A oração, vital como a água – Parte 2

No artigo passado, respondemos a questão “que é rezar?”. Agora, vamos à nossa segunda pergunta:

Para que rezar?

Pensamos logo na oração como uma arte para conseguir de Deus aquilo que queremos. Trata-se de uma visão pobre e enganada da oração. Já afirmei, no artigo passado, que rezar é colocar-se diante de Deus em atitude de escuta, de acolhimento e disponibilidade. Mas, para que isso?

Vimos de Deus, por ele e para ele fomos criados e em tudo dependemos dele. Ele é nossa realização, nossa plenitude, a saciedade do nosso coração. Somente abertos para ele, vivendo em comunhão com ele, seremos felizes. Mas, temos enorme dificuldade em perceber isso, em viver essa realidade. Nossa tendência é viver a vida centrados em nós mesmos, como se fôssemos o umbigo do mundo e o centro do universo: julgamos tudo a partir de nós mesmos, analisamos tudo segundo nossos interesses e perspectivas, colocamos nossa segurança e nossa apoio em tantas coisas, em projetos, em pessoas, em situações que julgamos importantes para nós… Procuramos ancorar nossa existência em realidades tão passageiras… e temos a ilusão de sermos auto-suficientes, de pensarmos que a vida é nossa de um modo absoluto. Ora, viver assim é viver inautenticamente, é viver uma ilusão: a ilusão de ser Deus! E todos nós temos essa tendência de absolutizar o que é relativo e relativizar o que é absoluto: “Sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3,5)..

Pois bem, a oração tem o efeito de nos colocar continuamente diante de Deus, único Absoluto. Quando rezamos, vamos deixando que Deus vá se tornando, de fato, Alguém, na nossa existência; não uma idéia, mas uma Pessoa; não algo, mas Alguém! Vamos, aos poucos, aprendendo a ver-nos e ver o mundo à luz de Deus; na luz dele, vamos começando de verdade a ver a luz. Deus vai se tornando o centro da nossa vida e vamos, pouco a pouco, nos relativizando a Deus e colocando tudo em relação a ele e em função dele. A oração, portanto, tira-nos do centro e nos faz perceber que Deus é o verdadeiro centro e que nós somos relativos, relativos a ele. A oração ensina-nos a colocar Deus no lugar de Deus, nos faz deixar que Deus seja Deus de verdade. Vamos percebendo com todo o nosso ser, que nossa existência depende dele e somente nele seremos nós mesmos porque seremos aquilo para que fomos criados. Deixando que Deus seja o centro, ficamos livres do enorme peso que nos tornamos para nós mesmos, com nosso instinto desarrumado de auto-afirmação compulsiva. Pensemos no nosso terrível fardo: a tendência de nos afirmar diante dos outros em tudo: na vida afetiva, profissional, social, econômica… A tendência de controlar nosso destino e o dos outros… É um verdadeiro inferno! A oração nos liberta disso tudo e nos amadurece. O verdadeiro orante sabe que sua vida está nas mãos de Deus e tem valor porque é valiosa aos olhos de Deus. O orante não é um tolo passivo e alienado, mas alguém que sabe que Deus tem um projeto para sua vida e para a vida do mundo e, assim, constrói responsavelmente sua existência e procura melhorar a realidade à sua volta, mas sem estresse, sem aquela tensão de quem não vê senão a disputa que é a vida, com a concorrência, os acasos e a competição louca do cada um por si. Quem reza, compreende que, para além de tudo, há Alguém amoroso, providente, justo que é parceiro no nosso caminho. É interessante, mas o verdadeiro amigo de Deus, ao mesmo tempo em que se relativiza, percebe o seu valor diante de Deus, sente-se amado, aconteça o que acontecer e, assim, encontra forças para enfrentar os desafios da vida e vencê-los.

Note-se que a oração não tem como finalidade primeira conseguir de Deus as coisas, mas nos fazer perceber a verdadeira realidade: quem é Deus e quem somos nós. Assim fazendo, faz-nos viver uma existência autêntica e feliz.

Somente a oração nos faz compreender o verdadeiro sentido de todas as coisas, porque começamos a ver da perspectiva de Deus e não da nossa própria. Sem ela, confundiremos Deus conosco mesmos, sua vontade com a nossa. Sem rezarmos, perderemos de vista o sentido do que nos acontece, exaltando-nos de modo bobo quando as coisas nos ocorrem favoravelmente e nos prostrando de modo infantil quando um desastre atinge nossa vida. Portanto, não há modo de viver de verdade como crente, de ser alguém aberto para o Transcendente, sem a capacidade de rezar.

Se pensarmos que o cristianismo não é uma ideologia, uma teoria sobre Deus, mas uma relação viva e dinâmica com ele, então poderemos perceber que de modo algum se pode ser cristão sem o exercício contínuo e perseverante da oração. Por isso, os místicos e sábios cristãos sempre advertiram que ninguém nos mostre outro caminho para Deus que não a oração. Sem ela, todo o resto cai por terra na nossa relação com o Senhor. Nem uma boa ação que fizéssemos, nem a maior obra de caridade que executássemos seria realmente por amor a Deus fora do terreno da oração. Poderíamos, sem rezar, fazer, no máximo, obras de filantropia, como o Lions e o Rotary Club ou obras motivadas por uma ideologia, como os partidos políticos e as ONGs, mas nunca obras realmente cristãs.

No próximo artigo continuaremos ainda. Veremos, então, como rezar.

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D. Henrique Soares da Costa

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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