Revista: PERGUNTE E RESPONDEREMOS
D. Estevão
Bettencourt, osb
Nº 502 – Ano : 2004
– p. 145
Tem
suscitado polêmica o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, autor católico
que procura reproduzir as doze últimas horas de Cristo mortal, desde a sua
agonia no Horto das Oliveira. Há quem rejeite o filme na base de dois títulos:
antissemitismo e excessiva violência. Serão válidas essas bases?
Antissemitismo (…)
Relatando a Paixão de Cristo, Mel Gibson não podia deixar de apresentar o papel
dos judeus, que entregaram Jesus a Pilatos pedindo a sua condenação. O fato
registrado pelos quatro evangelistas é inegável. Isto, porém, não quer dizer
que todo o povo judeu, através dos séculos, seja um povo deicida (ou que matou
a Deus). Deicida é somente aquela geração que pediu a morte de Jesus, como
sabiamente observa o Concílio do Vaticano II (cf. Nostra Aetate nº 4). O Papa
João Paulo II tem chamado a atenção para a onda de anti-semitismo que se vai
avolumando e pede aos fiéis católicos que lhe resistam, respeitando “os irmãos
maiores”.
Quanto á
violência, é preciso reconhecer com todos os comentaristas que é
impressionante; o sofrimento é assim apresentado em tom clamoroso. Quem não
compartilha a fé cristã, não deve achar sentido em tais cenas de brutalidade;
serão “um despropositado exercício de sadismo” (Eduardo de Souza Lima). Mas,
para quem professa a fé cristã, esses quadros têm grande valor não porque
mostrem um corpo humano dilacerado e ensangüentado, mas porque ajudam a
compreender melhor o que é o pecado. Sim, o pecado é desfiguração da pessoa
humana, é destruição e morte; é o pior dos males que possam acontecer a alguém,
pois separa do único Tesouro que o homem não pode perder. Por conseguinte é
para desejar que o espectador cristão não se detenha somente sobre o sangue que
escorre e sobre as feridas que se abrem, mas veja em tudo isso o sinal que leva
os fiéis ao repúdio do pecado ou mesmo “provoca as lágrimas da compunção”, como
diziam os antigos.
Assim
considerado, o filme de Mel Gibson será um estímulo não só para repensar a
Paixão de Cristo, mas também para uma reflexão de ordem prática ou uma repulsa
mais radical a tudo que possa atenuar a beleza da alma humana feita à imagem de
Deus.
Maria
Santíssima, tão presente ao Filho no filme, assista aos demais filhos no
exercício de ver nas chagas de Jesus a conseqüência e espelho do pecado.
A última
palavra é a da ressurreição ou vida nova, que se segue à vitória sobre o pecado
e a morte.