A Igreja Nasce

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O ambiente

Diz São Paulo que Cristo nasceu “na plenitude dos tempos” (Gl 4,4; Ef 1,10). Isto significa que a humanidade foi preparada pelo Senhor Deus para receber o Salvador. A fim de esboçar os termos dessa preparação, distinguiremos o mundo greco-romano e o mundo judeu.

O mundo greco-romano

O Império Romano, que se estendia desde a Síria até a Espanha e do rio Nilo ao rio Danúbio, criou uma vasta organização política. Nesta desapareceram as barreiras que dividiram povos outrora inimigos entre si: a mesma língua grega, o mesmo sistema jurídico e administrativo suscitavam certa unidade nas condições de vida desses povos. O comércio intenso por mar e por terra tornava possível o intercâmbio de bens materiais e de ideias. O Imperador Otávio Augusto (30 a.C. – 14 d.C.), pode-se dizer, instaurou a paz (Pax Romana) e a normalidade dentro das suas fronteiras. Tais características, por certo, haveriam de facilitar a propagação do Evangelho: os Apóstolos e discípulos de Cristo se beneficiaram grandemente das estradas, dos meios de comunicação e da cultura do Império para difundir a Boa-Nova; São Paulo recorreu, mais de uma vez, aos seus direitos de cidadão romano no exercício de sua missão apostólica (ver At 16,35-39; 22,25-29; 25,10-12). Em consequência, podia o cristão Orígenes de Alexandria escrever por volta de 248: “Deus preparou os povos e fez que o Império Romano dominasse o mundo inteiro… porque a existência de muitos reinos teria sido um obstáculo à propagação da doutrina de Deus sobre a terra” (Contra Celso II 30).

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Todavia no plano da filosofia e da moral, registrava-se decadência. O pensamento grego chegou ao seu auge com Platão (428-348 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). Depois foi declinando até o ceticismo de Pirro, o cinismo de Diógenes e o ecleticismo. A razão deste declínio foi a frustração que a Filosofia acarretou para os seus cultores: Platão e Aristóteles conceberam um deus que era “amado” pelos homens, mas não retribuía o amor precisamente por ser Deus ou ser perfeito; após Aristóteles, a confiança do homem na razão para descobrir as respostas aos seus anseios foi-se esvaindo. Substituindo o intelectualismo, a partir do século I a.C., apareceram as chamadas “religiões de mistérios”, que apelavam não para o raciocínio, mas para a pureza de coração e a mística como vias de encontro com a Divindade; não o acume intelectual do homem provocaria a descoberta da Divindade, mas esta é que se revelaria a quem se lhe abrisse mediante um processo de iniciação ascética e ritual; essas religiões falavam de culpa, expiação, renascimento, imortalidade, vida feliz no além-túmulo…; seus sacerdotes praticavam a direção espiritual e a instrução dos devotos para que chegassem à salvação.

Sem dúvida, as religiões de mistérios suscitavam nos seus devotos uma atitude muito propícia para receber o Messias Jesus e sua graça; excitavam no homem a consciência (aliás, já despertada pela própria experiência dos séculos anteriores) de que a criatura não pode, por si só, chegar até Deus, mas precisa de que Este lhe venha ao encontro gratuitamente. Esta noção é básica na mensagem do Evangelho. – Deve-se conhecer também que a própria Filosofia grega, embora nas suas linhas gerais não tenha podido satisfazer às aspirações fundamentais do homem, forneceu todavia aos pensadores cristãos um valioso instrumento para ilustrar as verdades da fé cristã; o platonismo com sua sede do transcendental e Invisível foi muito valorizado pela tradição teológica grega e latina até a Idade Média ou até São Boaventura (? 1274); o aristotelismo, que nos primeiros séculos pareceu racionalista a muitos mestres cristãos, foi na Idade Média assumido por S. Tomás de Aquino (? 1274), entrando assim na Escolástica medieval e moderna; o estoicismo, representado principalmente por Sêneca (? 65 d.C.), Epicteto (? 138 d.C.) e o Imperador Marco Aurélio (? 180 d.C.), influiu na formulação da Ética cristã; esta encontrava ecos antecipados em certos princípios ascéticos do estoicismo, na aceitação da lei natural, no reconhecimento de que todos os homens são iguais e devem ser solidários entre si; a proximidade de normas do estoicismo e do Cristianismo deu ocasião a que um cristão anônimo escrevesse em latim uma correspondência epistolar apócrifa entre Sêneca e São Paulo (há oito cartas atribuídas a Sêneca, pretensamente convertido ao Cristianismo, e seis cartas ditas do Apóstolo, que abordam a “conversão” de Sêneca e a missão deste filósofo como pregador do Evangelho na corte imperial).

