A Igreja é um organismo vivo

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O Espírito Santo e a Igreja

Quando o sacerdote instrui um possível converso, geralmente nas primeiras etapas das suas explicações, ensina-lhe o significado do perfeito amor a Deus. Explica-lhe o que quer dizer fazer um ato de contrição perfeita. Ainda que esse converso deva esperar vários meses até receber o Batismo, não há razão para que viva esse tempo em pecado. Um ato de perfeito amor a Deus – que inclui o desejo de batizar-se – purificar-lhe a alma antes do Batismo.

O possível converso, naturalmente, alegra-se de sabê-lo, e eu estou certo de ter derramado a água batismal na cabeça de muitos adultos que já possuíam o estado de graça santificante. Por haverem feito um ato de perfeito amor a Deus, tinham recebido o batismo de desejo. E, não obstante, em todos e em cada um dos casos, o converso manifestou uma grande alegria e alívio ao receber o sacramento, porque até esse momento não podia ter a certeza de que os seus pecados estavam perdoados. Por muito que nos esforcemos por fazer um ato perfeito de amor a Deus, nunca poderemos estar certos de tê-lo conseguido. Mas quando a água salvífica lhe é derramada sobre a cabeça, o neófito passa a ter a certeza de que Deus veio a ele.

São Paulo diz-nos que ninguém, nem sequer o melhor de nós, pode ter a certeza absoluta de estar em estado de graça santificante. Mas tudo o que pedimos é certeza moral, o tipo de certeza que temos quando somos batizados ou quando recebemos a absolvição no sacramento da Penitência. A paz da alma, a gozosa confiança que esta certeza proporciona, é uma das razões pelas quais Jesus Cristo instituiu uma Igreja visível. As graças que Ele nos adquiriu no Calvário, podia tê-las aplicado a cada alma direta e invisivelmente, sem recorrer a sinais externos ou cerimônias. No entanto, como conhecia a nossa necessidade de uma segurança visível, preferiu canalizar as suas graças através de símbolos sensíveis. Instituiu os sacramentos, para que pudéssemos saber quanto, como e que espécie de graça recebemos. E os sacramentos visíveis necessitam de um agente visível no mundo, que os guarde e distribua. Este agente visível é a Igreja instituída por Jesus Cristo.

A necessidade de uma Igreja não se limita, evidentemente, à guarda dos sacramentos. Ninguém pode querer os sacramentos se não os conhece. Como ninguém pode crer em Cristo se antes não lhe falaram d’Ele. Para que a vida e a morte de Cristo não sejam em vão, tem que existir uma voz viva no mundo que transmita os ensinamentos de Cristo através dos séculos. Deve haver uma voz audível, deve haver um porta-voz visível, cuja autoridade todos os homens de boa vontade possam reconhecer. Consequentemente, Jesus fundou a sua Igreja não só para santificar a humanidade por meio dos sacramentos, mas, antes de tudo, para ensinar aos homens as verdades que Jesus Cristo ensinou, as verdades necessárias à salvação. Basta um momento de reflexão para nos darmos conta de que, se Jesus não tivesse fundado uma Igreja, até mesmo o nome de Jesus Cristo nos seria hoje desconhecido.

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Porém, não nos basta ter à nossa disposição a graça dos sacramentos visíveis da Igreja visível, nem nos basta ter a verdade proclamada pela voz viva da Igreja docente. Precisamos também saber o que devemos fazer por Deus; necessitamos de um guia seguro que nos indique o caminho que devemos seguir de acordo com a verdade que conhecemos e as graças que recebemos. Da mesma maneira que seria inútil para os cidadãos de um país ter uma Constituição se não houvesse um governo para interpretá-la e fazê-la observar mediante uma legislação adequada, o conjunto da Revelação cristã precisa de uma instância que i interprete de modo apropriado. Como fazer-se membro da Igreja e como permanecer nela? Quem pode receber este ou aquele sacramento, quando e como? Quando a Igreja promulga as suas leis, responde a perguntas como essas, cumprindo sob Cristo o seu terceiro dever, além dos de ensinar e santificar: governar.

Conhecemos a definição clássica da Igreja como “a congregação de todos os batizados, unidos na mesma fé verdadeira, no mesmo sacrifício e nos mesmos sacramentos, sob a autoridade do Sumo Pontífice e dos bispos em comunhão com ele”.

Uma pessoa torna-se membro da Igreja quando recebe o sacramento do Batismo, e continua a sê-lo enquanto dela não se separar por cisma (negação ou contestação da autoridade papal), por heresia (negação de uma ou mais verdades de fé proclamadas pela Igreja), ou por excomunhão (exclusão da Igreja por certos pecados grave sem arrependimento). Mas mesmo essas pessoas, se foram batizadas validamente, permanecem basicamente súditos da Igreja, e estão obrigadas a cumprir as suas leis, a não ser que delas sejam dispensadas especificamente.

