A Criação e a Queda – Santo Atanásio

Esta pequena obra foi
escrita por volta do ano 350 e demonstra o conhecimento exegético de Santo
Atanásio sobre a criação e queda do gênero humano.

Em nosso Livro anterior tratamos suficientemente sobre alguns dos
principais pontos do culto pagão dos ídolos, e como estes falsos deuses
surgiram originalmente. Nós também, pela graça de Deus, indicamos brevemente
que o Verbo do Pai é Ele mesmo divino, que todas as coisas que existem devem
seu próprio ser à sua vontade e poder e que é através dEle que o Pai dá ordem à
criação, por Ele que todas as coisas são movidas e através dEle que recebem o
seu ser. Agora, Macário, verdadeiro amante de Cristo, devemos dar um passo a
mais na fé de nossa sagrada religião e considerar também como o Verbo se fêz
homem e surgiu entre nós.

Para tratar destes assuntos
é necessário primeiro que nos lembremos do que já foi dito. Deves entender por
que o Verbo do Pai, tão grande e tão elevado, se manifestou em forma corporal.
Ele não assumiu um corpo como algo condizente com a sua própria natureza, mas,
muito ao contrário, na medida em
que Ele é Verbo, Ele é sem corpo. Manifestou-se em um corpo
humano por esta única razão, por causa do amor e da bondade de seu Pai, pela
salvação de nós homens. Começaremos, portanto, com a criação do mundo e com
Deus seu Criador, pois o primeiro fato que deves entender é este: a renovação
da Criação foi levada a efeito pelo mesmo Verbo que a criou em seu início.

Em relação à criação do
Universo e à criação de todas as coisas têm havido uma diversidade de opiniões,
e cada pessoa tem proposto a teoria que bem lhe apraz. Por exemplo, alguns
dizem que todas as coisas são auto originadas e, por assim dizer, totalmente ao
acaso. Entre estes estão os Epicúreos, os quais negam terminantemente que haja
alguma Inteligência anterior ao Universo.

Outros fazem seu o ponto de
vista expressado por Platão, aquele gigante entre os Gregos. Ele disse que Deus
fêz todas as coisas da matéria pre-existente e incriada, assim como o
carpinteiro faz as suas obras da madeira que já existe. Mas os que sustentam
esta opinião não se dão conta que negar que Deus seja Ele próprio a causa da
matéria significa atribuir-Lhe uma limitação, assim como é indubitavelmente uma
limitação por parte do carpinteiro que ele não possa fazer nada a não ser que
lhe esteja disponível a madeira.

Então, finalmente, temos a
teoria dos Gnósticos, que inventaram para si mesmos um Artífice de todas as
coisas, outro que não o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Estes simplesmente
fecham os seus olhos para o sentido óbvio das Sagradas Escrituras.

Tais são as noções que os
homens têm elaborado. Mas pelo divino ensinamento da fé cristã nós sabemos que,
pelo fato de haver uma Inteligência anterior ao Universo, este não se originou
a si mesmo; por ser Deus infinito, e não finito, o Universo não foi feito de
uma matéria pré-existente, mas do nada e da absoluta e total não existência, de
onde Deus o trouxe ao ser através do Verbo. Ele diz, neste sentido, no Gênesis:

“No início Deus criou o
Céu e a Terra” [Gen. 1,1].

e novamente, através daquele
valiosíssimo livro ao qual chamamos “O Pastor”:

“Crêde primeiro e antes
de tudo o mais que há apenas um só Deus o qual criou e ordenou a todas as
coisas trazendo-as da não existência ao ser”.

Paulo também indica a mesma
coisa quando nos diz:

“Pela fé conhecemos que
o mundo foi formado pela Palavra de Deus, de tal modo que as coisas visíveis
provieram das coisas invisíveis” [Heb. 11, 3].

Pois Deus é bom, ou antes,
Ele é a fonte de toda a bondade, e é impossível por isso que Ele deva algo a
alguém. Não devendo a existência a ninguém, Ele criou a todas as coisas do nada
mediante seu próprio Verbo, nosso Senhor Jesus Cristo, e de todas as suas criaturas
terrenas ele reservou um cuidado especial para a raça humana. A eles que, como
animais, eram essencialmente impermanentes, Deus concedeu uma graça de que as
demais criaturas estavam privadas, isto é, a marca de sua própria Imagem, uma
participação no ser racional do próprio Verbo, de tal modo que, refletindo-O,
eles mesmos se tornariam racionais expressando a Inteligência de Deus tanto
quanto o próprio Verbo, embora em grau limitado. Deste modo, os homens poderiam
continuar para sempre na bem aventurada e única verdadeira vida dos santos no
paraíso. Como a vontade do homem poderia, porém, voltar-se para vários
caminhos, Deus assegurou-lhes esta graça que lhes havia concedido
condicionando-a desde o início a duas coisas. Se eles guardassem a graça e retivessem
o amor de sua inocência original, então a vida do paraíso seria sua, sem
tristeza, dor ou cuidados, e após ela haveria a certeza da imortalidade no céu.
Mas se eles se desviassem do caminho e se tornassem vis, desprezando seu
direito natal à beleza, então viriam a cair sob a lei natural da morte e
viveriam não mais no paraíso, mas, morrendo fora dele, continuariam na morte e
na corrupção. Isto é o que a Sagrada Escritura nos ensina, ao proclamar a ordem
de Deus:

“De todas as árvores
que estão no jardim vós certamente comereis, mas da árvore do conhecimento do
bem e do mal não havereis de comer, pois certamente havereis de morrer”
[Gen. 2].