Em suma, alguns autores cristãos dos séculos II e III quiseram ver na cultura grega a preparação do Evangelho; assim, por exemplo, Clemente de Alexandria (? 214) chamava a filosofia “um dom que Deus concedeu aos gregos” (Stromata I 2,20); dizia outrossim: “A filosofia educou o mundo grego como a Lei de Moisés educou os hebreus (Gl 3,24), orientando-os para Cristo” (Stromata I 5,28).

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O mundo judaico

Entre os demais povos da terra nos tempos anteriores a Cristo, distinguia-se o povo judaico por seu monoteísmo ou pelo culto estrito de um só Deus.

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Os estudiosos têm procurado explicar o surto e a persistência do monoteísmo no povo de Israel desde Abraão (século XIX a.C.); não encontram elucidação sociológica ou psicológica para tal fenômeno, pois Israel era um povo militar e culturalmente inferior aos seus vizinhos politeístas; tendia a adotar os deuses e os costumes dos pagãos…; não obstante, à revelia de todas as influências politeístas, Israel professou constantemente o monoteísmo, suplantando assim, no plano da religião, os grandes reinos e impérios que o cercavam. Este fato só se entende se Deus quis intervir na história, suscitando e conservando Ele mesmo o monoteísmo em Israel (como, aliás, professa a Bíblia). Desta maneira a história de Israel é um portento, que a Providência Divina quis realizar a fim de preparar a vinda do Messias ou do Senhor Jesus. Este é o Prometido a Israel desde os tempos de Abraão.

Nos séculos anteriores próximos a Cristo, o povo israelita se achava em fase de declínio. Após o apogeu de sua história sob Salomão (? 932 a.C.), as tribos de Israel conheceram duas deportações (721 e 587 a.C.) após esta última, viveram sempre sob domínio estrangeiro. Nos tempos de Cristo estavam sob os romanos desde Pompeu e a tomada de Jerusalém em 63 a.C. A esperança de Israel se voltava para o Messias prometido como Filho de Davi; todavia o ideal messiânico era assaz desvirtuado pelo nacionalismo de Israel, que concebia um messianismo fortemente político, apto a restaurar a potência e a grandeza temporal do povo de Deus (ver Lc 24,21; At 1,6).

A facção dos Fariseus predominava no país e inspirava ao povo uma observância escrupulosa da Lei de Moisés e das respectivas tradições, ao mesmo tempo que incutia forte espírito nacionalista; os fariseus “separavam-se” (tal é o sentido do nome perushim) de tudo o que fosse estrangeiro ou impuro. – Ao lado dos fariseus, havia os Saduceus, grupo de elite, que se voltava para a cultura grega, seguindo orientação racionalista (negavam a ressurreição dos mortos e os anjos, At 23,7s). – Fora das cidades encontravam-se em colônias isoladas no deserto (principalmente à margem ocidental do Mar Morto) os Essênios, que esperavam a vinda do Messias para breve, observando celibato e renúncia à propriedade particular; é possível que São João Batista e alguns dos discípulos de Jesus tenham tido contato com os Essênios em Qumram (N.O. do Mar Morto). O nascimento judaico chegava ao extremo nas correntes dos Zelotas (zelosos de suas tradições pátrias e religiosas) e dos Sicários (dispostos a empreender a guerrilha).

Nos tempos do nascimento de Jesus, a Judéia era governada por Herodes o Grande (37-4 a.C.), estrangeiro idumeu, rei vassalo de Roma. No ano 6 d.C. a Judéia foi incorporada à província romana da Síria, cuja administração competia a um Procurador que residia em Cesaréia (Palestina).

Fora da sua terra-mãe, os israelitas se achavam esparsos na Diáspora (= Dispersão). Com efeito, após as deportações para a Assíria (em 721) e para Babilônia (em 587), muitos permaneceram no estrangeiro, formando comunidades que não se misturavam com outros povos e mantinham contato com Jerusalém mediante peregrinações frequentes. Especialmente no Egito constituiu-se próspera colônia judaica, com sua sede principal em Alexandria; nesta cidade viveram grandes pensadores judeus, dos quais o mais famoso é Filon (? 40 d.C.), filósofo que procurou fundir a Bíblia e a filosofia grega numa síntese harmoniosa. Embora se mantivessem segregados, os judeus não deixaram de exercer influência sobre o mundo pagão; o monoteísmo e moral de Israel impressionavam os greco-romanos, de modo que estes se aproximavam da religião judaica… uns como prosélitos, At 2,11 (aceitavam a circuncisão e a Lei de Moisés), outros como tementes a Deus, At 10,2; 13,50; 16,14 (abraçavam o monoteísmo e apenas algumas práticas do judaísmo como repouso do sábado, a distinção de alimentos, certas abluções rituais…)

