Aos 16 de outubro de 1987 faleceu o Cardeal Joseph Höffner, arcebispo de Colônia (Alemanha), ex-presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha Ocidental, vítima de um tumor maligno na cabeça. É o autor do livro “Doutrina Social Cristã”. Dentre os escritos deixados por ele, encontra-se a “despedida”, que abaixo vai transcrita. É sempre oportuno ouvir as palavras de alguém que se põe no limiar da morte e olha para o passado assim como para as pessoas que o acompanham.
“Como sacerdote e como Bispo, anunciei muitas vezes a Boa-nova da morte cristã. Na medida em que eu mesmo envelheci, tocava-me mais esta mensagem; pois eu sabia, que em breve haveria de despojar-me desta tenda terrena, e que chegava o tempo de minha partida (cf. (2Pd 1,14; 2Tm 4,6)”.
Nossa fé não permite que se banalize a morte. Experiências até então desconhecidas nos serão oferecidas. A morte é uma lei, mas também um juízo. Ela perdeu o seu aguilhão (cf. 1Cor 15,55). Na segunda vinda de Nosso Senhor, ela será definitivamente destruída como último inimigo (1Cor 15,26). Com Cristo já começou a nossa ressurreição. Como primícias, Cristo; depois, aqueles que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda (1Cor 15,23).
Tenho consciência de que existe uma vida – minha vida terrestre – que ainda não é vida em plenitude; e que existe uma morte – minha morte humana –, que não mata e não separa sob todos os aspectos. Após a sementeira, haverá a colheita. Da terra estrangeira peregrinamos para a Pátria, da tenda para a casa paterna, da cidade terrestre para a Jerusalém celeste. Tudo o que buscamos dentro do mundo, são apenas valores provisórios e passageiros. Nossa meta verdadeira é Deus.
Assim devolvo minha vida terrestre às mãos do Criador, esperando que Jesus Cristo, “a Luz dos homens” (Jo 1,4) alumie o caminho de minha passagem. A minha vida, a segurança e o aconchego dentro da Igreja, o meu sacerdócio: tudo Deus me concedeu sem mérito meu. Por isto a despedida deste mundo torna-se um ato de agradecimento. Agradeço a Jesus Cristo, porque, como sacerdote em Saarbrucken, em Kail e Trier, e depois em Münster e Colônia como Bispo, maravilhado, eu pude experimentar Seu amor, que dá vida dentro da Santa Igreja, a qual, não obstante tantas rugas, é sua Esposa e nossa Mãe. Pude experimentar esse amor quando, na Eucaristia, tinha sua presença entre nós, quando Ele ia à procura dos desgarrados e perdoava os pecadores, quando Ele reconfortava e consolava enfermos e moribundos, quando Ele chamava jovens para o Seu seguimento.
Agradeço a meus pais e a meus irmãos seu amor e sua bondade. Agradeço aos fiéis sua confiança, aos irmãos no episcopado, aos sacerdotes e diáconos a sua colaboração fraterna na vinha do Senhor. Agradeço aos Religiosos e a tantas mulheres e homens que, como voluntários ou como contratados, servem à causa da Igreja. Não menos agradeço a todos os que, em minha casa, durante todos esses anos, incansáveis e pacientes me apoiaram.
Queira Deus perdoar os meus pecados, os meus fracassos, as minhas fraquezas e negligências. Seja-me Ele, pela intercessão de Maria, Mãe de Deus, um Juiz misericordioso. A todos aqueles que eu tenha ofendido ou entristecido, e a todos os que não se viram compreendidos por mim, peço, pelo amor de Jesus Cristo, o perdão.
Num tempo muito agitado social e eclesialmente, Deus colocou em minhas fracas mãos o báculo pastoral de São Materno. Experimentei a Igreja em suas aflições, que lhe advêm de fora e de dentro. Mas exatamente nos anos da fermentação e de mudanças abruptas, foi-me consolo e força aquela certeza de que é Jesus Cristo quem vive e age em sua Igreja.
Como chegou o momento em que devo prestar contas diante d’Ele, suplico aos fiéis da Arquidiocese de Colônia, e conjuro-os a que permaneçam firmes em seu amor e sua fidelidade ao Cristo e à Igreja, que é o seu Corpo (Cl 1,24); que conservem a unidade na fé em comunhão com o sucessor de São Pedro, que imitem o próprio Cristo em sua vida cotidiana, e que, por seu vivo testemunho, tornem a Igreja presente e operosa naqueles lugares e circunstâncias onde apenas através deles ela pode chegar como sal da terra (II Concílio do Vaticano, LG 33).
Deus abençoe e proteja a Arquidiocese de Colônia: as famílias, as crianças e os jovens, os pais e as mães, as pessoas idosas, os sacerdotes, os diáconos e os religiosos.
Lembrai-vos de mim na oração. Eu clamo ao Senhor: Tende piedade de mim, segundo a vossa grande misericórdia! (Ne 13,22). Por vós, meu Deus, aspiro (Sl 25,1).
Quarta-Feira de Cinzas, 20 de fevereiro 1980.
+ Joseph Cardeal Höffner”
O texto dispensa comentários. É a palavra simples de um homem de fé, que deu lúcido testemunho de fidelidade a Cristo e à Igreja até o extremo momento de sua existência terrestre.
Retirado do livro” O CRISTÃO DIANTE DA MORTE”