A Moralidade no Antigo Testamento ( I ) – EB Parte 2

À luz
destas ideias, vemos que é preciso distinguir dois tipos de moralidade
primitiva, imperfeita: uma, a do homem nos primórdios da história; é compatível
com elevada santidade, desde que o indivíduo em nada contradiga a sua
consciência. Outra é a moralidade imperfeita do homem que teve conhecimento do
Evangelho: para este indivíduo, repetir o que era praticado pelos justos do
Antigo Testamento seria ilícito, já que a consciência
iluminada por Cristo tem muito mais clara intuição do bem e do mal, é mais
exigente.

Ao passo que outrora a imperfeição da
moralidade provinha do Estado infantil da consciência humana, ela hoje proviria
de decrepitude ou Degenerescência
culpável. Há, numa palavra, o primitivo ascendente (certos atos praticados no
Antigo Testamento) e o primitivo decadente (os mesmos atos, caso sejam
reproduzidos por quem de algum modo conheceu Cristo). Não há dúvida, o que hoje
é pecado contra a lei natural sempre foi hediondo aos olhos de Deus (o mal não
depende de mera convenção humana), mas não sempre foi percebido como tal pelos
homens, já que a sua consciência moral só aos poucos, através de séculos, atingiu o
pleno desenvolvimento.

 Em conclusão: Deus ouve por bem
fazer do homem seu filho, chamando-o ao consórcio íntimo da vida e da
felicidade divinas, em vez de o deixar na qualidade de servo; em lugar da lei e
do espírito de temor, que precederam a vinda de Cristo, quis dar-lhe o espírito
de amor. Ora está claro, que um pai tem, em relação ao filho, exigências muito
mais íntimas e delicadas que as do patrão em relação ao servo. Noblesse exige,
o que quer dizer: o homem se aperfeiçoou, foi dignificado; por conseguinte, a
consciência lhe pede mais do que pedia outrora, a fim de que se mantenha a
altura do seu destino sobrenatural. Feliz todo aquele que se sujeita a tais
imperativos, pois “servir a Deus, servir à lei de Cristo, é reinar” ! 14

O significado destas considerações
se patenteará ainda melhor no capítulo seguinte, que analisará alguns pontos
particulares da moralidade do Antigo Testamento.   

Haja vista
apenas o caso de Abraão, que, dada a esterilidade de sua esposa Sara, se une
tranqüilamente à escrava Agar, afim de Ter prole. É, aliás, Sara quem estimula
Abraão a tal feito (cf. Gn 16,2s). O filho

Assim
gerado, Ismael, satisfaz o Patriarca; Deus mesmo promete que a Ismael dará uma
posteridade inumerável, sinal de benção (cf. Gn 16, 10; 17, 20).

A respeito deste episódio, veja-se a
pág. 112.

Como
exemplo, vem o caso de Davi, que, após duplo crime Repreendido pelo profeta Natã,
reconheceu a culpa (cf.  2Sm 12, 11-14).

Também Saul
se penitenciou quando objurgado por Samuel (cf. 1Sm 15, 24s.). Algo de
semelhante fez o sacerdote Heli (cf. 1Sm 3,18).

O incesto
de Amnon com sua irmã Tamar é nitidamente relatado como ato pecaminoso (cf. 2Sm
13, 1-22). O mesmo se diga da inveja de Saul contra Davi (cf. 1Sm 19, 25-30).

  Ao Narrar o proceder fraudulento de Jacó, que
usurpou a benção Reservada a seu irmão Esaú, o autor sagrado dá mais de uma vez
a entender que se trata de um feito condenável:

Rebeca e Jacó reconhecem que se o artifício
for descoberta prematuramente, atrairá maldição, e não benção (cf. Gn 27,12s.).

Isaque, ao perceber a fraude,
censura Jacó (cf. 27, 35);

Rebeca é punida, pois deve mandar
partir o filho predileto para a Mesopotânia (cf. 27, 42-45);

Jacó  também é castigado, porque tem de passar
longos anos no exílio, após os quais teme a vingança de seu irmão Esaú (cf. 29,
28-30;32, 10-13);

Além disto, o próprio Jacó é,
por sua vez, enganado por seu tio Labã (cf. 29, 25 ) e por seus filhos, que
dele conseguem separar o filho bem-amado José (cf. 37, 25-36).

Executa-se
apenas a Bem-aventurada Virgem Maria.

S. Ambrósio
(+ 397) notava a respeito da penitência de Davi

(2Sm 12,
11-14):

“Davi pecou – coisa que costumavam
fazer os reis; mas submeteu-se à penitência, chorou, gemeu – coisa que não
costumavam fazer os reis.

