A Onu contra a familia – EB

Revista : “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº 495  –  Ano:  2003 
–  p. 397

 Em síntese:  As páginas subsequentes reproduzem o conteúdo
de um artigo de Mons. Michel Schooyans sobre as tendências da ONU relativas à
família: propugnam novos direitos do homem, preconizando absoluta liberdade
sexual, equiparando à família tradicional as uniões homossexuais, banindo o
termo “maternidade” e as diferenças entre o masculino e o feminino.

Mons. Michel Schooyans é professor
emérito da Universidade de Louvain-la Neuve (Bélgica) e Consultor do Pontifício
Conselho para a Família.  Tem escrito
vários artigos sobre as tendências do mundo moderno propugnadas pela ONU e
organizações satélites em contrário à família tradicional; cf. PR 469/2001, pp.
271ss; 453/1999, pp. 254ss.

As páginas que se seguem,
reproduzirão, de maneira adaptada, o artigo desse autor intitulado “L’ONU
CONTRE LA FAMILLE
e publicado no periódico FAMILIA ET VITA do Pontifício Conselho para a Família
nº 3 de 2000, pp. 44-51.

O conceito de família

A evolução de pensamento dos
órgãos componentes da Organização das Nações Unidas (ONU) tem-se manifestado
especialmente nas assembléias internacionais realizadas na década de 1990 na
seguinte ordem:

1992, Rio de Janeiro:  Sobre o Meio Ambiente;

1993, Viena : Sobre os
Direitos do Homem;

1994, Cairo:  Sobre População e Desenvolvimento;

1995, Pequim:  Sobre a Mulher;

1996, Istambul:  Sobre Habitação.

É de notar que em 1948 a ONU promulgou a
Declaração dos Direitos do Homem, cujo artigo 16 rezava: “A família é o
elemento natural e fundamental da sociedade e goza do direito de proteção por
parte da sociedade e do Estado”.  – A
origem e o contexto desse artigo demonstram que se tratava então da família
heterossexual e monogâmica.  Ora
especialmente após a Conferência de Pequim (1995) os pronunciamentos da ONU
utilizam o termo “família” para designar qualquer tipo de união consensual:
homossexual, lésbica, família monoparental masculina ou feminina (…)

Ocorre assim um desvio do
sentido de “família”, palavra doravante equívoca, cujo significado varia de
acordo com o contexto em que se insere.

Individualismo

A evolução assinalada é
inspirada, em grande parte, por uma antropologia individualista e
neoliberal.  Para os respectivos
mentores, a família tradicional cria interdependência entre os seus membros e
exige fidelidade, que cerceia a liberdade dos familiares.  Ao contrário, as uniões homossexuais são
solúveis a critério dos seus componentes. 
Eis por que a ONU apoia manifestamente os países que reconhecem
oficialmente o casamento gay e atribuem aos diversos tipos de união as mesmas
prerrogativas que tocam à família tradicional. 
Esta fica sendo apenas uma opção entre outras modalidades de união.  O casamento, baseando a família, fica sendo
contrato meramente privado entre indivíduos, contrato que pode ser assumido,
dissolvido e refeito de acordo com os interesses dos parceiros; deixa de ser
uma realidade importante ou decisiva para a sociedade.

Quanto aos filhos, caso os
haja, perderão a família, se esta se dissolver, sem que isto preocupe
grandemente os governantes civis.  Por
estas razões a palavra “família”, que lembra valores tradicionais, vai caindo
no desuso dos documentos oficiais da ONU, que preferem falar de gender.  Examinemo-lo de mais perto.

A ideologia do gender

A concepção de gender se
prende a idéias dos pensadores socialistas do século XIX.  Com efeito, segundo Friedrich Engels (+
1895), a luta de classes se dá, antes do mais, entre o homem-patrão e a mulher-escrava;
a família heterossexual e monogâmica é o ambiente por excelência em que a
mulher é explorada e oprimida pelo homem. 
Por conseguinte a libertação da mulher passa pela destruição da família.
– Uma vez emancipada do jugo do marido e do fardo da maternidade, a mulher
poderá ocupar seu lugar na sociedade-produção.

Tal tese, de índole
socialista, é ulteriormente desenvolvida pela filosofia estruturalista; esta
ensina que cada cultura tem suas regras de conduta.  A tradicional corresponde à era de Peixe
(Jesus Cristo), deve ser ultrapassada. 
As mulheres devem empreender uma revolução cultural, que formulará novas
regras do comportamento humano.  A nova
cultura professa que as diferenças de conduta do homem e da mulher na sociedade
carecem de fundamento natural; estão em dependência de determinada época da
história, que já passou.

