enrijecidos pelo frio. Cristo nos chama luz e sal da terra”.

Papa Bento XVI, falando aos bispos de Ghana, afirmou, em 25/04/2006, que o dom de si mesmo ao outro, no sacerdócio celibatário, é o coração do sacramento da ordem sacerdotal na Igreja e que os que recebem este sacramento estão configurados de um modo particular a Cristo. O Papa também advertiu que a vida sacerdotal “nunca deve considerar uma maneira de melhorar a própria categoria social ou nível de vida. Se assim for, a oferenda de si mesmo e a docilidade ao projeto de Deus cederão lugar aos desejos pessoais e o sacerdote será ineficaz”.

Enfim, o sacerdote sendo celibatário tem ainda como vantagem estar todo disponível para o serviço de Deus, sem ter que se preocupar com o cuidado da esposa e dos filhos, o que demanda tempo e trabalho.

Retirado do livro: “Ordem”, Coleção Sacramentos. Ed. Canção Nova.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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