A beleza do rito litúrgico

ROMA,
domingo, 30 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) – Hans Urs von Balthasar, na
“Introdução” ao primeiro volume de sua monumental Herrlichkeit
(Glória), em que desenvolveu uma teologia sistemática focada na importância da
beleza, escreve:

“A
beleza é a última palavra que o intelecto pensante pode atrever-se a
pronunciar, porque esta não faz outra coisa a não ser coroar, como auréola de
esplendor inapreensível, a estrela dupla da verdade e do bem e sua relação
indissolúvel. Esta é a beleza altruísta, sem a qual o velho mundo era incapaz
de ser compreendido, mas que deixou, na ponta dos pés, o moderno mundo dos
interesses, abandonando-o à sua cobiça e tristeza. Esta é a beleza que já não é
amada ou mesmo guardada pela religião, mas, como máscara arrancada de seu
rosto, revela traços que ameaçam ser incompreensíveis para os homens. Esta é a
beleza em que já não ousamos acreditar e que transformamos em aparência para
que possamos nos libertar dela sem remorsos. Esta é a beleza, enfim, que requer
(como é demonstrado hoje), pelo menos coragem e força de decisão da verdade e
da bondade, e que não se deixa reduzir ao ostracismo e separar dessas suas duas
irmãs sem arrastá-las consigo em uma misteriosa vingança” (Gloria. Una
estetica teologica, Jaca Book, Milano 1994 [rist II.], pp. 10-11).

São
palavras de clara condenação, por parte de um teólogo bem “moderno”,
desse espírito funcionalista típico da modernidade, que é incapaz de apreciar o
valor das coisas belas que não tenham um reflexo imediato no campo da
utilidade. Como compreender hoje o valor dos detalhes minuciosos que os
artistas traçaram sobre as abóbadas de inúmeras igrejas e que são inúteis,
porque não são perceptíveis para quem vê a abóbada da nave? Como justificar a
fadiga dos mestres do mosaico que passavam dias compondo obras em locais não
visíveis das catedrais medievais? Se a pintura ou o mosaico não serão vistos,
não serão usufruídos por olho humano algum, de que adiantou tanta dificuldade?
A beleza neste caso não implica uma perda de tempo e energia? E também: para
que serve a beleza das vestimentas e dos vasos sagrados, se o pobre morre de
fome ou não tem com que cobrir sua nudez? Essa beleza não tira recursos do
cuidado dos necessitados?

E, no
entanto, a beleza é proveitosa! E serve precisamente quando é gratuita, quando
não busca uma utilidade imediata, quando é irradiação de Deus. Bento XVI
recorda: “A relação entre mistério acreditado e mistério celebrado
manifesta-se, de modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da beleza. De
fato, a liturgia, como aliás a revelação cristã, tem uma ligação intrínseca com
a beleza: é esplendor da verdade (veritatis splendor). Na liturgia, brilha o
mistério pascal, pelo qual o próprio Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão.
(…) A beleza da liturgia pertence a este mistério; é expressão excelsa da
glória de Deus e, de certa forma, constitui o céu que desce à terra. (…)
Concluindo, a beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica, mas seu
elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da sua revelação.
Tudo isto nos há-de tornar conscientes da atenção que se deve prestar à ação
litúrgica para que brilhe segundo a sua própria natureza” (Sacramentum Caritatis, n. 35).

Quem não
sabe apreciar o valor gratuito (ou seja, da graça) da beleza, em especial da
beleza litúrgica, dificilmente conseguirá realizar um ato adequado de culto
divino. Continua Von Balthasar: “Quem, ao ouvir falar dela, sorri,
julgando-a como um resíduo exótico de um passado burguês, desse se pode ter
certeza de que – secreta ou abertamente – já não é capaz de rezar e, depois,
tampouco o será de amar” (Glória, p. 11).

A beleza do
rito, quando é tal, corresponde à ação santificadora própria da sagrada
liturgia, a qual é obra de Deus e do homem, celebração que dá glória ao Criador
e Redentor e santifica a criatura redimida. De modo conforme à natureza
composta do homem, a beleza do rito deve ser sempre corpórea e espiritual,
mostrar o visível e o invisível. Do contrário, ou se cai no esteticismo, que
pretende satisfazer o gosto, ou no pragmatismo, que supera as formas na busca
utópica de um contato “intuitivo” com o divino. No fundo, em ambos os
casos, passa-se da espiritualidade à emotividade.

O risco hoje
é menos o do esteticismo e muito mais o do pragmatismo informal. Temos
necessidade, no presente, não tanto de simplificar e de extrair o supérfluo,
mas de redescobrir o decoro e a majestade do culto divino. A sagrada liturgia
da Igreja atrairá o homem da nossa época não vestindo cada vez mais as
vestimentas da cotidianidade anônima e cinza, a que já está muito acostumado,
mas vestindo o manto real da verdadeira beleza, vestidura sempre nova e jovem,
que a faz ser percebida como uma janela aberta ao céu, como ponto de contato
com o Deus Uno e Trino, a cuja adoração está ordenada, através da mediação de
Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote.Por Mauro
Gagliardi

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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