Mais precisamente afirmam os
arautos da filosofia do gender; se as diferenças de funções do homem e da
mulher são, como dito, de ordem meramente cultural, segue-se que o sentido
maternal da mulher é algo do pretérito, de modo que é preciso “desmaternizar” a
mulher.  A nova cultura porá fim a todas
a diferenciações anacrônicas “da era da opressão da mulher por parte do homem”;
acabarão as desigualdades existentes entre ele e ela; donde se seguirá a
destruição da família, pois precisamente esta é conseqüência do comportamento
heterossexual do homem e da mulher em vista da transmissão da vida.  A nova cultura nega a importância da diferenciação
genital do homem e da mulher, por conseguinte os papéis dele e dela na
sociedade podem ser trocados; 
conseqüência destes princípios é que as palavras “casamento,
paternidade, maternidade” já não têm sentido, a tal ponto que o documento final
da Conferência de Pequim (1995) não utilizou uma só vez o vocábulo
“maternidade”, a nova cultura prefere dizer “mulher com criança”.

Sempre dentro da lógica das
(falsas) premissas, apregoa-se a extinção das normas da Moral familiar
tradicional e reivindica-se total liberdade de comportamento sem alguma
limitação.  Ora uma tal liberdade é via
apta a provocar desmandos, abusos e crimes.

Tais concepções são adotadas
não somente pela maioria das agências da ONU, mas também por numerosas
Organizações não Governamentais (ONGs). 
Delas decorrem, além das práticas apontadas, a legitimação do aborto e
do homossexualismo, que passam a constituir novos direitos da pessoa humana.

Novos direitos

A nova cultura proclama,
entre outros, o direito à “saúde reprodutiva”, que compreende três
aspectos:  a) a contracepção,  b) o aborto (designado pela expressão
“interrupção da gravidez”)  e c)  a educação sexual.

a) A contracepção suscita a
noção de que na união sexual o prazer é um bem a ser almejado e a criança um
risco a ser evitado.

b) O aborto sacrifica o
elemento mais inocente e frágil da família a ser destruída.

c) A educação sexual é
amplamente propugnada pela ONU e seus satélites, tendo em vista especialmente
adolescentes.  Estes devem poder gozar,
sem restrições, dos seus “direitos reprodutivos” à contracepção, ao aborto, à
pílula do dia seguinte (…)  Os genitores
não são autorizados a controlar os novos direitos que seus filhos são
convidados a pôr em
prática.  Ver Apêndice
deste artigo, p. 402.

Na verdade, a proibição,
feita aos pais, de controlar a educação sexual dos filhos é apenas uma faceta
do interdito de acompanhar a educação dos filhos ministrada por órgãos estatais
e não estatais.  Os genitores são assim
afastados dos filhos porque suspeitos de conservadorismo.

O exercício dos novos
direitos terá como seqüelas a queda da fecundidade e o envelhecimento das
populações, fenômenos que aliás já podem ser observados em nossos dias.  Especialmente a Europa é afetada por esses
dados; ali a fecundidade é da ordem de 1,5 filho por cada mulher em idade fecunda,
ao passo que deveria ser de 2,1, no mínimo, para poder renovar a
população.  Quanto às crianças que venham
a escapar da contracepção e do aborto, dificilmente terão irmãos e irmãs no
mesmo lar, nem primos e primas, nem tios e tias, nem sobrinhos e sobrinhas.  Assim irá mirrando a família em greve anemia.

Relativismo

Em última análise, a nova
cultura está baseada numa cosmovisão relativista ou numa filosofia em que
faltam conceitos perenes e universais; tal relativismo tende a se impor não só
à família, mas a todo o tecido da sociedade. – Tal cosmovisão pretende
justificar-se alegando que os homens não são capazes de distinguir do mal o bem
e de apreender a verdade como tal, pois se diz que vivem no claro-escuro ou na
penumbra filosófica.

Assim a ONU renega seu modo
de ver formulado em 1948 na famosa Declaração dos Direitos Humanos, réplica aos
totalitarismos de direita e esquerda que moveram a Segunda guerra mundial.  Em 1948 o documento citado reconhecida direitos
inalienáveis que tocam a cada ser humano; não são concessões de algum
governante, mas dados naturais que todo governante e toda sociedade devem
respeitar e promover.  O primeiro desses
direitos é o direito à vida, que deve desabrochar na família.  Direito civil e penal há de ter por princípio
básico o respeito ao homem e à família (…) família que já Cristo (+ 43 a.C.) chamava “pusilia res
publica”  (pequena república ou pequeno
reduto que interessa a toda a sociedade).

Como dito, a ONU, fundada em
1945 para assegurar a paz, a convivência fraterna dos povos, em oposição aos
totalitarismos que ensangüentaram a Europa, adota hoje uma filosofia antitética
àquela que justificou sua origem e existência.  
Nova filosofia segundo a qual os direitos do homem e da família não
estariam fundamentados na natureza das coisas. 
Seria impossível saber com objetividade o que é justo, o que é correto,
o que é verdadeiro; por conseguinte os homens do século XXI é que têm de
definir o que é verdadeiro, correto e justo …; devem debater, negociar e,
finalmente, votar os direitos do homem; o alvitre da maioria será decisivo e
terá força de lei.  Quem não aceita tal
procedimento, é tido como “inimigo dos direitos do homem”, deve ser denunciado
como tal e perseguido pelas instâncias jurídicas que zelam pela observância da
vontade da maioria.