Com tudo isto, vê-se bem que consideramos a Igreja de um ponto de vista apenas externo. Assim como um homem é mais do que o seu corpo físico, assim a Igreja é infinitamente mais do que a mera organização exterior visível. O que torna o homem um ser humana é a alma. E é a alma da Igreja o que a torna, além de uma organização, um organismo vivo. Assim como a inabitação das três Pessoas divinas dá à alma a vida sobrenatural a que chamamos graça santificante, assim a inabitação da Santíssima Trindade dá à Igreja a sua vida inextinguível, a sua perene vitalidade. Já que a tarefa de santificar-nos (que é própria do Amor divino) se atribui ao Espírito Santo por apropriação, é Ele quem nós designamos por alma da Igreja, desta Igreja cuja Cabeça é Cristo.

“O que o nosso espírito, quer dizer, a nossa alma, é em relação aos nossos membros, assim é o Espírito Santo em relação aos membros de Cristo, ao corpo de Cristo que é a Igreja” (Santo Agostinho, Serm. 267, 4: PL 38, 1231 D). “É a este Espírito de Cristo, como princípio invisível, que se deve atribuir também a união de todas as partes do Corpo tanto entre si como com a sua Cabeça, pois Ele está todo na Cabeça, todo no Corpo e todo em cada um dos seus membros” (Pio XIII, Encíclica Mystici corporis: DS 380). “É Espírito Santo que faz da Igreja o templo do Deus vivo (2Cor 6,16)” (§797; cf. também §798).

Deus modelou Adão do barro na terra, e depois segundo a bela imagem bíblica, insuflou uma alma nesse corpo, e Adão muito semelhante. Primeiro desenhou, o Corpo da Igreja na Pessoa de Jesus Cristo. Esta tarefa estendeu-se por três anos, desde o primeiro milagre público de Jesus, em Caná, até à sua ascensão ao céu. Durante esse tempo, Jesus escolheu os seus doze Apóstolos, destinados a serem os primeiros bispos da sua Igreja. Durante três anos, instruiu-os e treinou-os nos seus deveres, na missão de estabelecer o reino de Deus. Nesse mesmo período de tempo, desenhou também os sete “canais”, os sete sacramentos, pelos quais fluíram às almas dos homens as graças que Ele ganharia na cruz.

Ao mesmo tempo, Jesus confiou aos Apóstolos um tríplice missão, que é a tríplice missão da Igreja. Ensinar: Ide, pois, ensinai a todos os povos […]. Ensinando-os a observar todas as coisas que vos mandei (Mt 28, 19-20). Santificar: Batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19); Isto é o meu corpo […]; fazei isto em memória de mim (Lc 22, 19); Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados. Àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (Jo20, 23). E governar em seu nome: Se recusar a ouvi-los, dize-o à Igreja. Se não ouvir a Igreja, considera-o como um gentio ou um publicano. […] Tudo o que ligardes sobre a terra, será ligado no céu; e tudo o que desatardes sobre a terra, será desatado no céu (Mt 18, 17-18); Quem vos ouve, a mim ouve, e quem vos despreza, a mim despreza (Lc 10, 16).

“Para manter a Igreja na pureza da fé transmitida pelos Apóstolos, Cristo quis conferir à sua Igreja uma participação na sua própria infalibilidade, Ele que é a Verdade. Pelo “sentido sobrenatural a fé”, o Povo de Deus “se atém indefectivelmente á fé”, sob a guia do Magistério vivo da Igreja” (cf. LG 12, DV, 10).

“A missão do Magistério está ligada ao caráter definido da Aliança instaurada por Deus em Cristo como seu Povo; deve protege-lo dos desvios e dos desfalecimentos e garantir-lhe a possibilidade objetiva de professar sem erro a fé autêntica. O ofício pastoral do Magistério está assim ordenado ao cuidado para que o Povo de Deus permaneça na verdade que liberta. Para executar este serviço, Cristo dotou os pastores do carisma de infalibilidade em matéria de fé e de costumes” (§889-90; cf. também §888 e 891-2).

“O Bispo e os presbíteros santificam a Igreja pela sua oração e trabalho, pelo ministério da palavra e dos sacramentos. Santificam-na pelo seu exemplo, não agindo como senhores daqueles que vos couberam por sorte, mas, antes, como modelos do rebanho (1Pd 5,3)” (§893).

