A leitura espiritual

Há muitos tipos de leitura religiosa, mas não vou falar agora de todos nem sequer de vários deles. Apenas falarei de um: daquele que, na linguagem clássica cristã, se chama “leitura espiritual” em sentido estrito, e que costuma fazer parte do programa diário das pessoas que querem levar a sério a sua vida interior.

Consiste na leitura atenta e bem assimilada de um livro que trate de assuntos de vida espiritual, vida cristã, com boa doutrina e piedade: esclarecimentos sobre as verdades da fé, comentários aos Sacramentos, orientações sobre a prática das virtudes, das devoções, etc.

Convém ter presente que, dentro do conceito de “vida espiritual”, não entram só os temas de vida interior, mas também as virtudes e o modo de melhorá-las (a fé, a caridade, a paciência, firmeza, a temperança, a constância, etc.), bem como os defeitos (a vaidade, a preguiça, a ira, a inveja, a desordem sensual, etc.) e o modo de vencê-los; e ainda o esforço por santificar a família, por achar Deus no trabalho, por levar Deus a outras pessoas, por trabalhar para que a sociedade seja mais cristã e mais justa, etc.

Em suma, entra tudo quanto nos ajuda a procurar a santidade e o apostolado nas circunstâncias em que nos encontramos. Pois bem, a leitura espiritual tem como finalidade orientar-nos em todos esses campos.

Como fazer a leitura espiritual?

Antes de mais nada, é preciso convencer-se da sua necessidade e tomar a decisão de fazê-la, sempre que possível, diariamente.

Ao tomar essa decisão deverá ter em conta:

Primeiro: como em todas as práticas espirituais, é importante escolher o momento do dia mais favorável. Aténs do café da manhã? No escritório, antes de começar o trabalho? No começo da tarde (hora que pode ser útil para estudantes, para algumas mães de família…)? Ao visitar uma igreja, antes de voltar para casa? No ônibus ou no metrô, desde que possa sentar-se? Reflita e defina.

Será mais fácil definir o horário se levar em conta que a leitura não precisa ser longa: ordinariamente bastam dez ou quinze minutos para tirar bom proveito dessa prática espiritual. Vivendo-a com constância, em pouco tempo terá lido e aproveitado mais bons livros do que imagina.

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Por que fazer leitura espiritual?

Mais um conselho prático: se você definir, por exemplo, dez minutos de leitura, faça sempre dez minutos como “norma”, nunca menos. Caso queira estivar essa leitura por mais tempo, o u deseje ler mais em outra hora, não já problema nenhum, mas considere esse acréscimo como “leitura extra”. É só em relação ao seu programa definido, aos seus dez ou quinze minutos bem definidos, que deve se sentir fielmente comprometido, como exigência responsável.

Escolha bem, em cada momento, o livro da leitura espiritual mais adequado. Para isso, é muito útil pedir conselho a uma pessoa a critério que conheça a sua alma e as lutas da sua vida. Em todo o caso, sempre que possível, procure ler um livro que vá ao encontro das suas necessidades espirituais e formativas, não um livro que satisfaça apenas a sua curiosidade.

Uma vez escolhido o livro, leia-o devagar, pausadamente, em sequencia, e do começo ao fim (lendo, relendo, refletindo, rezando). Quem borboleteia nas leituras, “debicando” por curiosidade pedacinhos de vários livros ao mesmo tempo, sem completar nenhum tira pouco proveito e permanece superficial na sua vida interior.

Não importa quanto tempo demore a terminar um livro, mesmo que seja breve. Também não importa, antes pelo contrário, reler vários dias em seguida os mesmo trechos do livro, se a sua intenção é a de gravá-los melhor, para tirar deles mais fruto. Um livro bom pode se relido todos os anos (por exemplo, um clássico sobre a Paixão de Cristo, no tempo da Quaresma; ou um livro sobre Nossa Senhora, em Maio, mês de Maria).

Depois da leitura diária, ao fechar o livro, pergunte-se: O que foi que eu compreendi, o que me ficou mais gravado?

É muito bom ter o desejo de conhecer e de ler as obras clássicas de espiritualidade, que têm ajudado inúmeras pessoas a se aproximarem de Deus. Como diz São Josemaria: <<A leitura tem feito muitos santos>> (Caminho, n. 116). Para ter ideia do tipo de livros de que estou falando, vou citar alguns, uns poucos dentre os universalmente mais conhecidos:

– Tomás de Kempis: A imitação de Cristo;

– São Francisco de Sales: Introdução à vida devota (também chamado Filoteia), Tratado do Amor de Deus (mais “teológico”);

– Santo Afonso Maria de Ligório: A oração, A prática do amor a Jesus Cristo, As glórias de Maria;

– Santa Teresa de Lisieux (Santa Teresinha): História de uma alma (também chamada Manuscristos autobiográficos);

– Santa Teresa de Ávila: O livro da vida, Caminho de perfeição;

– São Josemaria Escrivá: É Cristo que passa, Amigos de Deus.

Há muitos outros livros de santos, que agora seria impossível citar, além de numerosas obras excelentes de autores antigos e contemporâneos, que podem fazer um bem imenso à nossa alma. Pesquise, pergunte, consulte a quem lhe possa dar um bom conselho. Acredite na leitura espiritual.

Antes de encerrar estes conselhos, queria fazer ainda dois esclarecimentos.

Não confunda a “leitura espiritual” com a “oração mental” (ou a “meditação”). É muito frequente o engano de pessoas que utilizam determinados livros para fazer a sua oração mental (ou a sua meditação), e acham que nisso consiste a leitura espiritual. Sem reparar, confundem dois conceitos diferentes.

Para a oração mental (que, como víamos, quase sempre vai unida à meditação), você pode escolher cada dia textos de livros diferentes, os que achar que lhe podem servir de apoio para “falar com Deus” naquele dia; pode variar muito. A “leitura espiritual” é coisa diferente: trate-se de ler em sequência, quase que de “estudar” um livro inteiro, completo, que garanta o aprofundamento da sua formação. Não esqueça essa distinção.

Segundo: Há outras leituras, que também nos fazem muito bem; mais ainda, que nos fazem muita falta: as que nos proporcionam formação doutrinal. Entre eles, podem-se destacar os catecismos: desde o Primeiro Catecismo da doutrina cristã ou Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, até o próprio Catecismo da Igreja Católica, amplo, profundo, excelente, por mais que exija certo preparo doutrinário para entendê-lo bem. Um bom livro de teologia para leigos, que não hesito em recomendar, é a obra do americano Leo Trese, A fé explicada: excelente, pedagógico e claro. Em bastantes casos, essas obras podem ser usadas também como “leitura espiritual”. Hoje, num mundo de ideias confusas, o estudo da doutrina é uma necessidade vital para todos nós.

Prof. Felipe Aquino

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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