Confessou a
culpa, pediu indulgência, prostrado por terra deplorou a desgraça, jejuou, orou…
Aquilo que os simples cidadãos se envergonham de fazer, o rei não hesitou em
realizá-lo abertamente… Que tenha caído em falta, é obra da natureza; que a
tenha apagado (pela penitência), é obra da virtude (sobrenatural)” (Apologia
David ad Theodosium Augustum, 2, 6).

S. Paulo fala da philanthropia de Deus, em Tt 3,
4.

7. Note-se a oração do Missal Romano no 26º Domingo do Tempo Comum:”Ó Deus, Manifestais a vossa
onipotência, antes de tudo, compadecendo-Vos e perdoando (…)”.

É, de fato, perdoando um sem-número
de vezes ao pecador sinceramente arrependido que Deus Manifesta sua inesgotável
ou infinita Bondade. A bondade e o amor das criaturas, por mais intensos que
sejam, tendem a arrefecer e se extinguir, quando não encontram correspondência.

8. Assim Abraão, ao emigrar para o
Egito, diz tranqüilamente que sua esposa Sara é sua irmã, afim de que o Faraó,
cobiçando a bela Sara, não venha a matar o marido Abraão (cf. Gn 12, 10-20).

O mesmo Patriarca se une à sua serva
Agar, numa espécie de adultério (cf.Gn 16, 1-3). Tem concubinas até o fim da
vida. E, apesar de tudo, diz o Gênesis que “morreu em feliz velhice”! (Gn 25,
8)

Davi foi um guerreiro não raro cruel;
teve igualmente seu harém. Não obstante, Deus desde cedo o abençoou, prometeu
tornar inabalável o Seu trono até que de sua linhagem nascesse o Messias; cf.
2Sm 7, 8-16.

9. É essa relatividade da Moral que
professa a moderna “Ética da situação” ou o “Existencialismo ético”.

10. O Criador se poderia comparar a
um agricultor que costuma lançar sementes na terra, e não plantar árvores
adultas, carregadas de frutos.

 As idéias desenvolvidas neste item 3
se devem, quanto ao fundo, à Obra de Maritain, Histoire d’Abraham (Paris,
1947).o israelita como era; permitiu, pois, que o povo vivesse, em parte, À
semelhança dos demais povos orientais; às práticas antigas não politeístas, o
Mestre divino apenas quis insuflar novo espírito, comunicando nobres idéias e
aspirações aos israelitas mediante as instituições herdadas dos antenatos
caldeus. Assim, fazia com que o povo se fosse
elevando espiritualmente, até um dia poder ouvir a mensagem do Evangelho:
“Este é o meu preceito: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo 15,
12)”.

11. A seguinte comparação, proposta
por um autor moderno, vem oportunamente ilustrar a doutrina:

“Quando um
professor quer influenciar a mente do seu discípulo, esforça-se por descobrir
as idéias estranhas e tolas que este possui. Tendo-as percebido, serve-se delas
para insinuar aspectos da verdade (…) Ora na Bíblia o Espírito Santo é tal
mestre, tal pregador (…) Deus serviu-se das concepções de Israel como de um
ponto de partida, embora fossem pouco exatas.
Começou (o seu ensinamento) utilizando os conceitos que Israel possuía; aperfeiçoou-os  gradativamente a fim de levar o povo a poder
receber a Revelação cristã, que significa a plenitude ou a consumação do
processo”.

O autor prossegue, observando que o
Pedagogo Divino não quis apagar o cabedal de idéias religiosas que Israel
possuía por ocasião da aliança no Sinai. Não quis romper os laços do povo com o
seu passado. Sem intervir por meio de milagres, Deus permitiu que a Teologia e
a Moral do Antigo Testamento se desenvolvessem aos poucos, se desembaraçassem
lentamente de tradições pouco exatas, crescessem por

Ação da
Providência Divina e de revelações especiais.

Cf. J. P. Weisengoff. “Inerrancy of
the Old Testament in religious Matters” em The Catholic Biblical
Quarterly, 17 (1955), 34s.

12. Tal é, entre outros, o caso de
Davi, mencionado à pág. 133. Tal é também o
de Moisés e Aarão: embora por seu zelo religioso muito tenham agradado a Deus,
foram certa vez incrédulos (cf. Nm 21, 7-12); não obstante, morreram em santa
paz com o Senhor.13. Note-se o caso de Abraão, que
não hesitou em deixar sua terra e sua parentela para ir à região desconhecida,
à qual Deus o chamava (cf. Gn 12, 1-4). Também não vacilou, quando o Senhor lhe
pediu que oferecesse seu filho em sacrifício (cf. Gn 22, 1-18).

14. Cf. Missal Romano, “Oração da
Missa pela Paz”;     

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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