A Missa do Campeiro ou Boiadeiro – EB

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Estevão Bettencourt, osb
Nº 420 – Ano 1997 – p. 234

Em síntese: A Missa do Campeiro ou do Boiadeiro é um ensaio de inculturação no qual prevalecem  os aspectos folclóricos e teatrais sobre o sagrado. Vem a ser a profanação  do rito eucarístico, contrariando as normas da Igreja e desnorteando os fiéis ou o público em geral.

Tem sido celebrada no Brasil a Missa do Campeiro ou do Boiadeiro, com seus trajes, símbolos e ritos próprios, que fogem às prescrições da Liturgia da Igreja e deixam as mentes confusas.

Vamos, a seguir, expor alguns traços do respectivo ritual e tecer-lhe alguns comentários.

1. O Rito da Missa Campeira
Eis o que se lê logo no cabeçalho do folheto respectivo:

“Preparação: Prepara-se o altar com ornamentos típicos sobre um carro de boi ou um palco com uma cruz de bambu ou lenha rústica; ao lado, bem destacada uma lamparina  no lugar das velas e pode haver uma tocha ao lado da cruz. Os campeiros e campeiras colocam-se em forma de meia-lua ao redor do altar, de preferência a cavalo com traje típico. Providencia-se um bom serviço de som, com microfone sem fio, de preferência. Faz-se o comentário e durante o canto de entrada vêm chegando campeiros com o berrante, a bandeira do Brasil, do Estado, da cidade e da Igreja; logo atrás vem o Padre com trajes típicos ladeado por duas campeiras; todos a cavalo. (É bom que o ca valo do Padre seja bem manso). Ao chegar, ele veste a túnica alva e a estola e fica a cavalo até o momento do Ofertório; depois monta, após a Comunhão, para dar a bênção e participa do desfile”.

O  Canto de entrada é acompanhado pelo toque do berrante.

Por ocasião do ato penitencia! “os presentes depositam suas armas diante do altar”.

Ao Glória é previsto que “04 pares com trajes típicos podem fazer coreografia ou dançar diante do altar”.

A primeira leitura é introduzida por um campeiro, que “chega a galope e diz em tom bem forte: “Com licença, seu Padre. –  Pois não, companheiro; o que você traz para a gente? – Trago uma mensagem do Pai Santo, lá da estância eterna. – Ochente! Pois então leia pra nós”.

Ao Ofertório reza a rubrica: “Uma equipe pode trazer as ofertas dançando e continua dançando diante do altar até o final do canto. Dois campeiros recolhem as ofertas com o chapéu”.

Por ocasião da Consagração manda a rubrica: “Toca-se o berrante e dá-se um tiro, depositando, em seguida, a arma descarregada sobre o altar num gesto de paz e vida nova”.

Na Oração Eucarística, o Papa é chamado “capataz”, o Bispo “administrador”. Na introdução ao Pai-Nosso, Jesus é dito “o Divino Campeiro”.

“Após a Comunhão o Padre pode distribuir 02 pães e O2 cantis de vinho, que estarão sobre o altar, para que cada um passe adiante. Dois campeiros a cavalo podem ser ministros para irem distribuindo pão e vinho”.

Terminada a Oração final, “o Padre monta a cavalo e procede à bênção e pode seguir-se um desfile com os campeiros e campeiras enquanto se canta o canto final”.

Durante o canto final, “toca-se o berrante e pode-se soltar rojões. Cada um guarda em lugar apropriado as suas armas. O povo pode dançar durante o canto”.

Eis o depoimento de alguém que assistiu à Missa do Boiadeiro:

“No domingo p.p., esteve aqui, em minha paróquia, um Padre para celebração de uma missa “campeira”, mais conhecida como missa do boiadeiro. A mesma foi celebrada num dos morros da cidade, encontrando-se o celebrante, durante todo o tempo, montado em cima de um cavalo, com trajes típicos de um boiadeiro, com chapéu inclusive, até o momento do ofertório. A consagração foi feita em cima de um carro de boi, sendo certo que, neste momento, o celebrante colocou túnica.