“<<Os Bispos dirigem as suas Igrejas particulares, como vigários e delegados de Cristo, mediante conselhos, exortações e exemplos; mas também pela sua autoridade e pelo seu poder sagrado>> (LG 27), que devem, no entanto, exercer para edificação e no espírito de serviço que caracteriza o do seu Mestre” (§894; cf. também os §895-6).

Outra missão de Jesus, ao formar o Corpo da sua Igreja, foi a de prover uma autoridade para o seu Reino na terra. Atribuiu esta tarefa ao Apóstolo Simão, filho de João, e, ao fazê-lo, impôs-lhe um nome novo, Pedro que quer dizer pedra. A promessa foi esta: Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas […]. E eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do reino dos céus (Mt 16, 17-19). E Jesus cumpriu essa promessa depois de ressuscitar, segundo lemos no capítulo 21 do Evangelho de São João. Após obter de Pedro uma tríplice manifestação de amor (Simão, filho de Jonas, tu me amas?), fez dele o pastor supremo do seu rebanho. Apascenta os meus cordeiros, disse-lhe Jesus, apascenta as minhas ovelhas. Todo o rebanho de Cristo – ovelhas e cordeiros; bispos, sacerdotes e fiéis – foi posto sob a jurisdição de Pedro e dos seus sucessores, porque, é evidente, Jesus não veio à terra para salvar só as almas contemporâneas dos Apóstolos. Jesus veio para salvar todas as almas, enquanto houver almas que salvar.

“O Papa, Bispo de Roma e sucessor de São Paulo, “é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade, quer dos Bispos, quer da multidão dos fiéis” (LG 23). “Com efeito, o Pontífice Romano, em virtude do seu múnus de Vigário de Cristo e de Pastor de toda a Igreja, possui na Igreja poder pleno, supremo e universal. E ele pode sempre livremente exercer este seu poder” (LG 22)” (§882; cf. também §880-1 e §883-7).

O tríplice dever (e poder) dos Apóstolos – ensinar, santificar e governar – foi por eles transmitido a outros homens, a quem, pelo sacramento da Ordem, ordenaria e consagrariam para continuarem a sua missão. Os bispos atuais são sucessores dos Apóstolos. Cada um deles recebeu o seu poder episcopal de Cristo, por meio dos Apóstolos, em continuidade ininterrupta. E o poder supremo de Pedro, a quem Cristo constituiu cabeça de tudo, reside hoje no bispo de Roma, a quem chamamos com amor o Santo Padre. Isto é assim porque, pelos desígnios da Providência, Pedro foi a Roma e lá morreu como primeiro bispo da cidade. Consequentemente, quem for bispo de Roma será automaticamente o sucessor de Pedro e, portanto, possui o especial poder de Pedro de ensinar e governar toda a Igreja.

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Este é, pois, o Corpo da Igreja de Cristo, tal como Ele a criou: não uma mera irmandade invisível de homens unidos pelos laços da graça, mas uma sociedade visível de homens subordinada a uma cabeça investida em autoridade e governo. É o que chamamos uma sociedade hierárquica, com as sólidas e admiráveis proporções de uma pirâmide. No cume do Papa, com suprema autoridade espiritual. Imediatamente abaixo, formando com o Papa o Colégio Episcopal, do qual o Sumo Pontífice é a cabeça, os outros bispos, cuja jurisdição, cada um na respectiva diocese, procede da sua união com o sucessor de Pedro. Mais abaixo, os sacerdotes que, como cooperadores dos bispos, em virtude do sacramento da Ordem, são consagrados para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino. Finalmente, está a ampla base do povo de Deus, as almas de todos os batizados, para quem os outros existem.

Este é o Corpo da Igreja tal como Jesus o constituiu nos seus três anos de vida pública. Como o corpo de Adão, jazia à espera da alma. Esta alma havia sido prometida por Jesus quando disse aos seus Apóstolos antes da Ascensão: Recebereis a virtude do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minha testemunha em Jerusalém, em toda a Judeia, na Sumaria e até às extremidades da terra (At 1,8). Conhecemos bem a história do Domingo de Pentecostes, décimo dia depois da Ascensão e quinquagésimo depois da Páscoa (Pentecostes significa “quinquagésimo”): Apareceram-lhes repartidas umas como línguas de fogo, que pousaram sobre cada um deles [dos Apóstolos], ficando todos repletos do Espírito Santo (At 2,3-4). E, nesse momento, o Corpo tão maravilhosamente desenhado por Jesus durante três pacientes anos aflorou subitamente à vida. O Corpo Vivo levanta-se e começa a sua expansão. Nasceu a Igreja de Cristo.

Retirado do livro: “A Fé Explicada”. Pe. Léo J. Trese. Ed. Quadrante.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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