“Certamente havereis de
morrer”, isto é, não apenas morrereis, mas permanecereis no estado de
morte e corrupção.

Estarás talvez a divagar por
que motivo estamos discutindo a origem do homem se nos propusemos a falar sobre
o Verbo que se fêz homem. O primeiro assunto é de importância para o último por
este motivo: foi justamente o nosso lamentável estado que fêz com que o Verbo
se rebaixasse, foi nossa transgressão que tocou o seu amor por nós. Pois Deus
havia feito o homem daquela maneira e havia querido que ele permanecesse na
incorrupção. Os homens, porém, tendo voltado da contemplação de Deus para o mal
que eles próprios inventaram, caíram inevitavelmente sob a lei da morte. Em vez
de permanecerem no estado em
que Deus os havia criado, entraram em um processo de uma
completa degeneração e a morte os tomou inteiramente sob o seu domínio. Pois a
transgressão do mandamento os estava fazendo retornarem ao que eles eram
segundo a sua natureza, e assim como no início eles haviam sido trazidos ao ser
a partir da não existência, passaram a trilhar, pela degeneração, o caminho de
volta para a não existência. A presença e o amor do Verbo os havia chamado ao
ser; inevitavelmente, então, quando eles perderam o conhecimento de Deus,
juntamente com este eles perderam também a sua existência. Pois é somente Deus
que existe, o mal é o não-ser, a negação e a antítese do bem. Pela natureza, de
fato, o homem é mortal, já que ele foi feito do nada; mas ele traz também
consigo a Semelhança dAquele Que É, e se ele preservar esta Semelhança através
da contemplação constante, então sua natureza seria despojada de seu poder e
ele permaneceria indegenerescente. De fato, é isto o que vemos escrito no Livro
da Sabedoria:

“A observância de Suas
Leis é a garantia da imortalidade” [Sab. 6, 18].

E, incorrompido, o homem
seria como Deus, conforme o diz a própria Escritura, onde afirma:

“Eu disse: `Sois
deuses, e todos filhos do Altíssimo. Mas vós como homens morrereis, caireis
como um príncipe qualquer'” [Sal. 81, 6].

Esta, portanto, era a
condição do homem. Deus não apenas o havia feito do nada, mas também lhe tinha
graciosamente concedido a Sua própria vida pela graça do Verbo. Os homens,
porém, voltando-se das coisas eternas para as coisas corruptíveis, pelo
conselho do demônio, se tornaram a causa de sua própria degeneração para a
morte, porque, conforme dissemos antes, embora eles fossem por natureza
sujeitos à corrupção, a graça de sua união com o Verbo os tornava capazes de
escapar na lei natural, desde que eles retivessem a beleza da inocência com a
qual haviam sido criados. Isto é o mesmo que dizer que a presença do Verbo
junto a eles lhes fazia de escudo, protegendo-os até mesmo da degeneração
natural, conforme também o diz o Livro da Sabedoria:

“Deus criou o homem
para a imortalidade e como uma imagem de sua própria eternidade; mas pela
inveja do demônio entrou no mundo a morte” [Sab. 2, 23].

Quando isto aconteceu os
homens começaram a morrer e a corrupção correu solta entre eles, tomou poder
sobre os mesmos até mais do que seria de se esperar pela natureza, sendo esta a
penalidade sobre a qual Deus os havia avisado prevenindo-os acerca da
transgressão do mandamento. Na verdade, em seus pecados os homens superaram
todos os limites. No início inventaram a maldade; envolvendo-se desta maneira
na morte e na corrupção, passaram a caminhar gradualmente de mal a pior, não se
detendo em nenhum grau de malícia, mas, como se estivessem dominados por uma
insaciável apetite, continuamente inventando novo tipos de pecados. Os
adultérios e os roubos se espalharam por todos os lugares, os assassinatos e as
rapinas encheram a terra, a lei foi desrespeitada para dar lugar à corrupção e
à injustiça, todos os tipos de iniqüidades foram praticados por todos, tanto
individualmente como em
comum. Cidades fizeram guerra contra cidades, nações se
levantaram contra nações, e toda a terra se viu repleta de divisões e lutas,
enquanto cada um porfiava em superar o outro em malícia. Até os
crimes contrários à natureza não foram desconhecidos, conforme no-lo diz o
Apóstolo mártir de Cristo:

“Suas próprias mulheres
mudaram o uso natural em outro uso, que é contra a natureza; e os homens
também, deixando o uso natural da mulher, arderam nos seus desejos um para com
o outro, cometendo atos vergonhosos com o seu próprio sexo, e recebendo em suas
próprias pessoas a recompensa devida pela sua perversidade” [Rom. 1,
26-7].

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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