Como se vê, tal arrazoado
reflete exatamente o positivismo jurídico: 
o Direito tem sua fonte na vontade dos mais fortes; até mesmo o direito
à vida depende do consentimento dos poderosos. 
É sufocado o direito de oposição, a qual corre o risco de se silenciada
se não pela violência física, ao menos por uma repressão moral.

No intuito de implantar os
novos direitos do homem, a ONU procurará persuadir os Estados de que se devem
adaptar a eles.  Cada país interessado
assinará uma convenção-compromisso, que redundará em legislação para a
população de tal país.  Os Estados
refratários serão submetidos a pressão e sujeitos a ajuda condicionada.

REFLETINDO (…)

Seis principais tópicos vêm
ao caso.

1) Mons. Schooyans pintou
com tintas fortes o quadro presente e seus prognósticos.  Pode-se crer que nunca a ONU conseguirá
implantar no mundo inteiro “a nova cultura”. 
Haverá sempre importantes redutos de bom senso e de fidelidade à lei de
Deus.

2) Antes da lei positiva,
ditada pelo legislador, existe a lei natural, impressa pelo Criador no íntimo
de todo ser humano; é ela que clama: “Não mates. Não roubes. Não
adulteres…”.  Essa lei natural deve ser
respeitada por qualquer legislador humano, a tal ponto que não têm força de lei
as sentenças que se lhe oponham.

3) Consequentemente vê-se
que a verdade e o bem não podem ser definidos por plebiscito nem por votação de
congressistas.  O reto alvitre pode estar
do lado da minoria.

4) Pode o homem conhecer a
verdade como tal e o bem como tal?  Ou só
conhece aproximações da verdade e do bem? – Se o homem possui faculdades para
conhecer (intelecto e sentidos), seria absurdo que ele não chegasse a atingir a
Verdade e o Bem.  Neste mundo existe
harmonia entre demanda e resposta:

Se existe olho para ver a
luz, existe a luz.

Se existe ouvido para
perceber sons, existem sons que lhe correspondem.

Se existe pulmão para
respirar, existe ar.

Se existe intelecto para
apreender a Verdade, existe a Verdade que ele pode apreender.

5) O estudo da história
revela evolução e mudanças.  Há novas
culturas.  Essas mudanças, porém, não
afetam o essencial da pessoa humana.  O
ser humano será sempre masculino e feminino, devendo um sexo completar o
outro.  Uniões do mesmo sexo são
contrárias à natureza.  A tendência
homossexual pode ser isenta de culpa se ela não se traduz em prática
homossexual.

6) Em épocas passadas a
mulher foi dominada pelo homem. 
Atualmente, porém, ela vai afirmando seus direitos tranqüilamente sem
que haja necessidade de “luta de classes” entre o homem e a mulher.  O Papa tem escrito sobre o importante papel
da mulher na história e na sociedade atual, entre outras coisas, lembra que o
homem tem, para com a mulher, uma dívida que ele nunca poderá pagar, pois é a
mulher que forma o homem (o futuro estadista, cientista, artista, militar …),
dando-lhe princípios que o filho geralmente guarda por toda a vida.  A maternidade assim entendida fica sendo a
grande prenda da mulher, é a colaboração com o Criador, da qual a mulher só se
pode ufanar.

APÊNDICE

A chamada “educação sexual”
não é mais do que instrução sexual, pois não apresenta escala de valores, mas
apenas dados de biologia e fisiologia. 
Isto desperta a curiosidade dos adolescentes e os incita a fazer suas
experiências sexuais, das quais resulta a gravidez precoce.

O jornal O GLOBO, edição de
11/05/03, noticia :

“MÃES MENINAS MUDAM O JEITO
DA FAMÍLIA BRASILEIRA” (1º Cad. P. 1)

“PESQUISAS COMPROVAM QUE A
MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA JÁ É UM FENÔMENO NO BRASIL.”

“Há poucos anos, mães-meninas
eram 11,45 e viraram 17.239, segundo dados do Data-SUS e do IBGE.  Ela e a mãe começam a se acostumar com a nova
rotina, assim como famílias e mais famílias de brasileiros aprendem a conviver
com o que já virou um fenômeno, evidenciado pela queda da taxa de fecundidade
noutras faixas etárias: o das mães meninas. 
São 22% da população (532.653 mães entre 10 e 19 anos no país).  Eram 18% em 1994 (445.592 jovens).

É tanta menina engravidando
que a Comissão de Assuntos da Criança, do Adolescente e do Idoso, da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, presidida pelo deputado Paulo
Pinheiro, quer saber por que numa audiência pública marcada para amanhã, às
14h, no auditório da Alerj.  O objetivo:
discutir como as escolas estão lidando com as mães meninas e como a família
reage à nova rotina”  (Caderno FAMÍLIA,
P. 1).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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