Durante a consagração, foram consagrados pães, que foram distribuídos aos pedacinhos para os participantes. O vinho foi consagrado  num chifre de boi, e, em pequenas  jarras. Em seguida, era bebido na própria vasilha e passado de boca em boca”.
Pergunta-se agora:

2. Que dizer?
Proporemos seis comentários ao fato:

1) A primeira pergunta que muitas pessoas colocam a respeito, concerne à validade de tal celebração. – Pode-se dizer que foi válida, embora sacrílega e totalmente ilícita, … válida desde que o celebrante (devidamente ordenado) se tenha servido de pão de trigo puro, vinho de uva, e tenha tido a intenção de consagrar, pronunciando a fórmula exata da consagração eucarística. Note-se que algo pode ser ilícito, pecaminoso, mas válido, como o ato de roubar é ilícito e pecaminoso, mas, em certos casos, válido para pagar uma dívida.

2) Se a Missa foi válida, nem por isto é tolerável, como dito. Trata-se de uma tentativa falha e abusiva de inculturar, que não respeita o caráter hierático ou sagrado das celebrações litúrgicas. A Liturgia não pode ser reduzida a folclore, muito interessante e atraente por suas imagens, seus cantos, seus símbolos…; ela é a celebração do mistério da fé, que requer uma atitude de sobriedade e reverência. O Senhor disse a Moisés, para o tornar mais consciente da presença de Deus: “Tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás, é uma terra santa…”. Continua o texto: “Então Moisés cobriu o rosto” (Ex 3,5s). Na verdade, os gestos corpóreos são a expressão do que há no íntimo do ser humano; a reverência a Deus manifesta-se em gestos contidos e sóbrios.

3) Deve-se evitar distribuir a S. Comunhão “em massa” ou a todos os participantes da assembléia. O pão eucarístico não é símbolo, um presente dado a amigos; é o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Jesus Cristo, que só pode ser adequadamente recebido por quem esteja isento de pecado grave; o fato de se celebrar uma confraternização não justifica a distribuição indiscriminada da Eucaristia. Ademais, para a consagração do vinho eucarístico, requerem-se vasos fabricados precisamente para tal fim, segundo as normas da Liturgia; não é lícito usar qualquer vasilha. Também os paramentos litúrgicos são obrigatórios, conforme as rubricas do Missal, de tal modo que não é permitido usar trajes profanos para a celebração da Eucaristia.

4) A tarefa de inculturação dos valores  religiosos não pode consistir em baixar o nível do sagrado, adaptando-o totalmente aos conceitos e costumes da assembléia. A verdadeira inculturação parte do nível em que se acham os fiéis e procura elevá-los a níveis superiores de compreensão religiosa: há de ser uma pedagogia que faça crescer na fé e na vivência cristãs. O Transcendental tem que transparecer através das formas de expressão popular; se isto não acontece, a inculturação “achata” o povo e impede-o de subir a planos mais elevados de fé católica; presta um desserviço em vez de servir.

5) Somente a Santa Sé é competente para autorizar qualquer mu¬dança no rito oficial da celebração da Eucaristia; as adaptações de inculturação hão de ser submetidas ao julgamento da autoridade eclesiástica para que se evite que, alterando os símbolos, se altere também a mensagem da fé. Não raro pode acontecer que tal ou tal forma de cultura ponha em relevo um aspecto interessante, mas secundário, da Liturgia e deixe na penumbra os aspectos principais.

6) É, pois, para desejar que cesse imediatamente o costume de celebrar a Missa do Boiadeiro, por mais bem intencionado que esteja o seu autor. O Santo Padre o Papa tem pedido aos Bispos do Brasil que vigiem sobre a fiel observância das normas da Liturgia, de modo que não se cometam abusos – o que sempre desconcerta e prejudica a fé do povo de Deus, a quem todos os ministros do Senhor desejam servir.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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