Neste contexto de pagãos e judeus teve origem o Cristianismo

Jesus e a Igreja

Jesus nasceu em Belém, cidade do rei Davi, como descendente de estirpe régia. A data de seu nascimento foi calculada pelo monge Dionísio o Pequeno (? 556), que se enganou fixando-a no ano 753 (25 de dezembro) da fundação de Roma; para tanto, baseou-se em Lc 3,1 e 3,23, que afirmam: “No décimo quinto ano do Império de Tibério César… Jesus tinha aproximadamente trinta anos”; foi então batizado e iniciou-se seu ministério público. Ora o 15º ano do Imperador Tibério corresponde ao ano 782 da fundação de Roma; Dionísio entendeu que Jesus tinha 29 anos completos quando começou a pregar; daí o cálculo 782-29 = 753. Jesus então teria nascido em 25/12/753 da era de Roma; consequentemente, o ano de 754 foi o primeiro da era cristã. Todavia este cálculo de Dionísio é falho, pois atribuiu a Lc 3,23 um sentido errôneo; Lucas apenas queria dizer que Jesus tinha a idade exigida pelos judeus para exercer uma função pública (= 30 anos). Na verdade, Jesus nasceu antes de 753 de Roma, pois nasceu antes da morte de Herodes (cf. Mt 2,1-22), que se deu em 4 a.C. Jesus devia ter talvez dois anos quando Herodes provocou a matança dos inocentes (cf. Mt 2,16), o que quer dizer que nasceu em 6 ou 7 “antes de Cristo” (pois Herodes deve ter vivido um pouco, depois do morticínio dos inocentes).

Após três anos de vida pública (27-30, provavelmente), Jesus morreu e ressuscitou, como havia predito. Tinha chamado doze seguidores imediatos ou Apóstolos, dos quais Judas desertou (entrando em seu lugar Matias; ver At 1,21-26); Pedro foi constituído chefe desse Colégio e da Igreja inteira (ver Mt 16, 16-19; Lc 22,31s; Jo 15, 15-17).

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A existência histórica de Jesus foi negada por autores como A. Kalthoff, P. Jensen, A. Drews, P. L. Couchoud…, que quiseram equiparar Jesus a personagens místicos do Oriente antigo. Tal tese, porém, não encontra ressonância mesmo nos ambientes mais racionalistas, pois a realidade histórica de Jesus é atestada por autores romanos e judeus, além dos cristãos (ver Curso de Iniciação Teológica por Correspondência, módulo 3, onde são citados os textos de Tácio, ? 116, Suetônio, ? 120, e Plínio o Jovem, ? 112; são outrossim transcritos testemunhos do Talmud dos judeus e de Flávio José, historiador israelita, ? 95).

A Igreja teve sua origem plena em Pentecostes, quando o Espírito Santo se deu aos Apóstolos reunidos com Maria em oração no Cenáculo de Jerusalém. Os Apóstolos, pregando em diversas línguas sob a ação do Espírito, fizeram a primeira proclamação de que se iniciava o Reino de Deus; daí resultou a conversão de 3.000 judeus (cf. At 2). A Igreja era movida pelo Espírito, de sorte que o número de fiéis aumentava de dia para dia (cf. At 2,47); os Atos dos Apóstolos atestam que levavam vida fraterna, com desapego de seus bens, como se fossem um só coração e uma só alma (cf. At 4,32s). A princípio, os cristãos frequentavam o Templo de Jerusalém, participando da oração dos judeus e observando costumes israelitas; nas casas particulares, porém, “partiam o pão”, isto é, celebravam a Eucaristia, como lhes mandara o Senhor. Não pareciam ser mais do que um ramo dissidente do judaísmo oficial, o que lhes valeu perseguições da parte das autoridades judaicas (cf. At 4, 1-31). Em breve, porém, se evidenciaria a grande novidade trazida pelo Evangelho e assim formulada por São Paulo: “Quando ainda éramos fracos, Cristo no tempo marcado morreu pelos ímpios. Dificilmente alguém dá a vida por um justo; por um homem de bem talvez haja alguém que se disponha a morrer. Mas Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristoter morrido por nós quando éramos ainda pecadores” (Rm 5, 6-8).

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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